Seja quem for o sucessor de António Costa, o primeiro-ministro demissionário tem uma certeza: vai dar "10 a zero em experiência executiva e em capacidade de liderança do país" quando comparados com o líder da oposição, Luís Montenegro. Pedro Nuno Santos, o "enfant terrible" do Partido Socialista (PS), ou José Luís Carneiro, "um homem discreto e leal". São estes os dois nomes que já estão na calha para a sucessão de António Costa no PS, agora que o Governo caiu com a dissolução da Assembleia da República.
"Não é fácil suceder a António Costa. É talvez o político com mais experiência e mais longevidade na vida pública", observa Adalberto Fernandes, do PS, em declarações à CNN Portugal. Por isso, diz, a sua substituição "pode criar um sentimento de orfandade" no partido.
Para Alexandra Leitão, antiga ministra socialista da Administração Pública, entre Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro "qualquer uma das soluções é boa". "Ter uma única candidatura de união seria bom, mas ter duas candidaturas também é revelador do pluralismo interno do partido", afirma à CNN Portugal.
Enquanto Pedro Nuno Santos é o rosto da ala mais radical do PS, José Luís Carneiro representa uma ala mais moderada dos socialistas, como descrevem os politólogos ouvidos pela CNN Portugal. Os dois são economistas e vêm do norte do país. Mas as semelhanças entre ambos parecem terminar aqui. O "estilo revolucionário" e a "imagem carismática" de Pedro Nuno Santos podem valer-lhe algumas vantagens em detrimento de outros potenciais candidatos, nomeadamente de José Luís Carneiro, mas também podem custar-lhe o caminho para a sucessão de António Costa, como explicam os politólogos.
"Desde há muito tempo que Pedro Nuno Santos tem vindo a marcar o seu terreno [no PS], principalmente quando entrou numa espécie de rota de colisão com António Costa", assinala à CNN Portugal o politólogo José Filipe Pinto, referindo-se às divergências entre o então ministro das Infraestruturas e o primeiro-ministro, desde logo com a polémica em torno do novo aeroporto.
Em junho do ano passado, António Costa desautorizou um despacho de Pedro Nuno Santos que determinava os concelhos do Montijo e Alcochete como localizações para a nova solução aeroportuária da região de Lisboa. O então ministro das Infraestruturas assumiu "erros de comunicação" com o governo sobre essa matéria, mas manteve-se em funções.
Pedro Nuno Santos tornou-se assim o rosto "revolucionário" dentro do partido, o que, na perspetiva de José Filipe Pinto, lhe pode valer o apoio dos socialistas que se posicionam mais à esquerda e que se alinham numa "possibilidade de entendimentos à esquerda, quer com o Bloco de Esquerda, quer com o PCP, no sentido não apenas de acordos de incidência parlamentar, mas inclusive de uma coligação pós-eleitoral".
Além disso, e com o estilo de "enfant terrible" do PS capaz de "desafiar o sistema", José Filipe Pinto, especialista em movimentos extremistas, considera que Pedro Nuno Santos "também pode evitar a fuga de votos para o Chega" e "capturar parte desse eleitorado" mais antissistema nas próximas eleições legislativas, antecipadas para dia 10 de março do próximo ano.
Também a politóloga Paula do Espírito Santo considera que Pedro Nuno Santos "poderá ter uma grande facilidade em organizar internamente os socialistas e até fazer pontes com os outros partidos da ex-geringonça", até porque, na altura, foi "uma das peças fundamentais para fazer essa ponte", tendo sido um dos principais negociadores dos acordos para formar Governo, atuando como interlocutor com os partidos de esquerda.
Nessa perspetiva, "do ponto de vista interno", isto é, das bases e estruturas locais do PS, "Pedro Nuno Santos poderá ter mais facilidade" em reunir consenso para suceder a António Costa, teoriza a professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), da Universidade de Lisboa.
Mas, do ponto de vista do eleitorado, o quadro pode ser outro, advertem os analistas políticos. É que Pedro Nuno Santos "saiu do Governo com o seu nome beliscado", recorda José Filipe Pinto, referindo-se ao pedido de demissão do então ministro das Infraestruturas na sequência do caso que envolveu a antiga secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis.
Na altura, Pedro Nuno Santos admitiu que sabia do acordo de rescisão de Alexandra Reis com a TAP, que implicava uma indemnização de 500 mil euros à antiga gestora, mas disse não saber do montante em causa. Por isso, decidiu apresentar a demissão a António Costa - que a aceitou - assumindo "responsabilidade política" pelo caso.
Esta polémica pode custar caro a Pedro Nuno Santos, sobretudo quando comparado com José Luís Carneiro, outro dos nomes apontados para a sucessão de António Costa. Apesar de não ser "tão carismático" como Pedro Nuno Santos, o atual ministro da Administração Interna "transmite uma imagem de sobriedade, segurança, tranquilidade e competência", aponta o professor catedrático José Filipe Pinto.
"Ele não foi arredado do poder, como aconteceu com Pedro Nuno Santos", compara a politóloga Paula do Espírito Santo, salientando o facto de José Luís Carneiro ter assumido, em 2022, a tutela da Admnistração Interna, "uma pasta sensível" que incide sobre temas como o combate aos incêndios florestais e à segurança do país.
"Não tendo ele situações que possam ter gerado alguma polémica na opinião pública, penso que terá mais facilidade em afirmar-se junto do eleitorado", sustenta Paula do Espírito Santo.
Para Adalberto Fernandes, José Luís Carneiro "é talvez um dos melhores ministros - senão mesmo o melhor ministro - deste Governo".
"É um homem discreto, é um homem que foi sempre leal ao Governo, nos bons e nos maus momentos nunca o vimos estar com um pé dentro e com um pé fora, é um homem que vem do poder autárquico e que vem do norte do país, tem o respeito do partido e do país. E tem outra qualidade que a mim me agrada muito: é um homem moderado, um bom herdeiro da tradição democrática e moderada do PS", descreve o antigo ministro da Saúde.
Sendo o rosto de uma "ala mais moderada" do PS, os politólogos acreditam que José Luís Carneiro vai ter o apoio interno dos socialistas que "não se revêem na linha política mais à esquerda", associada a Pedro Nuno Santos.
"É normal que o PS aposte agora em alguém que, mais do que pela eloquência do discurso e pelo carisma, transmita uma sensação de segurança e competência, e nesse contexto acredito que a ala moderada do PS vai unir-se à volta de José Luís Carneiro", assume José Filipe Pinto
Com o aproximar da comemoração dos 50 anos do 25 de Abril, Adalberto Fernandes considera que o PS "não se pode excluir da responsabilidade democrática de encontrar uma solução equilibrada" nas próximas eleições legislativas.
"Não é radicalizando o PS que vamos servir Portugal para os próximos anos", argumenta o socialista, considerando, por isso, que o aparecimento do nome de José Luís Carneiro na corrida à liderança de António Costa "é uma boa notícia".
Mas o facto de José Luís Carneiro ser "tão discreto" em comparação com outros potenciais candidatos à sucessão de António Costa também lhe pode sair caro, uma vez que não tem a "projeção mediática" de Pedro Nuno Santos, por exemplo, admitem os analistas políticos.
Resumindo, "qualquer um deles tem aspetos positivos e negativos", sintetiza José Filipe Pinto, que não tem dúvidas que, independentemente dos nomes que possam surgir para a sucessão de António Costa, "a grande luta será entre José Luís Carneiro e Pedro Nuno Santos".