“Uma batalha galática perdida no buraco negro do ego de um homem”; “Sentar Ronaldo não tem de significar o fim do mundo. Roberto Martínez falhou em perceber isso”. Estes são apenas alguns dos títulos que se espalham pelas inúmeras publicações desportivas internacionais. Para quase todos a notícia não é Portugal ter sido eliminado, mas sim Cristiano Ronaldo ter sido eliminado.
Soa quase a doença, e muitos de nós perdemo-nos a pensar que isso acontece porque Cristiano Ronaldo prejudicou a seleção portuguesa ou que perdeu o foco a jogar de Quinas ao peito.
Pode até ser isso tudo – afinal foi a primeira fase final de uma competição internacional em que não marcou nenhum golo, afinal falhou um penálti decisivo contra a Eslovénia, afinal foi o jogador que mais rematou sem ter conseguido fazer com que isso tenha resultado em golo –, mas será, com certeza mais.
Será não o que fez durante este Euro 2024 e em parte do Mundial de 2022, que foi manifestamente pouco para o jogador que foi e que, a espaços, ainda é. Será muito mais pelo que foi desde 2003, desde que se tornou profissional, sobretudo a partir da subida ao Manchester United – afinal são 677 golos, 130 por Portugal, e inúmeros de recordes batidos.
Já não é o jogador que foi, obviamente, podemos até discutir se devia ter jogado tanto como jogou e chegar à conclusão que provavelmente não. Mas não é possível que se esqueça, de repente, tudo o que fez e tudo o que vale.
“Roberto Martínez abordou este euro como se se debruçasse sobre um teclado, esperando para teclar no número 7 e carregar um botão com a cara de Ronaldo com medo de que o mundo acabasse se não o fizesse antes do início de cada jogo”, escreve o The Athletic, que tem sido pródigo na análise à seleção portuguesa, mas, sobretudo, ao capitão da mesma.
“A falta de golos não pareceu incomodar Martínez. O limite que colocou no potencial da sua equipa também não. Continuava simplesmente a carregar no botão”, continua a publicação, destacando, um a um, os jogos de Portugal e o quão teoricamente fracos foram os oponentes de Cristiano Ronaldo.
Mas não será também ao contrário? Não será que Francisco Conceição só conseguiu o espaço para marcar à Chéquia porque havia demasiada gente preocupada com outra pessoa? Não será que aquele passe para Bruno Fernandes marcar o terceiro contra a Turquia mostra alguém embrenhado com a equipa?
“Quanto menos Ronaldo fazia pela equipa, mais importante parecia para Martínez”, prossegue a crónica do The Athletic.
E até pode ser verdade, será certamente parte de verdade, pelo menos. Mas também foi Cristiano Ronaldo um dos melhores na fase de preparação, foi ele o melhor marcador da qualificação para este mesmo europeu, foi ele que fez uma época extraordinária no Al Nassr. E até podemos dizer que é na Arábia Saudita, sim, mas também é lá que joga um rapaz chamado N’golo Kanté, que está a passear classe pelos relvados alemães, tal como fez contra Portugal.
É um pouco como escreve o The Guardian: “Até a sua ausência parece ter uma certa forma de presença. As câmaras continuam a procurá-lo. Quanto menos faz, mais importante se torna”. Porquê? É uma lenda viva, é a resposta.
Se calhar vive muito mais do que foi do que é hoje em dia, mas as câmaras não o deixam em paz e nós não o deixamos em paz. Sabemos que pode sempre tudo, mesmo que nos mostre cada vez mais que já pouco pode.
“Quanto mais desaparece no jogo, mais pesado se sente, como um buraco negro que suga tudo para o seu vortex”, refere a crónica do jornal britânico, que vê Portugal apanhado nesse vortex, o que resulta numa “sabotagem completa”.
“Uma das equipas mais talentosas de sempre neste nível desaparece no mesmo buraco negro, uma espécie de Elvis de Las Vegas que só é notável que só nos faz espantar e continuar a espantar”, acrescenta, falando em algo “demasiado horrível de ver”.
E agora, Cristiano? Vamos à Liga das Nações? Vamos à qualificação para o Mundial de 2026? E vamos ao Mundial de 2026? Uma coisa é certa: vencendo este Euro 2024 Cristiano Ronaldo tinha uma inacreditável oportunidade de pendurar as botas. Vai conseguir fazê-lo em breve, ou vai continuar a lutar?
É que sente-se que fisicamente continua lá, então o resto também estará. Pelo sim, pelo não, portugueses, The Athletic, The Guardian, contem com ele.