Somos o que comemos mas também "o quando" comemos - TVI

Somos o que comemos mas também "o quando" comemos

Crononutrição (Kirill Tonkikh/Unsplash)

A altura do dia em que comemos é tão importante quanto o que ingerimos. O corpo está mais propenso a refeições mais calóricas durante o dia e a comidas mais leves à medida que vai anoitecendo. Garantir as pausas alimentares é também crucial, mas trabalhar por turnos torna um verdadeiro desafio cumprir o que diz a crononutrição

Somos o que comemos. Já todos ouvimos falar sobre isto. E se dissermos que em nutrição o “quando” é tão importante quanto o “o quê”? Comer antes de deitar pode originar azia e indigestão e até dificultar a perda de peso, ao passo que tomar um bom pequeno-almoço ao acordar vai fazê-lo sentir-se bem e saciado. É disto que falamos.

O corpo tem uma espécie de relógio interno, gerido pelo ciclo circadiano, que faz com que os alimentos sejam recebidos de melhor forma em determinadas alturas do dia em detrimento de outras. Apesar de poder variar de pessoa para pessoa, há algo que parece ser comum e bom para todos: ingerir mais calorias durante o período diurno e não comer muito perto da hora de deitar.

Chama-se a isto crononutrição. De acordo com a nutricionista Ana Bravo, que falou à CNN Portugal, “consiste num regime alimentar sincronizado como o relógio biológico, baseado nas três dimensões do comportamento alimentar – a frequência, a regularidade e o timing”.

Esta área da nutrição, apesar de ainda estar a ser pesquisada, como alerta à CNN Portugal a também nutricionista Sara Pereira, já deu alguns sinais. Fazer as refeições com maior densidade calórica durante “a primeira parte do dia” – isto é, o período diurno, em que há maior disponibilidade de luz solar – parece ser o mais benéfico.

“Tudo se resume ao momento em que acordamos, em que devemos tomar um pequeno-almoço de rei, que tem um impacto positivo nas respostas metabólicas”, garante Sara Pereira. Esta é a altura do dia em que existe “uma melhor resposta à glucose e uma maior tolerância hormonal aos hidratos” e onde há também mais facilidade em “evitar os picos glicémicos”.

Alimentação: pequeno-almoço (GettyImages)

Este impacto positivo prolonga-se ainda ao almoço e ao lanche da tarde, já que a disponibilidade de luz solar é, de acordo com a nutricionista, “um fator fundamental, que regula internamente os ritmos biológicos, a produção de hormonas e a disponibilidade de nutrientes”.

A partir das 15:00, inicia-se “a segunda parte do dia” – o período noturno em que há menos luz solar – e as refeições devem tornar-se mais leves, já que as respostas do organismo começam a mudar e a reação a comidas tão calóricas ou pesadas deixa de ser a mesma. Comer mais à noite pode levar, como aponta Sara Pereira, “à dessincronia do ritmo circadiano com a troca do relógio biológico interno, a uma alteração na sensibilidade à insulina para pior, ao aumento do risco de doenças metabólicas e ao risco de maior acumulação de massa corporal gorda”.

De acordo com Ana Bravo, a crononutrição diz-lhe então para “reservar as refeições principalmente para horários em que há luz solar e fazer refeições mais leves ou pequenas a partir do momento em que anoitece”. É ainda importante assegurar os momentos de pausa alimentar.

“Deve haver é uma clara diferença entre os momentos de ingestão alimentar e os momentos de pausa alimentar. É importante comer várias vezes ao dia, mas é igualmente importante garantir as pausas alimentares entre as refeições”, explica a nutricionista Ana Bravo. Comer “pela noite dentro” tem, assim, um “efeito perturbador no ritmo circadiano”, provocando uma sensação de “indigestão, azia e refluxo gástrico com a ingestão de alimentos ultraprocessados, com excesso de gordura e/ou açúcar”. Há também dificuldade na perda de peso, mais resistência à insulina e a desregulação do apetite.

Trabalha por turnos? Veja estas dicas

Se trabalha por turnos, pode estar a perguntar-se como pode organizar-se de modo que consiga fazer as refeições seguindo o que diz a crononutrição. As especialistas reconhecem o “desafio”, mas não se preocupe, porque é possível.

Para a nutricionista Ana Bravo, trabalhar por turnos e sobretudo fazer o turno da noite é “um dos principais crono-disruptores e um dos que mais influencia o ritmo circadiano, provocando alterações metabólicas como a menor sensibilidade à insulina, o apetite aumentado e a maior tensão arterial”.

As nutricionistas distinguem dois regimes de turnos que podem influenciar a alimentação de forma diferente: a alternância entre o turno da noite e o da manhã/tarde e fazer sempre o turno da noite.

Salada (Freepik)

No primeiro caso, em que se salta de um turno para outro, não há “uma grande estabilidade no padrão alimentar”. Estes trabalhadores “vão recuperando apenas nos dias em que não fazem noite e também nas folgas”, as únicas alturas em que podem “equilibrar os horários”, diz Ana Bravo. No entanto, se um dia trabalha no turno da noite e no seguinte está escalado para a manhã, torna-se mais complicado, porque, como constata Sara Pereira, “há menos horas de sono e uma maior irregularidade nas refeições”.

Já nos casos em que o turno é fixo, ou seja, em que se trabalha sempre à noite, é “mais fácil conseguir voltar a ter um padrão alimentar estável”. Ora, tomemos como exemplo uma pessoa que trabalha das 16:00 horas até às 00:00, que se deita por volta das 01:00 e que acorda normalmente entre as 09:00 e as 10:00.

“É preciso fazer uma reprogramação metabólica. Tem de se estipular um horário para o pequeno-almoço, para o almoço e para o jantar e respeitar esta lógica”, diz Sara Pereira. O ideal continua a ser, para Ana Bravo, “concentrar sempre as refeições no período diurno, limitando ao máximo a ingestão de refeições no período noturno”.

A especialista Sara Pereira deixa algumas dicas para a constituição das refeições principais, segundo o que diz a crononutrição:

  • Ao acordar, deve-se tomar “um pequeno-almoço de rei”, que deve ser constituído por um cereal integral (exemplo: aveia) ou na forma de pão, acompanhado de proteína (como queijo magro ou fiambre de aves), uma peça de fruta e uma bebida (como leite ou bebida vegetal);
  • A hora do almoço deve começar com uma sopa e seguir com o prato principal, onde devem constar muitos vegetais, hidratos (massa, arroz ou leguminosas ou por vezes batata) e ainda a proteína (carne, peixe ou tofu);
  • O jantar, que se faz já dentro do horário de trabalho, deve ser mais leve, podendo contar com uma sopa maior do que a do almoço e que deve ser acompanhada por um prato com vegetais e proteína. Apesar de se dever evitar alimentos com maior densidade calórica nesta refeição, pode ser introduzida uma pequena quantidade de leguminosas, arroz ou massa integral.

Entretanto, ainda faltam algumas horas até ao fim do turno e o apetite de comer surge quase sempre. As nutricionistas afirmam que se pode fazer uma “ceia ligeira”, mas deve assegurar-se de que esta é feita antes de ir dormir e não “em cima da hora de deitar”, de modo a evitar a sensação de azia e também a cumprir o período de pausa alimentar.

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