Dani continua a ser um fenómeno que atrai a atenção dos jornalistas um pouco de todo o lado. Mais de 20 anos após o final da carreira, o antigo jogador é frequentemente convidado a falar do que viveu, e de como viveu.
A mais recente entrevista foi ao Relevo, de Espanha, e nela Dani abordou com a habitual sinceridade o final da carreira e o que o levou a pendurar as botas com 26 anos. Afinal de contas ele era um jogador que aparentemente tinha tudo: talento, boa imagem, muito dinheiro, fãs por todo o lado e grande atenção mediática.
«A minha mãe teve cancro quando saí do Atlético Madrid e eu queria estar com ela. As coisas materiais não me realizavam e, quando ela morreu, dei-me conta dos anos que não passei com ela. Queria ter uma família, aproveitar as minhas filhas e trabalhar», revelou.
«Tive uma conversa muito séria com a minha família e disseram-me para continuar a jogar. Mas quando saí do Atlético estava irritado com o futebol e com as coisas que aconteciam no futebol. A minha essência era outra e tinha perdido a paixão. Gosto do jogo, mas não do mundo do futebol, não me identifico com ele. Por isso estava a sentir-me frustrado. Não estava perto da minha família e isso deixava-me triste.»
Dani confessa que aquele jogo não era para ele há muito tempo. Não era para ele desde que entrara no futebol profissional.
«Sempre tive aquela sensação de deceção e não queria ser uma pessoa que não se sente feliz. Dentro deste meio era difícil dizer o que pensava, porque ser jogador de futebol era visto como algo impressionante. Nasci com este dom para jogar à bola e gostava quando o futebol era puro, sem fama, sem dinheiro, sem aquela mentalidade competitiva», refere.
«Durante muito tempo não sabia o que fazer. Eu só queria jogar e viver, mas isso não era compatível com a profissão de futebolista. É preciso ter a cabeça muito ligada no futebol, e a minha estava em viver os meus sonhos fora dele.»
«Os meus colegas não me entendiam...»
O desencanto com o jogo ia aumentado à medida que o tempo passava e Dani sofria silêncio. Até porque no meio não podia partilhar o que sentia com os colegas, por exemplo.
«Os meus colegas não me entendiam. O Futre sim, tinha essa mentalidade vencedora. Ele conhecia-me desde os meus 17 anos. O meu pai era um grande fã dele e o treinador que me descobriu no Sporting tinha feito o mesmo com o Futre. Então ele reuniu-nos num jantar em casa dos meus pais e a partir daí éramos como irmãos. Ele disse que o futebol tinha de ser uma diversão para mim e não uma profissão», revela.
«Van Gaal também. Muitas pessoas não o compreendem. Ele tem uma personalidade sui generis e briga muito com a imprensa, com os jogadores, etc. Mas comigo foi fenomenal. Num jogo em que jogávamos às duas da tarde e não nos concentrámos antes no hotel, eu adormeci e cheguei tarde. Ele perguntou-me como tinha acontecido e eu expliquei que não sabia, estava com o despertador a tocar ao meu lado e não acordei. Ele entendeu-me e pediu-me para me focar, olhar o futebol de uma forma diferente e não deixar aquilo acontecer outra vez. Mourinho também me entendeu. A relação que Mourinho tinha com os jogadores era algo extraordinário. Naquela época os treinadores não olhavam para o lado pessoal dos jogadores. Agora isso já acontece. Ancelotti, por exemplo, ainda há pouco disse que treina homens que jogam futebol. Ou seja, são homens com problemas em casa, com filhos, esposas, doença de alguém próximo, etc. Os treinadores têm de entender que depois do treino os jogadores têm uma vida. Em primeiro lugar, o jogador de futebol é um ser humano. Acredito em treinadores que veem as coisas dessa forma.»
«Como é que um treinador diz de um jogador o que Redknapp disse de mim?»
Nesta entrevista, de resto, Dani conta muitos episódios do passado, sobretudo ligados ao tempo que passou no futebol espanhol. Lembra, por exemplo, que se fala muito das saídas à noite dele, mas que não ia para discotecas: preferia os restaurantes da moda e desfiles.
Refere também que um dos grandes amigos que tinha nestas saídas era Guti, do Real Madrid. No final de um dérbi, e devido à amizade que tinham, deram um beijo na face, o que irritou um dirigente do At. Madrid. Outra vez convidou um membro da família real espanhola para ir ver um jogo dele e Jesus Gil y Gil ficou furioso porque só o clube podia convidar a família real.
«Em Portugal diziam que a minha vida social era muito agitada e que tinha de ir para Londres [emprestado ao West Ham] para me acalmar. Imagina, em Londres! Quando cheguei, no primeiro dia havia várias jornalistas no treino e os meus colegas comentavam que nunca tinha visto uma mulher a fazer a cobertura da equipa. O The Sun colocou em manchete: ‘Tranquem as vossas filhas em casa, chegou o Dani’. Desembarquei em Inglaterra com esse selo. Eu era jovem, divertia-me, mas não era só isso. O problema é que sempre carreguei essa marca. O que o teu visual tem a ver com a forma de ser? Era muito fácil serem injustos comigo e a verdade é que eu lhes dava razões para o serem, porque não queria saber. Mas essas notícias magoavam a minha família, sobretudo a minha avó. E isso deixava-me triste», recorda.
«Quando cheguei ao West Ham, o Redknapp era o treinador e numa conferência de imprensa disse: ‘O Dani é tão bonito que até eu não sei se o coloque a jogar ou se me meta na cama com ele”. Como é que um treinador diz isto de um jogador? Há pessoas sensíveis no futebol, que te querem ajudar e tentam entender-te. E outros que entram no futebol e não têm essa formação.»
«Se tivesse feito as coisas de forma diferente não estava a ser honesto comigo»
De todos os episódios, porém, o que Dani nunca esquece não tem nada a ver com saídas à noite. Passou-se nos Países Baixos, quando representava o Ajax.
«Um menino em cadeira de rodas veio acompanhado do pai ter comigo. Ele tinha uma doença terminal. Então disse-lhe que, se viesse ao jogo, eu faria um golo para o dedicar a ele. Marquei e dediquei-lhe o golo. Duas semanas depois, os pais disseram-me que o filho tinha morrido e contaram-me que pouco antes de morrer, o menino confessou-lhes que não estava triste porque tinha realizado o sonho de ter um golo dedicado a ele. Às vezes não percebemos a importância que os jogadores de futebol têm para os outros.»
Por fim, a pergunta obrigatória: arrepende-se de ter deixado o futebol aos 27 anos?
«Não, nunca me arrependi. A verdade é que o meu dia a dia agora é muito bom, posso levar as minhas filhas à escola, passear o cão, estar com o meu pai. Agora não preciso de um despertador para acordar todas as manhãs. Com a maturidade que tenho, se calhar tinha feito as coisas de forma diferente na altura. Mas se o fizesse naquela época, não estava a ser honesto com a pessoa que eu era.»