Psiquiatra e professor universitário jubilado, Daniel Sampaio cedo nos habituou a escrever sobre a família, as relações e o crescimento emocional. Da sua obra, destaca-se Ninguém Morre Sozinho, um livro que aborda a temática do suicídio adolescente. Em 2021, marcou o panorama literário português com o lançamento de Covid 19: Relato de Um Sobrevivente, onde contou a própria experiência enquanto doente grave do vírus. Este ano, já lançou dois livros, A Arte da Fuga, 25 Anos Depois e agora Para Tão Curtos Amores, Tão Longa Vida.
Nesta última obra, discute as relações afetivas breves e prolongadas, a monogamia e a infidelidade e as vicissitudes do amor. Conta a história ficcionada de Luísa e João, um casal com uma relação longa, ambos infiéis, ela assumida e ele não.
Em conversa com a CNN Portugal, defende que o individualismo e o narcisismo tomaram conta das sociedades atuais e isso não favorece relações duradouras. E lembra que “os casais atuais casam por amor, mas esquecem-se muitas vezes de continuar a ‘trabalhar o relacionamento”.
O escritor garante ainda que não há relações longas sem percalços: “Se não existirem crises a relação está morta, porque arrefeceu sob ponto de vista afetivo e sexual.”
Quando é que podemos classificar uma relação como longa? Dez anos? 15? 50?
Depende muito da idade dos parceiros amorosos e do contexto envolvente. Por exemplo: num amor adolescente, seis meses é uma relação longa; num par romântico adulto, costuma considerar-se a meta dos dez anos como um amor de longa duração.
Há mesmo cada vez menos relações duradouras, sejam elas amorosas ou de outro tipo?
Sim. O individualismo e o narcisismo das sociedades atuais não favorecem relações duradouras. Por outro lado, os casais atuais casam por amor (uma grande conquista), mas esquecem-se muitas vezes de continuar a trabalhar o relacionamento, dizendo depressa que o amor acabou, quando ainda não foram capazes de o construir.
Deixámos de valorizar essa longevidade? Deixámos de valorizar o compromisso? Quando é que isso aconteceu?
As pessoas quando partem para uma relação amorosa importante projetam-na no futuro (basta ver as festas de casamento, em que os noivos acreditam que vão ser felizes para sempre, como nos contos de fadas). Acontece que viver uma relação romântica exige identificação, entrega, cumplicidade, flexibilidade, reconhecimento do outro, como digo no livro. Deixámos de valorizar o compromisso sobretudo depois dos anos 1960.
Qual o segredo para uma relação de prolongar no tempo?
Pensar no outro, construir um património comum.
É mais difícil viver uma relação longa do tipo amoroso ou é mais difícil isso acontecer na amizade, por exemplo?
É mais difícil numa relação amorosa, porque é muito mais exigente no dia a dia.
Porque é que recorreu a uma história ficcionada para escrever sobre o assunto? Já não há histórias verdadeiras que possam ser usadas como exemplo?
Pensei que uma história ficcionada permitiria maior identificação por parte do leitor. Considero, no entanto, que a história de Luísa e João é bastante realista, porque é baseada em casos clínicos por mim conhecidos.
Os personagens dessa história são ambos infiéis. Porquê?
O tema da infidelidade é crucial no casamento, porque a monogamia é difícil. Achei que era mais interessante colocar a infidelidade no trajeto de vida dos dois, mas há uma diferença importante para discutir: ela revela e ele não.
A fidelidade e a monogamia são importantes para as relações duradouras? Ou o contrário: a ausência delas contribui de alguma maneira para a manutenção das relações?
Sim, a monogamia e a infidelidade são importantes, porque fornecem estabilidade e segurança psicológica, duas das componentes essenciais do bem-estar.
As crises são inevitáveis nas relações duradouras? Mais: serão elas saudáveis e ajudam a manter essas relações?
Sim, uma relação amorosa longa tem sempre crises. Digo mais: se não existirem crises a relação está morta, porque arrefeceu sob o ponto de vista afetivo e sexual.
Os Censos 2021 mostram que há cada vez mais uniões de facto (e consequentemente menos casamentos) e mais filhos fora do casamento. O facto de nos unirmos cada vez mais em relacionamentos sem esse compromisso é também um fator que influencia a durabilidade das relações?
Não. A dificuldade está no relacionamento, não nos papéis de casamento ou nos filhos. Ninguém se separa por viver não casado ou por questões dos descendentes.
Um tema que também aborda no seu livro é a importância da relação mãe-filho. Qual a influência das primeiras relações (relação mãe-filho ou bebé-cuidador) para a durabilidade das relações na idade adulta?
O livro divulga a teoria da vinculação, um estudo teórico, mas também experimental sobre a relação do bebé com os seus cuidadores primários (mãe e pai). Verificou-se que um bebé que tem uma relação segura com a mãe evolui com mais tranquilidade e estabilidade emocional. Pelo contrário, a vinculação insegura contribui (embora não seja totalmente determinante) para ansiedade relacional no futuro com o par romântico.
O professor é protagonista de uma longa história de amor. Inspirou-se de alguma forma na sua própria história para escrever sobre o tema?
A história de Luísa e João partiu da discussão de um caso clínico de uma colega da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar. Sendo eles pessoas da minha geração, há um contexto social semelhante ao meu, ao longo de 50 anos.
Se lhe pedisse conselhos para um jovem casal, de forma a fazerem prolongar no tempo a sua relação, que conselhos lhes daria?
Os conselhos não funcionam com jovens casais. Recomendaria apenas que lessem o meu livro Para Tão Curtos Amores, Tão Longa Vida e depois o discutissem com tranquilidade.