Luís Vouzela: do namoro do Sporting ao parque de campismo - TVI

Luís Vouzela: do namoro do Sporting ao parque de campismo

Luís Vouzela

Antigo médio destacou-se na Liga mas não chegou a um grande; aos 47 anos, trabalha no Eco Campismo da vila beirã

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«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como subsistem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@tvi.pt.

Luís Vouzela destacou-se na Liga portuguesa entre a segunda metade dos anos 90 e a primeira dos anos 00. O médio teve um desempenho de alto nível em seis temporadas na União de Leiria e perdeu a oportunidade para chegar a um grande clube porque o clube leiriense vetou a transferência para o Sporting em 1999/00, meses antes do título conquistado pelos leões.

Santa Clara e Moreirense foram os outros clubes que Luís Vouzela representou na Liga, antes de passar por Beira Mar, Olympiakos Nicosia (Chipre), Niki Volou (Grécia), Desp. Chaves, Nelas, Penalva do Castelo, Académico de Viseu – um regresso ao emblema que o projetou para o profissionalismo – AD Nogueirense e Oliveira de Frades. Em 2014, com 40 anos, finalizou um longo percurso iniciado no seu Vouzelenses.

Oito anos depois, o Maisfutebol encontra o antigo jogador a trabalhar para a Câmara Municipal de Vouzela no parque de campismo da vila beirã. O assistente operacional adora o contacto com a natureza e mostra-se satisfeito com a solução encontrada para a vida depois do futebol.

«Acabei de jogar no Oliveira de Frades e ainda podia fazer mais uma época. Aliás, queria acabar no Vouzeleneses, onde comecei, mas decidi aceitar um convite para ir para o Académico de Viseu como diretor. Porém, aquilo durou quatro ou cinco meses, surgiram desavenças e saí. Foi quando falei com as pessoas da Câmara Municipal de Vouzela e vim para cá. Aproveito esta oportunidade para agradecer publicamente às pessoas que me ajudaram a entrar na Câmara», começa por dizer.

Nesta altura, é importante salientar que Luís foi um verdadeiro embaixador desportivo da vila. É que Vouzela nem fazia parte do seu nome: Luís Miguel da Silva Tavares.

«Isso começou como uma brincadeira. Quando surgi no Académico de Viseu, tinha mais dois jogadores com o nome Luís e começaram a chamar-me Vouzela. Gostei e passei a usar sempre o nome Luís Vouzela. As pessoas aqui sentem-se orgulhosas disso e não se esquecem. Felizmente, não tenho razão de queixa em relação à forma como sou tratado aqui na vila», salienta.

Luís Vouzela tem razão de queixa, isso sim, em relação ao distanciamento de centenas de pessoas que conheceu no mundo do futebol: «Quando estamos no auge, toda a gente de aproxima. Depois, tudo muda. Arranjei muitos conhecidos no futebol, mas amigos são muito poucos.»

«Quando saí do Académico de Viseu, voltei a Vouzela e comecei a trabalhar na Câmara, a contrato. Fiquei lá um ano, queriam que eu continuasse, mas decidi tentar a minha sorte nos Estados Unidos da América. Fui com a minha família e lá voltei a jogar futebol. Treinava uma vez por semana e jogava ao domingo. Para além disso, fazia de tudo um pouco numa empresa de construção civil, mas as coisas não correram bem e acabei por voltar para Portugal», explica.

O antigo médio regressou ao trabalho como assistente operacional na Câmara Municipal e acabou por render-se aos encantos do parque de campismo, mergulhado na longa extensão da Serra do Caramulo. «No primeiro ano na Câmara, eu estive no campo de futebol. Ficava lá o sábado e domingo todo, se fosse preciso. Mas no verão o futebol acaba, eu não estava a ser preciso, pediram-me para ir para o parque de campismo e agora não quero outra coisa.»

 

Parque de Campismo de Vouzela (Foto: Facebook/Grupo público do Parque de Campismo de Vouzela)

«Tenho de fazer de tudo um pouco por lá. Temos de fazer a manutenção da piscina, a manutenção dos restantes espaços e agora até estou a desenrascar à noite, porque falta um colega. Normalmente faço dois turnos, ou das 7h30 às 14h00, ou das 13h00 às 20h00. Gosto do espaço verde e da liberdade, nunca gostei de estar fechado. Prefiro andar ao frio ou à chuva do que estar atrás de uma secretária», atira, entre sorrisos.

O Parque de Campismo de Vouzela é um espaço paradisíaco e procura nesta altura sarar as feridas dos incêndios de outubro de 2017: «O parque é fantástico, tem piscina, tem três campos – de futebol, basquetebol e ténis - e antes de 2017 estava repleto de árvores. Nos incêndios, arderam duas ou três caravanas e muitas árvores. Já plantámos de novo, mas demoram a crescer. Mesmo assim, o parque está lindo e é muito procurado. Muitas das pessoas que lá vão ainda me conhecem e já apanhei lá alguns jogadores de futebol.»

O futebol nunca desapareceu por completo do horizonte de Luís Vouzela. Aliás, o ex-jogador envolveu-se em alguns projetos como treinador de futebol ao longo dos últimos anos, sem a satisfação esperada. «Antes de ir para os Estados Unidos, já treinava aqui o Vouzela. Quando voltei, também treinei o Campia, depois estive época e meia no Santacruzense, mas percebi que não era aquilo que pretendia», assume.

«Estava habituado a uma realidade completamente diferente, profissional, onde podemos exigir tudo, mas agora estava a treinar homens que trabalham, que chegavam lá cansados e tornava-se um bocado complicado exigir. Fui muito bem tratado, mesmo pelos jogadores, mas parei de treinar porque o meu trabalho também não me permitia estar cem por cento concretizado, já que trabalho por turnos, aos fins de semana, feriados, tudo», enfatiza.

De qualquer forma, o bichinho continua vivo: «Se aparecer algum treinador com um projeto ambicioso para um clube profissional, aí se calhar já penso seriamente. Mas tem de ser algo sério, porque estar a brincar ao futebol, já chega. Até porque gosto do que estou a fazer atualmente.»

A adolescência entre a pastelaria e o futebol

Luís Vouzela não teve um percurso comum no futebol. Quando chegou à adolescência, era um miúdo sem grandes sonhos e já envolvido no mundo de trabalho. Entre os 13 e os 18 anos, essa foi a sua realidade.

«Deixei a escola muito cedo e comecei a trabalhar nas obras aos 13 anos. Depois, dos 14 aos 18 anos, trabalhei numa pastelaria. Comecei tarde no futebol, só aos 15 anos, joguei dois anos no Vouzelenses e fui para o Académico de Viseu aos 17 anos. Como trabalhava em Vouzela, ou ia para Viseu de autocarro ou de boleia. Muitas vezes, ia e vinha de mota», recorda.

Na transição para o futebol sénior, Luís teve de escolher um caminho: «Tive de optar entre o futebol e o trabalho na pastelaria, era inconciliável. Escolhi o futebol mas estive quase a época toda sem jogar, só fiz os últimos jogos. Na época seguinte, comecei a jogar mas depois surgiu a tropa. Enfim, foi um início muito complicado.»

«Só comecei a jogar com regularidade a partir de 1994/95 e fiz duas épocas muito boas no Académico. Entretanto surgiu a oportunidade de ir para a União de Leiria, a saída do Académico não foi fácil por questões financeiras e, quando cheguei a Leiria, tive de me sujeitar ao que o clube me queria dar. Ou seja, até aos 26 anos joguei muito mas tive sempre um ordenado muito baixo», salienta.

Nessa fase, a jogar muito e a ganhar pouco, Luís Vouzela teve a oportunidade de chegar a um grande do futebol português. O Sporting esteve interessado no médio e o negócio não avançou – confirmou o jogador mais tarde – porque a União de Leiria exigiu uma pequena fortuna pelo seu passe. Assim, caiu por terra uma transferência que podia mudar a sua vida.

«Em outubro/novembro de 1999 começou a falar-se muito de uma transferência para o Sporting. Até dei uma entrevista a falar disso, porque parecia tudo encaminhado, mas acabou por não acontecer e isso marcou-me. Sabia que, se chegasse lá, representaria um enorme salto na minha carreira», desabafa.

Esse Sporting de Augusto Inácio viria a conquistar o campeonato nacional, após um longo jejum: «Foi uma pena, até por isso. Anos mais tarde, tive o Augusto Inácio como treinador no Beira Mar e ele confirmou-me tudo. Só não fui para o Sporting porque o Leiria pediu mundos e fundos por mim.»

«Foi por isso, por ter sentido isso, que acabei por não renovar pela União de Leiria ao fim de seis épocas no clube. Tinha renovado anteriormente, novamente por números baixos. Em 2001/02, propuseram-me um contrato que era humilhante para mim, alguém que estava ali há seis anos e que merecia mais reconhecimento. Tive uns problemas no último ano por causa disso mas o treinador, o Vítor Pontes, foi espetacular comigo e disse-me que me ia utilizar até ao fim», refere.

Vítor Pontes foi o terceiro treinador da União de Leiria nessa temporada 2001/02, já depois de Mário Reis e de um tal de José Mourinho, que saiu a meio da época para o FC Porto: «Ele era claramente diferente, metia bola em tudo o que fazíamos e isso dava-nos mais motivação. Mesmo a forma de lidar com os jogadores era especial, como se veio a provar. Ao nível de treinadores, não me posso queixar. Apanhei o José Mourinho, o Manuel José, o saudoso Vítor Oliveira, o Jorge Jesus no Moreirense, a tentar evitar a descida de divisão.»

«Também apanhei no Santa Clara o Carlos Alberto Silva, que tinha sido campeão pelo FC Porto, o Leonardo Jardim no seu início no Desportivo de Chaves, o Mário Reis, o Manuel Cajuda, o Vítor Manuel, que me levou para Leiria. Enfim, trabalhei com os melhores treinadores portugueses», enaltece.

Após seis épocas numa União de Leiria que atingiu patamares históricos e com 28 anos, Luís Vouzela decidiu privilegiar finalmente a vertente financeira: «Pensei: ‘vou para onde me derem mais’. Rejeitei clubes históricos como V. Guimarães, Marítimo e V. Setúbal. Optei pelo Santa Clara porque me apresentou a proposta mais alta, mas cheguei lá e fiquei sete meses sem receber. Encontrei excelentes pessoas, foi onde conheci a minha atual mulher, mas em temos futebolísticos foi um desastroso.»

«O Santa Clara acabou por descer de divisão, ainda fiz meia época na segunda mas surgiu o Moreirense que estava na Liga e o Santa Clara libertou-me. Fiz época e meia no Moreirense, um clube que promete e cumpre, depois fui para o Beira Mar, da II Liga, com o Augusto Inácio. Fizemos um ano espetacular e subimos de divisão. Eu estava a contar ficar, mas talvez pela idade ou isso (ndr. tinha 32 anos nessa altura), não renovaram o meu contrato», lamenta.

Em 2006, o médio decidiu emigrar. Porém, a experiência não foi particularmente feliz. «Estive meio ano em Chipre (Olympiakos Nicósia), foi tudo muito bonito até novembro, depois só pagaram meio mês e acabei por sair. Entretanto, tinha o Olhanense interessado, até falei com o Álvaro Magalhães, mas fui à Grécia com um colega meu, fiz um treino num clube (Niki Volou), prometeram-me tudo e mais alguma coisa e eu, como já estava com 34 anos, decidi aceitar. Foi um erro. Pagaram-me um mês e depois não entrou mais nada», sintetiza.

Luís Vouzela regressou a Portugal em 2007, representou o Desportivo de Chaves no terceiro escalão e acabou por concluir o seu percurso no futebol profissional: «Ainda fui profissional no Chaves, mas tive aí uma lesão grave, tive de ser operado, só tinha assinado por uma época e saí. Foi quando voltei para a minha região.»

«Joguei no Nelas, no Penalva do Castelo e duas épocas no Académico de Viseu, onde ainda fui campeão da III Divisão com 37 anos. Acabei por não ficar no clube, não sei bem porquê, de lá fui para o Nogueirense e terminei no Oliveira de Frades, onde acabei, já com 40 anos», remata o antigo jogador.

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