Quando entrou no internato médico na Unidade de Saúde Pública do Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS) do Porto Ocidental em 2013, Rita Sá Machado não escondeu a sua grande ambição profissional. Aos colegas confessou que sonhava trabalhar na mais importante organização de saúde do mundo. “Lembro-me que ela dizia que queria fazer estágio na OMS [Organização Mundial de Saúde], enquanto os restantes colegas pretendiam ficar em Portugal”, recorda Hugo Monteiro, médico e seu amigo que estava no mesmo internato. Não tardou em ver a amiga ir para Veneza concretizar o tão sonhado estágio na OMS onde pode lidar com migrantes e todo um contexto de pessoas vulneráveis. “Agora volta a Portugal”, nota Hugo Monteiro.
Rita Manuel Sá Machado, Conselheira da OMS na área da saúde e migrações, cargo que iniciou em setembro de 2021 e deixa agora para trás, foi nomeada na terça-feira para o cargo de diretora-geral da Saúde. Tem 36 anos, é médica especialista em saúde pública e passou parte dos seus anos fora do país.
Pelo meio teve de enfrentar em Portugal o que os seus próximos dizem ter sido um dos desafios marcantes da sua carreira: o surto de sarampo em março de 2018. Foi ela quem liderou a equipa de resposta ao surto no Centro Hospitalar do Porto com a sua orientadora, Delfina Antunes, coordenadora da Unidade de Saúde Pública do Porto Oriental. “A Rita Sá Machado viveu um momento marcante no decorrer do surto de sarampo que esteve a liderar e fez um ótimo trabalho”, refere Gustavo Tato Borges, acrescentando “que esse seu trabalho foi reconhecido e por isso agora é a nova diretora-geral da Saúde”.
O presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública conhece Rita desde criança. “Temos contacto desde pequenos’’, disse Tato Borges, explicando que o pai dela e a sua tia trabalhavam juntos na empresa do seu avô por isso encontravam-se frequentemente em algumas festas. O seu colega relembra memórias que tem com a nova diretora-geral da Saúde. “Tenho ideia de ela ser um pouco tímida no início, mas divertida’’, revela Tato Borges, destacando que, ainda assim, naquele ambiente de festa em que se cruzavam, acabavam sempre todos juntos a brincar. “’Eu, ela e o resto das crianças dos funcionários da empresa’’, conta.
Rita Sá Machado nasceu no Porto, a 12 de agosto de 1987, e a sua vontade de ir sempre mais além é uma das características que os seus colegas e amigos mais destacam. ‘’Ela sempre apontou para muito alto os seus desafios profissionais’’, sublinha o médico de saúde pública, Hugo Monteiro. Agora foi nomeada pelo Ministro da Saúde, Manuel Pizarro, como diretora-geral da Saúde e vai começar a exercer o cargo a partir do dia 1 de novembro, que se prolongará por um período de cinco anos. É o regresso a uma casa que já conheceu durante a pandemia da covid-19, altura em que foi chefe de divisão de Epidemiologia e Estatística, um dos cargos mais significativos no acompanhamento e controlo da epidemia.
A nova diretora-geral da Saúde iniciou a sua formação académica na NOVA Medical School com um mestrado integrado em Medicina entre os anos de 2005 e 2011. Bernardo Mateiro Gomes, amigo de longa data de Rita Sá Machado e médico especialista em Saúde Pública, explica que a conheceu exatamente ao longo destes anos quando ambos faziam parte das associações de estudantes das faculdades. “Cruzámo-nos na vida associativa nos anos 2000’’, relata Mateiro Gomes. “Ela é muito sociável e determinada, acho que a vida associativa a preparou bem’’, disse. Posteriormente, em 2013, Rita Sá Machado foi para o Porto tirar uma pós-graduação em Medicina de Viagem e Populações Móveis na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto em 2013, mas sempre mantiveram contacto.
Uma qualidade bem definida pelos seus colegas é a sua vontade de conhecer outras realidades. “Ela fez o seu trajeto com pendor internacional’’, afirma Bernardo Mateiro Gomes. Rita Sá Machado foi para Londres entre 2013 e 2014 para tirar um mestrado em Saúde Pública na London School of Hygiene and Tropical Medicine, University of London. Em 2017 regressou e fez mais uma pós-graduação de Gestão na Saúde pela Católica Porto Business School da Universidade Católica Portuguesa.
Para além de um currículo amplo, também gosta de ouvir de perto as opiniões da comunidade. “Sempre soube desde muito cedo que se começa a trabalhar no terreno e nunca teve receio disso’’, diz o médico Hugo Monteiro, recordando mais um evento que viveram juntos no internato. “Lembro-me de outro episódio nas tarefas de terreno em que sempre tomava a iniciativa. Era a primeira a dizer ‘vamos lá!’. Houve uma altura em que estava mau tempo, a chover, e mesmo assim decidiu ir fazer uma coisa tão simples como um inquérito’’, relata.
Hugo Monteiro conta que ambos seguiram “um percurso muito ombro a ombro’’. No internato aprenderam a coordenar equipas e dar a entender a elementos-chave da comunidade como intervir para a melhoria da saúde das populações. Um dos trabalhos desenvolvidos foi um diagnóstico de saúde que tinha o objetivo de levantar as necessidades de saúde com base na consulta à população, associações e autarquias. “A Rita Sá Machado teve responsabilidade num dos projetos e tomou a iniciativa em alargar a rede de contatos’’, revela, reconhecendo que se “não fosse a garra dela em querer abraçar estes desafios, eu dificilmente faria sozinho’’.
Os colegas de Rita Sá Machado descrevem-na como uma pessoa muito perspicaz. “Conseguia sempre arranjar soluções para as situações adversas e problemas que eventualmente surgiam’’, garante Gustavo Tato Borges, esperançoso de que a nova diretora-geral da Saúde mantenha a atitude ao longo do cargo que começará, agora, a desempenhar. “É muito alegre, simpática, mas séria quando necessário. É exigente quando algo não corre bem por querer a qualidade dos seus colaboradores’’, explica.
Hugo Monteiro revela a maturidade que Rita Sá Machado introduz nas reuniões. “Ouve todas as pessoas, tem uma postura construtiva e afirmativa. Não desvia a reunião dos pontos comuns. Este é um sinal de um verdadeiro líder’’, ressalta. Contudo, temem que o Serviço Nacional de Saúde não lhe dê as condições e o contexto correto para trabalhar.
Sucesso no novo cargo requer condições de autonomia
Os especialistas em Saúde Pública frisam a importância de ter uma figura jovem neste novo cargo, que traz a vantagem de modernização do Serviço Nacional de Saúde, aspeto que não se concretizou no mandato de Graça Freitas “até porque não lhe deram as condições para tal’’, sublinha Tato Borges. O presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública evidenciou o seu desejo de que o Ministério da Saúde conceda a Rita Sá Machado a autonomia técnica e financeira necessária para exercer o seu trabalho com excelência. “Às vezes pode estar atada por impedimentos de superiores, que vão além do funcionamento do seu trabalho’’.
O mesmo confirmaram os outros profissionais. “Espero que lhe sejam dadas as condições certas para trabalhar. Sei que irá fazer o seu melhor com a visão que tem de fora tendo em conta a experiência que tem de padrões internacionais’’, afirma Bernardo Gomes, salientando as poucas condições do Serviço Nacional de Saúde. Ainda assim, Bernardo Gomes confessa que Rita Sá Machado estava melhor no seu antigo cargo na OMS. “A forma como estava enquadrada no trabalho institucionalmente era melhor do que esta nova posição de liderança no SNS’’ devido à instabilidade do Serviço Nacional de Saúde.