A atriz Megan Fox, estrela da capa da Sports Illustrated Swimsuit 2023, há muito considerada um símbolo sexual, afirmou ser uma das cinco a dez milhões de pessoas afetadas pela dismorfia corporal nos Estados Unidos.
"Não me vejo como as outras pessoas me veem. Nunca houve um momento na minha vida em que gostasse do meu corpo, nunca", disse Fox em entrevista à Sports Illustrated. "Quando era pequena, era uma obsessão que eu tinha do tipo: 'Mas eu devia ter esta aparência'. E não sei por que razão já tinha consciência do meu corpo, ainda tão nova.”
A discrepância entre a forma como uma pessoa se vê a si própria e a forma como os outros a veem é um sintoma característico da dismorfia corporal. Também conhecida como perturbação dimórfica corporal, é "caracterizada por uma preocupação excessiva com um defeito imaginário na aparência física ou uma preocupação acentuadamente excessiva com uma ligeira anomalia física", de acordo com a Associação Americana de Psicologia.
A aparência real das pessoas - ou a sua atratividade - tem muitas vezes pouco a ver com isto.
"Se essa pessoa tiver, por exemplo, uma cicatriz muito visível ou outra deformidade fisicamente percetível, não é disso que estamos a falar", sublinhou Ramani Durvasula, psicólogo clínico e autor da Califórnia, Estados Unidos.
"A pessoa fica preocupada, quase obcecada, com uma pequena característica física. Pode ser uma pequena mancha, uma pequena protuberância no nariz, um dente ligeiramente desalinhado, a forma de alguma coisa, mas algo que não é percetível para as outras pessoas", apontou. "Nunca é suficientemente bom. E isso, basicamente, toma conta das suas vidas."
De acordo com a Associação de Ansiedade e Depressão da América (Anxiety and Depression Association of America), cerca de 2% da população mundial sofre de dismorfia corporal e esta perturbação afeta homens e mulheres quase da mesma forma. Os sintomas começam normalmente a aparecer na adolescência, altura em que o corpo começa a mudar drasticamente.
Existe uma subforma de dismorfia corporal: a dismorfia muscular, que afeta sobretudo os homens, e que se caracteriza por uma preocupação com a ideia de que o próprio corpo não é suficientemente magro ou musculado - muitas vezes independentemente do quão musculada a pessoa possa ser.
Saiba como é viver com dismorfia corporal e como as pessoas podem encontrar ajuda.
O que a dismorfia corporal não é
A dismorfia corporal é muitas vezes confundida com uma perturbação alimentar, mas não é o caso, devido a algumas diferenças, segundo as psicólogas Durvasula e Ann Kearney-Cooke.
As pessoas com perturbações do comportamento alimentar estão preocupadas com uma distorção na forma como percebem a sua forma ou peso, disse Durvasula. "A pessoa envolve-se em comportamentos (alimentares desordenados), bem como naquilo que chamamos de comportamentos compensatórios, que podem ser coisas como não comer durante certos períodos, exercício físico exagerado, uso de diuréticos ou laxantes, este tipo de coisas.”
No entanto, a dismorfia corporal centra-se normalmente numa característica imaginária ou real, de acordo com os especialistas.
Causas da dismorfia corporal
Não existe uma causa única para a dismorfia corporal, mas há alguns fatores que podem contribuir.
"A dismorfia corporal pertence à mesma família de perturbações que o transtorno obsessivo-compulsivo", explicou Durvasula. "A única evidência genética que vemos é que, se uma pessoa tiver um familiar de primeiro grau (pai ou irmão) com TOC, pode ser mais propensa a desenvolver dismorfia corporal."
De acordo com um estudo de 2010, investigadores sugerem que o cérebro de algumas pessoas com dismorfia corporal pode ter "anomalias no processamento da informação visual quando examinam o seu próprio rosto".
A dismorfia corporal ocorre por vezes em simultâneo com a ansiedade. Se alguém está preocupado com certas coisas por causa da ansiedade, uma característica corporal pode ser apenas mais uma situação em que se concentrar, acrescentou Durvasula.
"As redes sociais definitivamente não vieram ajudar. Há muito mais comparações sociais com a aparência das outras pessoas. Muitas pessoas partilham imagens falsas", observou Durvasula. "Na adolescência, essa forma de avaliação - aparência física, aceitação e tudo isso - vai estar muito mais acentuada."
Ter familiares que se avaliam, validam ou gostam de si e de outros com base na aparência também pode desempenhar um papel importante, acrescentou.
"Isto faz com que a pessoa se torne demasiado sensível à perceção de falhas na sua aparência", esclareceu Kearney-Cooke. "E o que normalmente acontece é que, algures lá no fundo, seja devido a uma infância difícil ou outra coisa qualquer, sentem que 'não sou suficiente', 'não sou atraente'. E projetam isso no seu corpo."
Uma mentalidade perfeccionista intensifica essa visão, acrescentou.
Viver com dismorfia corporal
Os efeitos da dismorfia corporal podem estender-se a todos os aspetos da vida - social, profissional e económico - especialmente se a perturbação se agravar ao longo do tempo sem tratamento.
"Por estarem tão obcecados com a sensação de que têm um problema físico, investem muito tempo e dinheiro em tratamentos médicos cosméticos, tratamentos de cosmética dentária, tratamentos dermatológicos e até tratamentos cirúrgicos", observou Durvasula.
As pessoas com dismorfia corporal também têm comportamentos de "controlo", que podem incluir passar muito tempo a olhar para o espelho e tirar inúmeras selfies e avaliá-las, apontou ainda a psicóloga.
Olhar-se compulsivamente ao espelho pode aliviar os receios sobre a aparência que as pessoas julgam ter ou ajudá-las a perceber se uma falha percebida ainda existe ou piorou, de acordo com a Associação Nacional de Anorexia Nervosa e Distúrbios Associados [National Association of Anorexia Nervosa and Associated Disorders]. As pessoas acreditam que a característica é anormal ou feia. A dismorfia corporal foi originalmente descrita como a “síndrome de distorção da imagem ", disse Kearney-Cooke.
As pessoas com esta perturbação também podem procurar o conforto nos outros, perguntando-lhes se veem o defeito, se parece estar tudo bem com uma característica ou se há algo de errado ou diferente nessa característica.
De acordo com os especialistas, as pessoas com dismorfia corporal podem isolar-se por vergonha ou por passarem demasiado tempo preocupadas com a sua aparência. Podem também esgotar quem as apoia, procurando constantemente garantias.
Passar tanto tempo a analisar a sua aparência pode levá-las a chegar atrasadas ao trabalho ou a não fazer os trabalhos de casa. Algumas pessoas colocam-se em risco financeiro, ao comprarem produtos ou procedimentos cosméticos, contraindo dívidas, por vezes em segredo, com medo do que possa acontecer se as pessoas descobrirem.
Kearney-Cooke teve uma paciente tão obcecada com uma falha no seu nariz que estava sempre a olhar para o espelho, mesmo quando conduzia. O embate do carro contra uma árvore foi um alerta para a doente, que após o acidente começou a ser tratada e acabou por melhorar.
Tratamento da dismorfia corporal
A dismorfia corporal não tem cura e é uma "condição clínica difícil" de tratar porque "é um padrão muito resistente à mudança", explicou Durvasula. Mas existem alguns tratamentos eficazes.
Um dos preferidos de muitos especialistas é a terapia cognitivo-comportamental. Acredita-se que as distorções ou os pensamentos de uma pessoa conduzem a este comportamento, por isso os terapeutas trabalham as distorções da pessoa e partem daí, disse Durvasula. Como a dismorfia corporal está na mesma categoria que o transtorno obsessivo-compulsivo, os tratamentos para o TOC, como a terapia de "exposição e prevenção da resposta", também podem ser úteis para gerir a dismorfia corporal.
Num ambiente seguro, esta terapia expõe as pessoas a situações que provocam as suas obsessões ou estímulos e exige-lhes que optem por não responder com comportamentos compulsivos.
Durante o tratamento, uma pessoa com dismorfia corporal não pode olhar-se muito ao espelho ou tirar selfies, indicou Durvasula. "A pessoa tem de tolerar o desconforto de não adotar o comportamento de controlo. Mas isso tem de ser complementado com trabalho cognitivo-comportamental."
Um historial de trauma exigiria também uma terapia informada sobre o trauma, o que implicaria que um profissional de saúde mental reconhecesse o facto de o trauma da pessoa poder ser a causa principal da dismorfia corporal.
"Parte da terapia também pode ser muito educativa, sobre as imagens que vemos no mundo e o quão irrealistas elas são", considerou Durvasula.
De acordo com Kearney-Cooke, os investigadores têm vindo a estudar as substâncias químicas do cérebro, como a serotonina, como causa da dismorfia corporal, pelo que os antidepressivos conhecidos como inibidores seletivos da recaptação da serotonina (SSRI) também podem ser úteis no tratamento.
Se não conseguir encontrar um profissional de saúde mental especializado em dismorfia corporal, tente trabalhar com alguém que tenha experiência em TOC ou distúrbios alimentares, sugeriu Durvasula.