O aviso de Trump que deixa a Ucrânia sob pressão para obter ganhos rápidos - TVI

O aviso de Trump que deixa a Ucrânia sob pressão para obter ganhos rápidos

  • CNN Portugal
  • Stephen Collinson
  • 16 mai 2023, 14:00
Donald Trump no Town Hall da CNN Foto Will Lanzoni _ CNN

ANÁLISE do repórter da CNN norte-americana na Casa Branca.

Donald Trump pode ter acabado de colocar a Ucrânia em contrarrelógio.

A recusa do ex-presidente em dizer se quer que o presidente Volodymyr Zelensky ganhe a guerra após a invasão não provocada da Rússia – juntamente com a sua afirmação absurda de que poderia acabar com o conflito em 24 horas – fez crescer a ideia de que o destino da Ucrânia estará nas mãos dos eleitores americanos no próximo ano.

Os comentários do líder republicano, num encontro promovido pela CNN em New Hampshire, foram o mais recente sinal de que a política da guerra nos EUA pode tornar-se mais tensa à medida que a campanha para 2024 vai escalando, criando uma nova pressão sobre a ofensiva de Zelensky para desferir um golpe decisivo no segundo ano do conflito.

A perspetiva de um regresso de Trump ao poder poderá também incentivar o Presidente russo Vladimir Putin a prolongar uma guerra que está a causar um número terrível de vítimas civis e a acumular enormes baixas russas, na esperança de poder explorar qualquer diminuição do fluxo de ajuda multibilionária dos EUA à Ucrânia.

E a decisão de Trump de se colocar diretamente no debate reflete o aprofundamento dos cálculos políticos de alguns dos principais intervenientes na guerra. Isso inclui tanto o presidente Joe Biden, que apostou o seu legado como defensor dos princípios democráticos nos EUA e no estrangeiro na sobrevivência da Ucrânia, como Putin, que presidiu a um desfile do Dia da Vitória em Moscovo, na semana passada, depois de ter falhado o seu objetivo de guerra de esmagar a soberania da Ucrânia.

Os desenvolvimentos no campo de batalha podem ditar o curso da guerra muito antes das eleições de Novembro de 2024. E fazer julgamentos equívocos sobre quaisquer comentários que o ex-presidente faça é arriscado, uma vez que muitas vezes ele parece viver dia a dia e minuto a minuto, em vez de seguir planos estratégicos de meses.

No entanto, a relutância de Trump em referir-se a Putin como um criminoso de guerra, apesar das provas das atrocidades russas na Ucrânia e de um mandado de captura do Tribunal Penal Internacional, renovou a intriga sobre os motivos do ex-presidente para se curvar repetidamente perante o homem forte do Kremlin.

Ainda assim, as motivações pessoais e políticas de Trump para criar um tema de campanha a partir da Ucrânia e a sua capacidade de politizar o fluxo multibilionário dos EUA de armas e munições que sustentam o governo de Zelensky não devem ser subestimadas. Em New Hampshire, Trump mostrou que vê a guerra como um veículo perfeito para o seu nacionalismo populista, afirmando que o resto do mundo está a roubar os EUA e que Biden está mais preocupado em proteger a segurança dos estrangeiros do que as necessidades económicas dos americanos.

Esta mensagem poderia ser especialmente poderosa em caso de recessão no próximo ano, o que poderia prejudicar a recandidatura de Biden. Também não é claro se Biden quer entrar nos meses críticos da sua campanha ainda a enviar milhares de milhões de dólares para a Ucrânia, apesar de destacar a sua liderança do Ocidente como um grande sucesso da política externa.

Para já, a perspetiva de um regresso de Trump à presidência é uma preocupação a longo prazo para a Ucrânia, que luta para expulsar as forças russas do seu território num contra-ataque há muito aguardado e conta com o apoio firme de Biden, que revigorou a aliança ocidental em seu apoio. Afinal, as próximas eleições estão a 18 meses de distância e Trump pode não ganhar a nomeação do Partido Republicano ou a disputa presidencial. Algumas sondagens recentes detetaram um abrandamento do apoio ao papel destacado dos EUA no apoio à Ucrânia – especialmente entre os republicanos – um factor que Trump está a tentar explorar, embora o apoio do Partido Republicano à Ucrânia no Congresso permaneça firme, apesar da retórica anti-Zelensky de alguns dos seus aliados mais próximos no Capitólio.

A visão transacional do mundo de Trump

Para Trump, toda a questão da Ucrânia se resume a uma equação de dólares e cêntimos – tal como ele parecia ver a NATO, quando estava no poder, como pouco mais do que um esquema de proteção internacional.

"Estamos a dar tanto equipamento que não temos munições para nós próprios neste momento", disse o ex-presidente no Town Hall da CNN [uma espécie de “assembleia municipal” em formato de entrevista ao vivo perante uma audiência que também coloca perguntas]. E acrescentou: "não temos munições para nós próprios porque estamos a ceder tanto" – comentários que tocaram numa veia nacionalista do atual Partido Republicano.

Quando a pivot da CNN, Kaitlan Collins, lhe perguntou se achava que Putin devia ser julgado por alegados crimes de guerra, Trump respondeu: "Vou dizer o seguinte: quero que a Europa invista mais dinheiro". Este comentário é semelhante a uma das ideias mais aplaudidas da sua campanha de 2016, na qual acusou os aliados dos EUA, como os da Europa e da Ásia, de enriquecerem sob a proteção dos EUA.

Por um lado, os comentários de Trump são uma afronta a gerações de ortodoxia da política externa dos EUA, baseada na ideia de que tornar o mundo seguro para a democracia e enfrentar os tiranos é do interesse político, diplomático e comercial dos EUA e é um multiplicador do poder americano.

No entanto, as suas ameaças contra os aliados dos EUA, especialmente na Europa, embora tenham levantado ondas de choque através da aliança transatlântica, levaram a que algumas potências europeias aumentassem as suas próprias despesas com a defesa para o limiar de 2% do PIB recomendado pela NATO para os estados-membros. No entanto, por vezes é difícil distinguir entre o efeito Trump e o aumento da despesa europeia com a defesa, devido à crescente preocupação com a Rússia – mesmo antes da invasão da Ucrânia.

Mas Trump também tem razão quando diz que os EUA gastaram mais na defesa da Ucrânia do que a UE – uma economia poderosa – que está geograficamente muito mais próxima da zona de guerra do que os Estados Unidos. A administração Biden atribuiu um total de 36,9 mil milhões de dólares em ajuda militar à Ucrânia desde o início da guerra, num esforço extraordinário que a tornou efetivamente um cliente de facto da NATO e frustrou um dos objetivos de guerra de Putin, que era manter Kiev fora da órbita ocidental.

As instituições da União Europeia prometeram cerca de 3,6 mil milhões de euros em ajuda militar à Ucrânia, mas os Estados membros individuais deram mais de 10 mil milhões de euros em contribuições combinadas, de acordo com o Instituto Kiel para a Economia Mundial. A Grã-Bretanha – que já não é membro da UE – enviou, além disso, mais de 6 mil milhões de euros e, como Jim Sciutto, da CNN, noticiou em exclusivo na quinta-feira, entregou mísseis de cruzeiro "Storm Shadow" às forças de Zelensky, antes da próxima ofensiva. (Um dólar equivale atualmente a 0,91 euros).

Tal como os Estados Unidos, a Europa também ofereceu dezenas de milhares de milhões de dólares noutros tipos de ajuda, subsídios e garantias de empréstimos à Ucrânia, mas Washington continua a ser o principal doador. A visão transacional de Trump sobre a aliança ocidental reflete a sua visão muito limitada dos interesses de segurança e da política externa dos EUA, que não mudou desde o seu primeiro mandato, quando cortou as contribuições financeiras dos EUA para a NATO.

Também ignora a forma como a parceria combinada EUA-Europa, assente no poderio militar americano, não só manteve a paz na Europa durante quase 80 anos, como fez do bloco ocidental a experiência política mais próspera e democrática da história. O seu primeiro governo transformou os EUA, de um garante da estabilidade global, numa grande força perturbadora – e já está a dar sinais de que um segundo governo irá fazer mais do mesmo.

Mas as suas queixas sobre as despesas europeias com a defesa receberam apoio de uma fonte improvável na quinta-feira: Josep Borrell, chefe dos negócios estrangeiros da UE.

"Não era fã do Presidente Trump, mas acho que ele tinha razão numa coisa: os europeus não partilham a sua parte do fardo", disse Borrell em Bruxelas, na quinta-feira.

Zelensky não se deixa perturbar pelas queixas de Trump

Ainda assim, a Ucrânia deve estar preocupada com o facto de, se Trump voltar ao poder, ele vir a gostar de destruir o legado de Biden, da mesma forma que abandonou o acordo climático de Paris e destruiu o acordo nuclear com o Irão – peças centrais diplomáticas do governo de Obama.

E o ex-presidente pode nutrir um ressentimento particular em relação a Zelensky depois de a sua tentativa de fazer com que o presidente ucraniano anunciasse uma investigação de corrupção contra Biden antes da eleição de 2020 ter levado ao seu primeiro impeachment.

O governador republicano de New Hampshire, Chris Sununu, um crítico frequente de Trump e potencial candidato presidencial em 2024, descreveu o desempenho de Trump na assembleia como "fraco", "cobarde" e sem liderança no programa da CNN Internacional "Sala de Comando com Wolf Blitzer".

"A Ucrânia tem de ganhar a guerra", disse Sununu, acrescentando que os EUA nunca tiveram uma oportunidade melhor para "travar o exército barato da Rússia".

O ex-secretário da Defesa de Trump, Mark Esper, disse no "Esta Manhã” da CNN Internacional, na quinta-feira, que os comentários de Trump enviaram a "mensagem errada", principalmente porque poderiam sugerir à China que poderia esperar que passasse a determinação dos EUA e dos seus aliados para impedir qualquer invasão de Taiwan.

No entanto, os amigos dos Estados Unidos no estrangeiro sublinharam na quinta-feira que, pelo menos por enquanto, as intenções de Trump para a Ucrânia são hipotéticas.

O próprio Zelensky ignorou os comentários de Trump numa entrevista a emissoras públicas europeias.

"Quem sabe onde estaremos [quando as eleições acontecerem]?", disse ele, citado pela BBC. "Acredito que até lá vamos ganhar".

E o Secretário de Estado da Defesa britânico, Ben Wallace, disse na Câmara dos Comuns, na quinta-feira, que estava confiante de que os americanos apoiariam a Ucrânia, independentemente de quem estivesse na Casa Branca.

"O Presidente dos EUA hoje é o Presidente Biden. Tenho uma boa relação com ele, tal como o Governo", afirmou Wallace. "Sei que as pessoas boas e decentes da América reconhecerão que os seus direitos são tão importantes quanto os do povo da Ucrânia. A sua Constituição defende esses direitos. Penso que é isso que os vai unir e estou confiante que quem quer que venha a ser o próximo presidente continuará a apoiar a batalha pela defesa dos direitos humanos."

Mas esta semana foi a mais clara lembrança de que Trump, que no ano passado apelou à "extinção” da Constituição, pode não partilhar esses valores.

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