Uma reportagem de Diogo Assunção, com imagem de Miguel Bretiano e edição de imagem de Pedro Guedes.
Sónia e Ricardo conheceram-se na universidade e desde então nunca mais se separaram. Casaram, e depois de uma lua de mel na Índia perceberam que chegara a hora de constituir família.
Confrontados com dificuldades no momento de engravidar, Sónia e Ricardo deram início a tratamentos de fertilidade, no entanto, em simultâneo, decidiram dar entrada com a documentação para a adoção de uma criança.
Entretanto, os tratamentos surtiram efeito e Sónia e Ricardo receberam a primeira filha, Laura, mas nem por isso desistiram do processo de adoção.
Quando questionado sobre alguma condição impeditiva para a adoção de uma criança, o casal respondeu prontamente que desde que a criança conseguisse ser autossuficiente ao longo vida, nada mais importava.
Na sequência, dois anos depois de terem sido pais pela primeira vez, a vida trouxe-lhes uma criança de sete meses, Beatriz. Uma menina loira, com olhos azuis, sorriso rasgado e uma condição especial: acondroplasia, vulgarmente conhecida por nanismo.
Numa família onde ter filhos parecia uma miragem, passaram a existir duas crianças, até que, uma semana depois de terem recebido a Beatriz em casa, descobriram que, na verdade, seriam três.
Sónia estava grávida de Clara, a mais nova de três filhas.
Sónia e Ricardo descrevem Beatriz como uma “giraça, loira de olhos azuis, muito querida e comilona” e que “gosta de brincar e de tudo o que gostam as crianças normais”.
Com o passar do tempo e o crescimento das três irmãs, as diferenças de Beatriz começaram a ser cada vez mais visíveis, e os desafios na vida da menina e dos pais começaram a surgir, no entanto, a menina sempre levou uma vida muito idêntica à das irmãs. Frequentam a mesma escola, brincam com as mesmas coisas e vão para as mesmas atividades.
Mas, o facto de Beatriz fazer as mesmas coisas que as irmãs, não quer dizer que a menina não tenha dificuldades inerentes à condição de acondroplasia.
A acondroplasia é a condição mais frequente entre as displasias ósseas e estima-se que incida em cerca de um em cada 25 mil nascimentos em todo o mundo. Esta displasia é causada por mutações no gene que codifica um recetor transmembranar importante para o crescimento linear dos ossos.
A acondroplasia pode ser diagnosticada ainda durante a gravidez, na ecografia de rotina de terceiro trimestre e confirmada através de amniocentese.
Os homens adultos podem ter em média, uma altura final de 131±5.6 cm e as mulheres a 124±5.9 cm. Ocorre uma redução apenas ligeira na esperança média de vida em comparação com a população geral, possivelmente devido a doenças cardiovasculares.
Ao contrário do que acontece com uma parte das pessoas com acondroplasia, até ao momento, a Beatriz não tem necessidades terapêuticas de maior. Mas tem as dificuldades inerentes à baixa estatura. O que implica algumas adaptações práticas no dia a dia.
Por toda a casa, a Beatriz tem acesso a pequenos bancos que lhe permitem subir e alcançar interruptores, puxadores ou objetos nos balcões da cozinha. Além dos “banquinhos”, a cadeira de Beatriz, à mesa de jantar, é mais alta e o assento é ajustado à dimensão das pernas. Outra particularidade é que a Beatriz tem um dispensador de sabonete para as mãos no bidé, de forma a conseguir lavar as mãos de forma autónoma.
“É claro que precisa de ajuda para coisas que uma outra criança pode não precisar, mas no dia a dia é tudo muito normal, muito semelhante”, conta a mãe de Beatriz, Clara e Laura.
As pessoas não conseguem deixar de olhar, pelo facto de a Beatriz ser diferente. Às vezes custa-me quando há atitudes diretas. Sentir aquele olhar é chato… É revoltante. As pessoas verbalizam que ela é coitadinha", lamenta Sónia Fernandes, mãe de Beatriz.
Beatriz tem as bases familiares necessárias para crescer feliz e rumo a uma vida autónoma e completa, tal como um dia teve Carolina.
Muito desejada pelos pais, define-se como a “rainha da casa” ao crescer, muito “apaparicada” pela avó e não esconde ser uma “menina da mamã”.
Sempre sonhou ser professora e conseguiu. Carolina é professora universitária e investigadora científica na área da genética. Escolheu genética porque quis perceber o que aconteceu com o seu ADN, e desde então tem investigado, ao mesmo tempo que forma os próximos médicos deste país.
Há a altura em que eu tenho de ir ao quadro e eu não tenho problema nenhum e subo à cadeira, e eles ficam todos... o que é que ela vai fazer? Mas a partir desse momento eu sei que os conquistei", conta Carolina Lemos.
Carolina encara a vida de forma positiva e tem noção que é olhado pela família e amigos como um exemplo a seguir e “uma força da natureza”, no entanto, explica que tem os seus momentos e crises existenciais.
A investigadora científica confessa que só depois dos quarenta é que enfrentou os “seus fantasmas” e admite que durante muito tempo não se achou merecedora de ter uma “vida normal”.
Carolina habituou-se desde muito cedo a receber olhares jocosos e de curiosidade, e hoje, conta alguns episódios, que em tempos a magoaram, com naturalidade e boa disposição.
A pior história, é de quando uma senhora pediu para me tirar uma fotografia. Eu disse-lhe que não porque eu não era a Torre dos Clérigos”, conta Carolina.
A professora da Universidade do Porto conta que um dos momentos em que se sente mais observada é quando, junto ao Palácio de Cristal no Porto, chegam as “excursões” das escolas, porque as crianças ficam muito curiosas com a sua aparência.
No entanto, a mulher do Porto relata que não se sente incomodada, visto que reconhece inocência às crianças, mas deixa aconselha os pais a abordarem a questão de forma direta, sem tabus, “porque isso só simplifica as coisas”.
Na altura de apontar as maiores dificuldades sentidas no dia a dia, Carolina conta que a ida ao multibanco pode ser um desafio, visto que a maioria das caixas estão demasiado altas. Os balcões de atendimento e as casas de banho públicas são também um desafio.
Nos dias que correm, devido à pandemia, há um desafio extra: os dispensadores de desinfetante.
Dificuldades essas que, um dia, Beatriz também poderá vir a sentir. No entanto, o momento que Sónia, mãe da menina, mais teme é o da “tomada de consciência” por parte da filha.
A veterinária sabe que a filha já tem noção da diferença, visto que é mais pequena que as irmãs e na escolinha, por exemplo, tem uma cadeira diferente, mas a tomada de consciência real é o momento que Sónia antecipa com mais ansiedade.
Até lá, Sónia e Ricardo querem que Beatriz cresça feliz, estimulada e com vontade de vencer os desafios, enquanto é rodeada por exemplos de pessoas bem-sucedidas, como é o caso de Carolina.
Carolina, por sua vez, não tem dúvidas em afirmar que “os sonhos não têm altura, são ilimitados”.