Um paraíso (quase) perdido
Reportagem de Victor Bandarra | Imagem de Bruno Vinhas | Edição de imagem de João Ferreira
A Guiné-Bissau podia ser o paraíso na Terra. Mas não é! A Natureza é pródiga, a paisagem enche os olhos, os rios espreguiçam-se por recantos lindos de morrer. Com apenas 1,8 milhões de habitantes, o país tem tudo para ser rico. Mas não é! Apenas com o turismo no arquipélagos dos Bijagós (mais de 80 ilhas e ilhotas), além das pescas e respectivas licenças, mais o caju e os produtivos campos de arroz, a Guiné-Bissau podia ser rica. Mas não é! Há petróleo nas suas águas, há minerais nobres no interior, mas a Guiné-Bissau é o 5º país mais pobre do Mundo. E o Povo? Os povos, mais de 30 etnias, são orgulhosos, resistentes e pacíficos. E são solidários, porém pobres, muito pobres, como sempre foram. E ninguém passa fome, apenas e só graças à Natureza e à tradicional solidariedade bantu.
Na Europa ou nas Américas, e também em Portugal, fala-se, vê-se, escreve-se e sabe-se muito mais da Síria ou de Angola, Moçambique ou Afeganistão, Iraque ou Cabo Verde, por exemplo, do que da Guiné-Bissau. Afinal, o que é feito da Guiné-Bissau? É um país meio esquecido por todos, até por muitos guineenses da diáspora. E quando é falado nos Media portugueses, surge desfocado e muito ao de leve - apenas quando se fala em golpes de Estado ou narco-tráfico. A culpa é de quem? Provavelmente de todos, sobretudo das elites locais, mas também de mandantes exteriores. Desde a Independência, declarada em 1973 e reconhecida em 1974, o país de Amílcar Cabral sofreu 9 golpes de Estado e, nos últimos 5 anos, tomaram posse 7 governos. Ninguém se entende, ou antes, as elites políticas não se entendem.
Muito dependente da ajuda internacional (incluindo da cooperação portuguesa) e das fracas exportações de caju, a Guiné-Bissau sofre de crónica falta de escolas, hospitais, infraestruturas, formação técnica. "Entalada" entre vários países francófonos (a começar pelo Senegal e Guiné-Conacri), a própria Língua portuguesa vai sofrendo a erosão do Francês. Só as elites e os mais velhos (que cresceram no tempo colonial) ainda falam, ou apenas entendem, o Português. Por motivos lógicos e simples: a primeira língua que as crianças aprendem é a materna (o fula, o mandinga, o balanta, o papel, o bijagó...) E para que todos se entendam e comuniquem, aprendem também o crioulo. O Português, quando não é ultrapassado pelo Francês, é apenas a terceira língua dos guineenses.
Um choque cultural e linguístico para três jovens médicos lusitanos, recém-licenciados, que os repórteres da TVI foram encontrar, de mochila às costas, em Nhacra, a caminho de Bafatá, no interior. Ao contrário de muitos compatriotas, em vez de escolherem o Algarve, Cabo Verde ou o Brasil, os três aventureiros decidiram fazer férias... na Guiné-Bissau. E descobriram que, por aqui, o Português é uma língua meio exótica, ainda que seja a Língua oficial do Estado guineense. Uma experiência única para estes três médicos (Luís, Carlos e Diogo). Os três deambulam pelo mercado de Nhacra, enchendo os sentidos do que vêem e cheiram, e até bebendo o sumo de uma fruta local, o "bajiqui". Sumo muito doce, ecológico, vendido em pequenos sacos de plástico, receita certa para uma diarreia das antigas...
Este é apenas um dos retratos da Guiné-Bissau de hoje. Para milhares de portugueses que cumpriram serviço militar na então província ultramarina, restam as memórias dos momentos tensos e dramáticos da guerra, mas também as boas recordações do país verde, até bucólico, que podia ser o Paraíso na terra. Que não era, e que não é! Valham as esperança no futuro e o juízo de quem manda e decide.