“Ainda podemos sair de casa, mas na verdade
não podemos ir a lado nenhum”
Viver confinado dentro de casa não o assusta, para Abdullah Kurd o verdadeiro confinamento é o do muro. Percorre-o vezes sem conta, no seu táxi, o único ganha-pão da família. O vírus trouxe uma aparente trégua, sente-se uma diminuição da tensão entre palestinianos e o exército israelita. Mas Abdullah já transportou muita gente, fez muitos quilómetros dentro e fora do muro e não se deixa enganar. “Os checkpoints estão vazios… Dá-nos a sensação de menos violência, mas é porque os palestinianos não passam”, adianta. O habitual, por aqui, era haver filas de trabalhadores palestinianos logo de madrugada para tentar passar os checkpoints e atravessar para o lado israelita para ir trabalhar. Podiam ter sorte, podia demorar horas, poderiam não conseguir passar nesse dia para, simplesmente, ir trabalhar e ganhar dinheiro. Até isto mudou com a chegada do novo coronavírus. “Agora, só os médicos ou israelitas passam. Palestinianos? Não passam nenhum”, diz-nos este taxista palestiniano, sem nos relembrar que a isso, a bem ou mal, já estão acostumados. “Nós estamos habituados a, de alguma forma, ficar em casa. A diferença é que, desta vez, as coisas estão a ser mais estritas sobre o confinamento. Em breve, os israelitas não vão deixar ninguém sair de casa”.
A verdade é que nem em casa estão em local seguro. Só em março, já com a pandemia no país, 292 palestinianos foram detidos, 17 deles crianças e três mulheres, avança o Centro de Estudos Israelo-palestinianos Al-Quds. Quase metade destas detenções foram feitas dentro das próprias casas. Estes raids já são habituais pelo exército de Israel e não parecem abrandar. O diretor do Centro Al-Quds, Rola Hasanein, assegura que “a ocupação israelita com ataques diários e campanhas de detenção em territórios palestinianos coloca vidas em riscos. Aqueles que são presos ficam em condições sem o mínimo de segurança e sem qualquer proteção para o novo vírus”.
Parece que todos os palestinianos temem nesta altura as consequências de ficar em casa. Para muitos por mesmo ser uma sentença. “As coisas estão difíceis, é verdade. O negócio diminuiu 99%. Eu dependia do transporte de pessoas daqui de Jerusalém para Gaza, para aeroporto em Telavive ou para a fronteira com Jordânia”, explica-nos o taxista, há dias em casa sem receber um tostão. Está tudo parado, escolas fechadas, negócios encerrados. “Não tenho trabalho. Posso andar por aí de carro à procura de pessoas, mas para quê?”, a pergunta retórica feita numa conversa áudio através do Whatsapp adivinha uma reposta que vem segundos depois com uma nova pergunta: “vou gastar o meu gasóleo para nada?”. Numa fase como esta, há mais dúvidas do que certezas e, quando as perguntas se respondem sozinhas, há sempre lugar a novas questões. Isso pode significar mais ansiedade do que aquela que uma família pode aguentar e mais tempo do que Abdullah e Siham podem ficar sem receber dinheiro. Para eles, ficar em casa pode significar perdê-la. O que ainda vai salvando os dias é receber, por vezes, “chamadas para fazer algumas viagens curtas que sempre dão para comprar comida ou cigarros”, desabafa.