Reportagem de Rui Araújo | Imagem de Valter Leite | Imagem de drone de Alexandre Vieira | Grafismo de Ricardo Nuno | Edição de imagem de Carlota Paim
Há uma ilha que era das gaivotas, das cagarras, dos borrelhos e de mais umas quantas aves marinhas… E do céu. É a Berlenga Grande. Fica a escassas milhas de Peniche e do Cabo Carvoeiro.
Antigamente, nada lá chegava. Nem a pneumónica lá chegou. O isolamento era tanto que se suicidaram três faroleiros. É, pelo menos, o que conta o escritor Raul Brandão, em 1919.
A TVI foi ver o que é, hoje, a Berlenga e a vida de faroleiro numa ilha mágica.
Veja aqui na íntegra.
Primeiro dia.
Primeiro registo.
Lá fora, a claridade some-se pouco a pouco. É quase a hora do poente.
Na sala esconsa a luz esmorece. E o silêncio é pesado. Só o sopro do vento chega até aqui. Mal.
O "Livro de Serviços - o Livro A" - o "Diário dos Faróis" é preenchido todos os dias.
É o momento de o faroleiro anotar a hora de acender e apagar os leds, o tempo de rotação, as condições atmosféricas, as avarias, os naufrágios (quando os há) e mais uma data de coisas.
Para o Diário dos Faróis ficam, por exemplo, operações de salvamento como estas.
13 de Agosto de 2018.
Um helicóptero de transporte médio Agusta-Westland EH-101 Merlin da Força Aérea portuguesa resgata um forasteiro com traumatismo da coluna cervical.
A aterragem do trimotor da Esquadra 7.5.1. "Pumas" ocorre mesmo ao lado do farol.
Os faroleiros Bento e Pacheco ajudam.
25 Setembro.
Mais um desastre com um turista. Mais um resgate…
O faroleiro Almeida (da Autoridade Marítima Nacional), apoia a operação.
"Penso muito na família, nos amigos, na namorada, principalmente na namorada… Ah…. E há uns tempos a minha mãe esteve a lutar contra um cancro e foi uma das… dos momentos mais difíceis. Foi estar aqui na ilha e saber que a minha mãe em Almada estava a lutar contra um cancro, mas estava sempre a entrar em contacto com ela e saber como é que ela estava, como é que estava a reagir, mas graças a Deus já acabou o tratamento e tudo correu bem e hoje está com saúde e feliz e é o que interessa."
Depoimento do faroleiro Pedro de Sousa
Sempre que é necessário, os faroleiros dão assistência ao pessoal da Divisão de Obras da Câmara Municipal de Peniche.
Os homens do farol fazem o que podem com o veículo de serviço: transportam funcionários camarários, cimento, pedras, entulho, a carga que houver... para arranjar o único caminho cimentado da ilha.
Os pescadores já não armam a valenciana e os coelhos e os ratos pretos - uma praga! - desapareceram.
Com as novas tecnologias o isolamento é, agora, menor.
Há luz dia e noite.
E a energia solar produzida aqui tem chegado para alimentar o farol e as instalações.
Quando os 40 painéis fotovoltaicos e as 24 baterias não forem suficientes, serão accionados os geradores a gasóleo.
A vida de faroleiro na Berlenga mudou. E muito. Mas, mesmo assim, há memórias que restam, mais tristes do que empolgantes e que parecem penitência.
A solidão do homem que caminha, ali adiante, no carreiro torto e escorregadio, é assaltada pelo vento e pelo mar.
O destino do faroleiro Pedro Monteiro é a falésia diante do ilhéu Maldito: águas batidas, um lugar piscoso.
Cai a tarde.
Partimos, pasmados ou deslumbrados com o espectáculo sem par.