Entrevistas e textos de Vanessa Cruz
Cinco da manhã e receber uma notícia da própria casa vinda do outro lado do mundo. Foi assim que Lara Silveira, 28 anos, soube do Brexit, que a fez cair da cama. Como uma estrela da bandeira da UE cairá em breve. Estava com o sono leve, pegou no telemóvel e o Facebook foi a porta de entrada para a saída. Um amigo que vive na Austrália fez um post curto que dizia tudo.
“It’s a very sad day for Europe”. A reação: “Fiquei logo… não posso crer! A partir daí não consegui dormir mais”. Foi mais cedo para o trabalho. Chegou a dar a notícia a alguns chefes que já lá estavam, alheados ainda dos resultados. “A bofetada foi perceber que o resto do Reino Unido não pensa como Londres e votou para sair”.
Num dia, tudo mudou radicalmente. “Ah, a Lara é fixe, mas os outros podem ir-se embora”. Lá está, a imigração, argumento de voto para tantos, inclusive para pais dos amigos desta jovem portuguesa que vive no Reino Unido. Como lidar com isto? É o sentimento misto de pertença e de exclusão que está em jogo. O Reino Unido, parceiro histórico de Portugal, multicultural. Uma casa onde o telhado agora ameaça desabar.
Da empresa, veio pelo menos uma tentativa de aconchego. E-mails enviados no próprio dia, com a primeira preocupação de lhes dizer que são queridos ali. Aconteceu com a Lara, com a Mafalda, com o Nuno. "Foi do CEO da empresa. Para as pessoas não entrarem em pânico, para manter o ânimo das tropas". Aconteceu de viva voz com o Rodrigo e com o Paulo.
Seis portugueses, entre os 23 e os 42 anos, mergulharam em mares nunca d’antes navegados, a par dos britânicos e de todos os europeus. Por um voto (in)consciente. Pode ser que sim, pode ser que não. Numa coisa, todos estão de acordo: as campanhas não foram esclarecedoras e houve muita desinformação.
Receios? Quem tem gema lusa sabe adaptar-se às situações. “E pior do que aquilo a que estamos habituados em Portugal não há-de ser”, relativizam. Mas claro que eles existem: a xenofobia e o racismo (em relação à comunidade portuguesa e todos os imigrantes), a desvalorização da libra, a identidade quebrada de um Continente que muitos carimbaram com o Erasmus. E dali foram somando outros carimbos, como o de Hugo, que até já ganhou um prémio pelo Reino Unido.
O futuro, esse, é uma incógnita. Como a linha do horizonte do oceano. A História serve de embalo: é sempre para ir navegando. Mesmo que as vidas estejam em suspenso. Como uma porta no trinco, que a qualquer momento pode fechar-se de vez.