Depois de uma edição que João Carvalho classifica como uma das melhores viria aquela que o diretor do festival gostaria de esquecer. Não no que toca às bandas ou aos festivaleiros, mas pelo prejuízo que a organização acabou por ter devido ao mau tempo. Sim, era agosto de 2004, mas choveu como se fosse abril, o que acabou por afetar as receitas.
Foi o ano que trouxe os lendários 'Motorhead' de volta a Portugal, um concerto que João Carvalho destaca não só por ter sido um dos melhores daquele ano, mas porque mostra mais uma vez que Paredes de Coura contém pedaços de história. Tal como os 'Stone Temple Pilots', também o vocalista dos 'Motorhead' já faleceu, mas haverá sempre pessoas que contarão que viram Lemmy no Paredes de Coura.
“Paredes de Coura também é isso, história. Fazer pedaços de história. Ter tido bandas que já desapareceram, enquanto continuamos a trazer bandas que ninguém conhece ainda. Esse ano ficou marcado justamente por isso, trouxemos os Motorhead, uma banda que tinha, e tem, um culto enorme”.

“Mas 2004 é o ano que tenho menos vontade de falar. Foi um ano com uma programação fantástica, mas uma edição que teve algumas complicações financeiras, isto porque choveu imenso, e quando chove as coisas complicam-se: não se vendem os bilhetes à porta, há pessoas que até têm bilhete mas não aparecem, e logo não consomem, o terreno, como é de relva, fica degradado, enfim… choveu torrencialmente ao ponto de haver carros que saíram do festival diretos para o bate-chapas, devido ao granizo forte. Foi neste ano que o festival ‘abanou’ em termos de orçamento mais uma vez.”
No final, havia três opções: acabar com o festival, avançar com uma edição mais modesta ou apostar tudo e acreditar que podia voltar a correr bem.
“Resolvemos partir para 2005 com toda a coragem que nos caracterizava: ‘ok estamos aqui com um prejuízo enorme, o que fazemos? Vamos acabar com o festival? Vamos ter uma programação mais fraca? Ou vamos com tudo para a frente?’ E apostámos nesta última e ainda hoje é uma das melhores edições.”

“Foi o ano que trouxe a repetição dos 'Queens of the Stone Age', 'Foo Fighters', 'Arcade Fire' – que deram um concerto que deixou a sensação de passagem de um furacão -, 'Vicent Gallo', entre tantos outros. Foi uma edição espetacular, com um cartaz de luxo, que ainda hoje nos orgulha. Foi a edição de afirmação do festival. Quando tinha tudo para correr mal, correu tudo muito bem. Não ganhámos dinheiro, posso dizê-lo, mas ganhámos uma nova alma. Foi um ano muito, muito, importante porque fizemos um cartaz de luxo sem qualquer patrocínio. Foi arriscar até ao limite.”
Este foi um ponto de viragem, explicou. Resolveram apostar tudo quando podia ter corrido mal e resultou. As duas edições seguintes são prova de uma mudança de posição que se mantém até hoje, muito provocada pelo evento de 2005. A organização decidiu que não voltariam a pisar o palco de Paredes de Coura bandas que não fizessem sentido aos olhos dos criadores, e logo nos dois anos seguintes viram-se os frutos dessa aposta.

“O ano de 2006 teve também uma fantástica programação. 'The Cramps' deram um grande concerto, 'Bauhaus' outro. Os 'Yeah Yeah Yeahs' também, aliás, se escolhermos cinco bandas marcantes do festival eles estão entre elas, foi um dos grandes espetáculos da história do Paredes de Coura. 'Broken Social Scene', por sua vez, não foi aquele concerto que todos esperávamos, ainda hoje adoro a banda, mas as coisas em palco não saíram tão bem… Foi uma edição que já se assemelhou ao que nós pretendíamos para o festival. Foi exatamente a partir de 2005 que decidimos ‘ok, não há mais bandas que não façam sentido, bandas que não ouvimos em casa, que não se identifiquem com a nossa filosofia musical.”

“Em 2005 fizemos um cartaz que é talvez impossível de repetir, mas logo em 2006 também e [em 2007 voltámos a] surpreender com os 'New York Dolls', um concerto que foi como assistir à história em direto. [Nessa edição tivemos ainda] 'Dinosaur Jr.', mais um pedaço de história, os 'Babyschambles', que são uma referência da música britânica e 'M.I.A.', que foi a revelação desse ano. Depois, os grandes, os geniais, 'Sonic Youth', um dos sonhos antigos do festival, uma banda que queríamos trazer há muito tempo e que conseguimos finalmente.”