Após um primeiro trimestre que superou a maioria das previsões, a economia portuguesa começa a mostrar alguns sinais de abrandamento. Ainda que o arranque do ano tenha dado um impulso, existem indicadores como as exportações e a produção industrial que já denotam algum arrefecimento, como salientam os economistas ouvidos pelo ECO. Inquéritos de confiança e do sentimento económico mostram também que empresários e consumidores estão cautelosos em relação ao futuro, numa altura ainda de muita incerteza.
“A situação económica está extremamente fluida, com efeitos de choques anteriores a comporem com novos choques“, salienta o economista João César das Neves ao ECO, razão pela qual “a evolução mensal ou trimestral é tão volátil”. Para o economista, “parece realmente que, depois de um primeiro trimestre inesperadamente bom, o segundo mostra-se bastante menos favorável”, algo que já está refletido nas projeções de algumas organizações internacionais.
Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, também salienta ao ECO que, no que diz respeito aos números trimestrais, “é quase impossível não haver uma desaceleração” depois do crescimento excecional que se verificou no primeiro trimestre. Esse desempenho inesperado levou até à revisão em alta de várias estimativas do crescimento anual, atualizações que se devem “quase exclusivamente ao primeiro trimestre”, que “não se espera que venha a ter impacto nos trimestres seguintes”.
As primeiras estimativas para o desempenho do segundo trimestre só vão ser conhecidas a 31 de julho, sendo depois confirmados um mês depois, no final de agosto. Mas o próprio ministro das Finanças já sinalizou, esta quarta-feira, que as contas públicas no segundo trimestre serão “significativamente piores”. Até porque “muitas medidas só terão reflexo nas contas a partir do segundo trimestre”, como o IVA Zero, o aumento extraordinário dos salários da Função Pública e do subsídio de alimentação, o apoio às famílias mais vulneráveis e o aumento das pensões, explicou.
Deve-se ter em conta também que “o ambiente genérico é fraco, continua a subida das taxas de juro, cujo impacto não foi completamente refletido nas famílias e empresas”, já que “há sempre um desfasamento com as Euribor”, salienta o economista Pedro Braz Teixeira. Além disso, a “conjuntura internacional também não favorece”, sendo que, por exemplo, a Alemanha entrou em recessão técnica.
Assim, existe um conjunto de indicadores que mostram e permitem antecipar alguma desaceleração da economia, nomeadamente a produção industrial e as exportações, para além do clima económico.
Exportações caem 3,6% em abril
As exportações portuguesas registaram uma contração de 3,6% em abril, em termos homólogos e nominais, o que compara com uma variação positiva de 18,6% em março, revelou esta sexta-feira o Instituto Nacional de Estatística (INE). As importações também caíram, neste caso 5,7%, quando no mês anterior tinham aumentado 9,6%.
O gabinete estatístico sublinha que “desde os primeiros meses de 2021 que não se registavam decréscimos nas transações de bens de Portugal com os mercados externos”. No entanto, assinala que o mês de abril de 2023 teve menos um dia útil que o mês homólogo de 2022 e menos cinco dias úteis que o mês anterior.
Produção da indústria portuguesa encolheu 7% em abril
A produção industrial voltou a desacelerar em abril, seguindo a tendência verificada no mês anterior. De acordo com os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), o índice de produção industrial apresentou uma variação homóloga de -7% em abril, com o setor da energia a ser o principal motivador desta quebra. Em março, redução tinha sido de 3,6%.
“A intensidade da redução poderá estar relacionada com o escoamento de stocks e quebra de encomendas, referidas por diversas empresas”, detalha o INE no relatório divulgado esta quinta-feira. Sem contar com o agrupamento de energia, o INE indica que esta variação foi de -4,6%, em abril e -0,9% em março.
Clima económico volátil: agrava em maio mas estabiliza em junho
Os dados conhecidos de abril, agregados na síntese do INE, mostraram que a economia estava a abrandar. “Os indicadores de curto prazo (ICP) relativos à atividade económica na perspetiva da produção, disponíveis para abril, apontam para uma diminuição na indústria e uma desaceleração nos serviços e na construção”, refere o Instituto Nacional de Estatística em comunicado.
Além disso, o INE referia também que o indicador de clima económico, que sintetiza as questões relativas aos inquéritos qualitativos às empresas, “diminuiu em maio, após ter aumentado entre janeiro e abril”. De salientar ainda que, na perspetiva da despesa, “o indicador de atividade económica desacelerou em abril, verificando-se um aumento do indicador de investimento e uma desaceleração do indicador de consumo privado”.
Mas em maio, o indicador acabou por estabilizar, ainda que a situação não seja uniforme. “Os indicadores de confiança aumentaram na construção e obras públicas e nos serviços, tendo diminuído na indústria transformadora e no comércio”, indica o INE, no inquérito mais recente.
Já olhando para o indicador do Banco de Portugal, as últimas duas semanas foram de crescimento da atividade económica, mas, na semana terminada a 11 de junho, o indicador diário de atividade económica (DEI) apontava “para uma taxa de variação homóloga inferior à observada nas semanas anteriores”, uma quebra que surgiu após quatro semanas consecutivas de manutenção da atividade.
“A generalidade dos indicadores de alta frequência” vai no sentido de um abrandamento, admite João César das Neves, passando pelo Indicador de Sentimento Económico e as vendas de veículos e cimento, destacando que “a síntese do INE agrega esses vários indicadores”.
Como salienta o economista e professor do Centro de Economias e Finanças da Universidade do Porto, João Loureiro, indicadores como o clima económico são importantes porque “são auscultações feitas por inquérito a consumidores e empresários e dão indicações se há degradação” das expectativas, que poderão influenciar a evolução futura. Ou seja, “se perguntarem como acha que vai está a situação e várias pessoas disserem que está pior, o mais provável é que vá mesmo” porque perante essas expectativas vão agir de acordo e consumir menos, explica.
Pedro Braz Teixeira acrescenta que os dados do clima económico e indicadores de confiança “são dos indicadores mais em cima do acontecimento, porque são do próprio mês”, ao contrário de outras métricas.
Crédito à habitação com o maior abrandamento em três anos
Os bancos continuam a registar uma redução do ritmo de contratualização do crédito à habitação, o que pode refletir já o acesso mais caro a financiamento. Segundo dados divulgados na quarta-feira pelo Banco de Portugal, o montante total de empréstimos para habitação em maio era de 99,5 mil milhões de euros, menos 118,3 milhões de euros (-0,12%) do que no final de abril. Foi o quinto mês consecutivo em que o volume de crédito à habitação concedido pela banca registou taxas mensais negativas.
Há dez meses consecutivos que a concessão de crédito à habitação está em queda, passando de uma taxa homóloga de 4,8% em julho de 2022 para 0,8% em maio. Desde maio de 2020 que não se assistia a um crescimento homólogo tão baixo. Já o stock do crédito à habitação está no valor mais baixo desde julho de 2022 e há quatro meses consecutivos que está abaixo da fasquia dos 100 mil milhões de euros.
Inflação desacelera para 3,4%
Depois de uma desaceleração da inflação em maio para 4%, junho manteve a tendência e recuou para 3,4%, de acordo com os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). É o oitavo mês consecutivo de abrandamento, sendo que a desaceleração em ambos os meses foi justificada em parte por um efeito de base, mas deve-se sobretudo à descida dos preços da energia. Apesar de ter desacelerado, continua elevada e o indicador está sujeito a algumas distorções estatísticas.
“Esta desaceleração continua a ser em parte explicada pelo efeito de base, resultante do aumento de preços dos combustíveis verificado em junho de 2022″, indica o INE. Medidas como o IVA Zero também ajudam à descida dos preços.
Desemprego a cair
A taxa de desemprego em maio diminuiu para 6,4%, uma descida de apenas 0,1 pontos percentuais face ao apurado no mês anterior, que foi revisto em baixa de 6,8% para 6,5%. Em termos homólogos, contudo, o desemprego aumentou 0,4 p.p., segundo os dados provisórios divulgados na quinta-feira pelo INE. Em maio, 338.600 pessoas estavam desempregadas no país.
Já o número de pessoas registadas nos centros de emprego como desempregadas baixou em maio para 285.855, recuando tanto a abril como em relação a igual período do ano passado. Em maio estavam inscritas no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) menos 9.567 pessoas (-3,2%) do que em abril e menos 10.539 pessoas (-3,6%) do que em maio de 2022, segundo os dados divulgados pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).