(Acrescenta mais alguns detalhes, pós entrada em vigor da lei, esta terça-feira)
O arrendamento, tanto do lado do inquilino como do senhorio, tem sido mais uma dor de cabeça da pandemia Covid-19. Do ponto de vista habitacional, quem fica sem rendimentos tem dificuldades. Que se juntam às de quem tem negócios em espaços arrendados e tem de fechar as portas. Do outro lado, senhorios com arrendamentos para habitação ou comércio/ indústria não ficam em melhor situação.
Esta sexta-feira, a advogada Regina Santos Pereira, da SRS Advogados, disponibilizou-se para estar em direto no Instagram da TVI24 e responder às dúvidas de espetadores cujas perguntas/ respostas reproduzimos de seguida. Também o advogado Jorge Ferraz, da sociedade Ferraz + Aguiar Soares, elaborou um documento com as alterações ao arrendamento em tempo de estado emergência que enviou à TVI24 do qual publicamos alguns pontos.
Já depois desta conversa, segunda-feira, dia 6 de abril, foi referendada a Lei n.º 4-C/2020, com entrada em vigor em 7 de abril de 2020. As notas adicionais às perguntas são por isso um acrescento e advém da análise da RSN Advogados.
1 - Posso ser despejado na fase de estado de emergência?
RSP: Não. As ações de despejo e procedimentos especiais de despejo estão suspensas.
2 - Os contratos podem ser denunciados nesta fase?
RSP: Os senhorios não podem terminar os contratos, ou por fim aos mesmos. Não há denúncias nem oposições à renovação neste período. Mas o que aconselho, apesar de o senhorio não poder fazer nada, porque os efeitos estão suspensos, é, se estiver no momento próprio de enviar a carta, fazê-lo porque o processo só está suspenso.
3 – Quem pode beneficiar destes apoios?
JF: Esta lei é aplicável aos inquilinos cujo agregado familiar tenha sofrido uma quebra superior a 20% dos seus rendimentos - comparando com o mês anterior, ou com período homólogo do ano anterior - e a taxa de esforço do agregado familiar do inquilino for maior ou igual a 35%.
NOTA: Aplica-se a
Arrendatários habitacionais
Fiadores de estudantes arrendatários sem rendimentos do trabalho
Aplica-se ainda aos senhorios que registem uma quebra superior a 20% dos rendimentos do agregado familiar do senhorio em comparação com o mês anterior, ou com período homólogo do ano anterior e desde que essa quebra se fique a dever ao não pagamento da renda pelo inquilino, em consequência das limitações decretadas no âmbito do estado de emergência.
De referir que:
Se o inquilino tomar a iniciativa de cessar o contrato, então a partir dessa data é exigível o pagamento de todas as rendas vencidas e não pagas nos termos da lei.
Antecipando, há 3 possibilidades:
1. O inquilino beneficia de empréstimo sem juros para pagar as rendas;
2. O inquilino suspende o pagamento das rendas e o senhorio pede empréstimo sem juros para compensar o valor da renda mensal, devida e não paga;
3. O inquilino continua a pagar as rendas da forma habitual
4 – Como posso dar prova dessa perda de rendimentos?
RSP: Vai ser publicada a Portaria que estabelece a forma como as pessoas vão provar que tiveram essa quebra de rendimento. Será publicada a lei, e depois a Portaria. O rendimento do inquilino costuma ser comprovado por uma declaração das Finanças, mas teremos de aguardar.
5 - Que inquilinos vão poder ter apoio financeiro?
JF: O apoio financeiro aos inquilinos (engloba também os casos de inquilinos estudantes sem rendimentos de trabalho cujos fiadores estejam também na situação de quebra de rendimentos devido às limitações impostas pelo estado de emergência, aplicando-se neste caso apenas renda de residência por frequência de estabelecimentos de ensino a mais de 50 km da residência permanente do agregado familiar) consiste num empréstimo sem juros destinado a suportar a diferença entre o valor da renda mensal vencida e o valor resultante da aplicação de taxa de esforço máxima de 35% ao rendimento familiar para pagamento da renda (o rendimento disponível do agregado familiar do inquilino não pode ser inferior a 438,81€).
Este apoio financeiro não é aplicável aos inquilinos habitacionais que tenham reduções nos valores das rendas estabelecidos em regimes especiais de arrendamento, como por exemplo, a renda apoiada e a renda social.
EXEMPLO 1:
Agregado familiar do inquilino: rendimentos disponíveis de 1.000€ mensais;
A renda mensal é de 600€ - Empréstimo sem juros de 250€/mês.
EXEMPLO 2:
Agregado familiar do inquilino: rendimentos mensais de 1.000€;
Fruto do estado de emergência, passaram a rendimentos mensais de 800€;
A renda mensal é de 600€ - Empréstimo sem juros de 320€/mês.
6 - Como vai funcionar o diferimento/adiamento do pagamento das rendas?
JF: As rendas diferidas serão pagas no prazo de 12 meses após aquele período, num valor mínimo mensal de duodécimos do valor total, conjuntamente com as rendas do mês a que disserem respeito, sob pena de, não o fazendo, o senhorio poder terminar o contrato.
Para beneficiar deste apoio, os inquilinos terão de informar o senhorio, por escrito, até cinco dias antes do vencimento da primeira renda em que pretendem beneficiar do regime previsto no presente capítulo, juntando a documentação comprovativa da situação, nos termos da futura portaria.
De referir que: Se se tratar da renda vencida em Abril, esta comunicação será alargada até 20 dias após a data de entrada em vigor da lei.
Nestes casos, o senhorio apenas poderá fazer cessar o contrato por falta da pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente o inquilino não pagar essas rendas nos 12 meses seguintes em, pelo menos, duodécimos do valor resultante da aplicação do apoio.
Ou seja, bastará o inquilino efetuar um qualquer pagamento inferior a um duodécimo para o senhorio ter o direito de terminar o contrato e avançar para despejo.
EXEMPLO:
Estado de emergência vigora em Abril e Maio de 2020; Renda de 1.000€;
Pode diferir/adiar o pagamento das rendas VENCIDAS em Abril, Maio e Junho de 2020;
Estas 3 rendas (3x1.000€) serão pagas em prestações mensais de valor mínimo de 250€
(83,33€ x 3).
Portanto, serão os seguintes os pagamentos a efectuar pelo inquilino:
Julho de 2020 até Junho de 2021: 1.250€;
Julho de 2021: volta a pagar apenas a renda de 1.000€.
MAS
Em Julho de 2020 apenas pagou 1.100€ (pagou a renda vencida nesse mês e apenas 100€ das rendas diferidas, ou seja, um valor inferior ao duodécimo exigido): O senhorio pode fazer terminar o contrato e avançar com ação para despejo.
7 - Esta legislação não é um perdão de rendas?
RSP: Não. Terão de ser pagas mais tarde. Quem aceder ao adiamento terá de começar a pagar um mês depois do estado de emergência acabar e durante um ano.
8 - Como vai funcionar o apoio aos senhorios?
JF: O apoio financeiro também se destina aos senhorios, já referidos, com quebra de rendimentos comprovada, mas apenas se os inquilinos não recorrerem ao apoio financeiro. Podem nestes casos solicitar um empréstimo sem juros para compensar o valor da renda mensal vencida e não paga, sempre que o rendimento disponível do agregado familiar (do senhorio) passe a ser inferior a 438,81€.
9 - No caso de arrendamento comercial e industrial que inquilinos poderão beneficiar do apoio?
JF: Os estabelecimentos abertos ao público com atividades suspensas - ao abrigo do DL nº 2- A/2020 de 20 de Março ou de outras disposições destinadas à execução do estado de emergência - (incluindo os casos em que se mantenha a prestação de atividades de comércio eletrónico / prestação de serviços à distância / via plataforma eletrónica), assim como a estabelecimentos de restauração e similares, incluindo os que se mantenham em atividade para efeitos exclusivos de confecção para venda fora de estabelecimento.
De referir que: Se o inquilino tomar a iniciativa de cessar o contrato, então a partir dessa data é exigível o pagamento de todas as rendas vencidas e não pagas nos termos da lei.
10 - Se o inquilino fechou por iniciativa própria também terá direito?
RSP: A lei não é clara.
11 - Como funcionará o apoio aos inquilinos nestes casos (comercial e industrial)?
JF: Podem diferir/adiar o pagamento das rendas vencidas nos meses abrangidos pelo estado de emergência e no primeiro mês subsequente, para doze meses depois do término do estado de emergência, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, e a ser pago juntamente com a renda do mês em causa.
A falta de pagamento de rendas vencidas neste período de estado de emergência e o primeiro mês subsequente, não são fundamento para cessação do contrato nem para despejo, não podendo os senhorios cobrar quaisquer penalidades que tenham por base o atraso no pagamento das rendas.
Aplica-se, com as devidas adaptações, também a outras formas contratuais de exploração de imóveis para fins comerciais.
Diferimento do pagamento das rendas vencidas, nos 12 meses posteriores ao término do Estado de Emergência ou do primeiro mês subsequente a este, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda do mês em causa:
EXEMPLO:
Renda de 1000€; Estado de emergência vigora em Abril e Maio de 2020;
Inquilino pode diferir o pagamento das rendas VENCIDAS em Abril, Maio e Junho de 2020;
Estas 3 rendas (3x1000€) serão pagas em prestações mensais de valor mínimo de 250€ (83,33€ x 3).
Portanto, serão os seguintes os pagamentos a efetuar pelos inquilinos: Julho de 2020 até Junho de 2021: 1.250€;
Julho de 2021: volta a pagar apenas a renda de 1.000€.
NOTA: Beneficiários
Estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respetivas atividades suspensas ao abrigo do Decreto n.º 2-A/2020 ou por outra determinação legislativa ou administrativa, mesmo nos casos em que mantenham prestação de atividades de comércio eletrónico ou de prestação de serviços à distância;
Estabelecimentos de restauração e similares, ainda que mantenham atividade de serviço de entrega ao domicílio ou take-away.
Estabelecimentos com outras formas contratuais de exploração do imóvel
12 - E se o senhorio for uma entidade pública?
A entidade pública em questão, na posição de senhoria, pode optar livremente por:
• Reduzir o valor das rendas dos inquilinos que tenham comprovadamente quebra de rendimentos superiores a 20%, relativos ao mês anterior ou ao período homólogo no ano anterior, e quando da mesma resulte taxa de esforço superior a 35% relativamente ao valor da renda;
• Isentar de pagamento os inquilinos que comprovem ter deixado de receber quaisquer rendimentos após 1 de Março de 2020;
• Estabelecer moratórias aos inquilinos.
Ficará, por isso, ao critério de cada entidade pública.
13 – O diferimento/ adiamento do pagamento da renda já está em vigor? Já podemos pedi-lo?
RSP: Não. Tem de se esperar pela publicação da lei, o que deve acontecer nos próximos dias.
14 - Os empréstimos que o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) venha a conceder que tipo de arrendamento abrangem?
RSP: A proposta parece ser só para habitação.
15 - Se não houver contrato escrito, pode-se pedir adiamento da renda?
RSP: O inquilino pode fazer prova do contrato do arredamento, mesmo não havendo contrato escrito.
16 - Ficar doente pela Covid-19 ou a prestar assistência a alguém é justificação para adiar o pagamento da renda?
RSP: A lei foi concebida a pensar na quebra do rendimento e no aumento da taxa de esforço pela via da quebra de rendimento, e não nas razões porque tal aconteceu.
16 - É possível, simplesmente, deixar de pagar uma renda comercial e se foi obrigada a parar o meu negócio?
Depende do que tem no contrato. Há figuras na lei que preveem a proteção das pessoas em alguns casos quando deixam de pagar, mas nunca foram aplicadas em Tribunal. Por tanto o melhor conselho que posso dar é que as partes cheguem a acordo. Estamos todos no mesmo barco e quer senhorios quer inquilinos devem fazer esforços de aproximação. Encontrem uma solução boa para as duas partes. Mantenham os contratos. É importante que, nesta fase, os senhorios não aproveitem para excederem limites e os inquilinos não entrem em incumprimentos.