“Acabamos com um acordo”. E assim terminou o debate desta quinta-feira entre Mariana Mortágua e Rui Tavares, marcado pelas escassas divergências e pela dificuldade em discordar, tendo havido até alguma cerimónia a fazer uma crítica, que muitas vezes veio antecedida de um elogio, quase como na tentativa de mostrar um entendimento que poderá ser benéfica para um governo socialista estável.
Só mesmo no tema da habitação é que os dois partidos entraram em choque, naquele que foi, na verdade, um confronto bem amortecido por ambas as partes. “A diferença [está] no método e maneira como fazemos as coisas”, disse Rui Tavares. Tanto o Bloco de Esquerda como o Livre defendem limitações na compra de imóveis por não residentes, mas de formas distintas: Mariana Mortágua quer uma proibição, Rui Tavares que uma sobretaxa dissuasora. Se, por um lado, Rui Tavares diz que proibir pode estar a ferir um “direito europeu”, Mariana Mortágua diz que “um multimilionário do Dubai paga com prazer uma sobretaxa”. Mas nem assim a chama acendeu no debate.
O projeto-piloto com implementação faseada de um rendimento básico incondicional proposto pelo Livre foi ainda criticado por Mariana Mortágua, que destacou que, caso o rendimento básico incondicional seja criado, e dando como exemplo uma prestação valor de duzentos euros por pessoa, o custo seria de 28 mil milhões de euros, “que é mais do que são as contribuições para a Segurança Social”.
A coodenadora do Bloco de Esquerda apenas quis saber o quão incondicional seria, questão à qual não obteve resposta, levou apenas com um “experimente-se”, uma ideia muito defendida por Rui Tavares: experimentar antes de legislar, tal como, disse, está a acontecer com a semana se quatro dias de trabalho, que os dois defendem.
“Partilhamos a semana de quatro dias”, apressou-se a dizer Mariana Mortágua, mostrando mais um ponto de concordância com o Livre, defendendo que “a redução das horas de trabalho é uma das formas de reter jovens em Portugal”.
Confrontados com as semelhanças nas propostas e objetivos dos dois partidos, Rui Tavares rejeitou que o BE e o Livre estejam “a disputar o eleitorado de esquerda”, dizendo até que “seria bem mau se os partidos de esquerda apenas estivessem a disputar eleitorado uns aos outros” e que, no fundo, “toda a esquerda tem de crescer”.
Quando a emigração jovem passou a ser tema de conversa, eis que a concordância voltou: “O Rui dizia com toda a razão”, disse Mariana Mortágua. E os dois colocaram os melhores salários como fator central para reter os jovens e acabar com a precariedade que os leva a procurar alternativas laborais noutros países.
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Tema foi também o caso da avó de Mariana Mortágua, depois de ter sido levantada uma dúvida por Luís Montenegro no debate transmitido pela TVI e pela CNN Portugal. Novamente questionada sobre o assunto, a coordenadora do Bloco de Esquerda não esclareceu totalmente a questão: "A minha avó sentiu esse sobressalto e não foi a única", disse, rejeitando discutir "questões particulares".
O debate terminou com a questão da NATO e Mariana Mortágua voltou a defender a saída de Portugal da Aliança Democrática. E foi por isso mesmo que levou à Constituição Portuguesa para o debate. “O Bloco de Esquerda apoia a autodeterminação dos povos, apoiamos o direito à defesa da Ucrânia e o apoio à Ucrânia”, disse Mortágua, mas quanto à NATO, “sabemos o contexto histórico”, dizendo que a entrada foi uma decisão dos tempos de Salazar. “A NATO estava em morte cerebral, surge depois da guerra da Ucrânia de outra forma”, citando Emmanuel Macron, mas adiantou que “não apaga o que diz a Constituição Portuguesa”.
Rui Tavares defendeu que, dependendo do resultado das eleições presidenciais norte-americanas, “a NATO ainda é capaz de se auto dissolver antes de avançarmos com outro processo de revisão constitucional”.
“A questão está muito mais na União Europeia”, defendendo a construção de uma comunidade europeia de defesa e usar os artigos do Tratado de Lisboa que já permitem à UE ter políticas em matéria de cooperação na Defesa, porque a UE não é um bloco de política militar, é muito mais do que isso”, defendeu o porta-voz do Livre, acrescentando que “o projeto europeu deve avançar para que a Europa tenha autonomia estratégica”, diz, atirando: “se desistimos da Europa, então os Macrons vão dominar”.