Erica veio de São Paulo e Rafael de Minas Gerais: votam Chega e foram ouvir Ventura anunciar "a breve ressurreição" do bipartidarismo - TVI

Erica veio de São Paulo e Rafael de Minas Gerais: votam Chega e foram ouvir Ventura anunciar "a breve ressurreição" do bipartidarismo

REPORTAGEM || Erica é brasileira, vota Chega e quer respeito pela cultura de Portugal. Elen Lúcia, luso-brasileira que serviu "sete anos no exército brasileiro", apoia o Chega e quer evitar "que Portugal fique como o Brasil". André Ventura, português líder do Chega, quer dar a "estocada final a 18 de janeiro" depois de um 12 de outubro menos bom. Mas comecemos pelas Madalenas

Ele é “brilhante, é destemido, muito inteligente, sério”, diz a Madalena mãe. Ele é “convicto, firme, diz o que pensa e luta pelo que acredita”, diz a Madalena filha. E a seguir acrescenta: “Defende Portugal e os portugueses.” Ele é André Ventura. No líder do Chega, as duas Madalenas, uma com 70 anos, outra com 44, antigas militantes do CDS-PP convertidas ao Chega, encontraram aquele que gostariam que fosse o próximo governante do país. “Vai arrasar, tenho a certeza."

Mas André Ventura parece ter outros planos. Na noite em que se contam os votos das eleições autárquicas, aquelas eleições onde, geralmente, os líderes partidários estão mais apagados e deixam os seus candidatos brilhar, o líder do Chega acha que este é o momento certo para falar das eleições presidenciais, precisamente aquelas eleições onde os candidatos são-no em nome próprio, sem símbolos partidários no boletim de voto. E o que Ventura tem a dizer sobre isto é que acredita que vai ganhar e vai ganhar na primeira volta: “No dia 18 de maio o bipartidarismo morreu em Portugal. Hoje, ressuscitou brevemente em alguns locais. Mas no dia 18 de janeiro levará a estocada final.” E, assim, com uma breve declaração, desvaloriza tudo o que se passou nesta noite, desvaloriza até os três presidentes de Câmara eleitos pelo Chega - cujo nome não referiu - e volta a colocar-se no centro da batalha política, de onde afinal nunca saiu. É por ele que gritam os poucos militantes e elementos do aparelho partidário que se juntam, ao final da noite, na sala do Hotel Marriott em Lisboa. "Ventura, Ventura, Ventura."

“Sou muito nacionalista, cristã e muito conservadora. É por isso que voto no Chega”

Mas voltemos atrás. Voltemos à hora em que se anunciam as sondagens, o PS e o PSD ainda estão em empate técnico e tudo ainda pode acontecer. A essa hora, Pedro segura uma bandeira de Portugal, João uma bandeira do Chega, e rapidamente as bandeiras transformam-se em espadas e a quase vazia “Sala New York” é um campo de batalha onde os dois irmãos brincam ao faz-de-conta. Pedro tem 9 anos (quase 10) e já anda no 5º ano. É um aluno excelente e quando crescer quer ser astronauta. João tem 3 anos (quase 4) e ainda anda na creche. Foram dos primeiros a chegar, hão de ser dos primeiros a ir embora. “Não podemos ficar até tarde, amanhã é dia de escola”, justifica a mãe, Erica. 

Erica Vasconcelos veio de São Paulo há 18 anos e é fisiologista de exercício. O marido, Rafael Gonçalves, veio de Minas Gerais, há 16 anos e trabalha em produção de eventos. Conheceram-se em Lisboa, na igreja evangélica que ambos frequentam. Há muito que têm a nacionalidade portuguesa. “A gente sempre vota, sentimos que temos de participar”, diz Erica. Nos últimos anos têm votado no Chega. “Identificamo-nos com muitos dos princípios, sobretudo no que toca à imigração. Realmente é preciso imigração mas deve ser controlada”, explica Rafael. “Este é um país maravilhoso, tem segurança, tem tanta potencialidade, mas devia ser mais bem governado.” 

Erica e Rafael com os filhos João e Pedro

Que imigrantes tenham tantas reticências em relação à imigração pode parecer um pouco estranho a quem olha de fora. Mas para Erica e Rafael é natural porque, vivendo há tanto tempo em Portugal, falando a língua e partilhando tanto da história, eles sentem-se tanto brasileiros quanto portugueses. “Portugal é um país cristão, esta é a nossa cultura, é a nossa casa”, explica Erica. “Quando recebo visitas em casa elas têm de cumprir as minhas regras ou então vão para o hotel. Num país também deveria ser assim.”

Para Elen Lúcia, luso-brasileira e que também está na sala, a questão é clara: “É preciso evitar que Portugal fique igual ao Brasil, que é um país de criminalidade e de narcotráfico, é preciso reforçar as polícias.” Elen é luso-brasileira, neta de uma avó brasileira negra e de três portugueses brancos que atravessaram o Atlântico em busca de novas oportunidades. Em 2000, Elen, nascida no Belém do Pará, reivindicou a sua segunda nacionalidade, a portuguesa, e desde 2016 vive entre cá e lá. Neste momento está mais por cá, a fazer um doutoramento em administração pública da saúde, mas a sua formação inicial é como dentista. “Servi sete anos no exército brasileiro. Estava lá como profissional de saúde, mas tive toda a formação militar. Sou primeira tenente. Agora estou na reserva.” E, depois, percebendo que para quem a vê será difícil imaginar esta mulher de voz doce e tranquila fardada e armada, acrescenta, para que não haja dúvidas: “Sou muito nacionalista, cristã e muito conservadora. É por isso que voto no Chega.”

"Hoje não vencemos, mas vamos lutar para vencer"

Enquanto se aguarda a contagem dos votos, no hall da sala de conferências do hotel servem-se copos de vinho e petiscos, com doses pequenas e nomes compridos. Croque-monsieur de salmão e queijo. Tarte de bacalhau, camarão e espinafres. Presunto com melão e molho pesto. Alguns militantes juntam-se em pequenos grupos, conversando descontraidamente. Esta noite não há enchentes. No palco um enorme cartaz anuncia “Autarquias sem corrupção” e “#limparportugal”. Muitas das cadeiras ficam vazias, as bandeiras intocadas.

À horas das sondagens, André Ventura ainda não está, foi à missa. Chega ao Marriott às 20:48, pronto para declarar vitória: “Esta é a noite em que o Chega se torna um partido líder autárquico”, diz aos jornalistas ainda à porta do hotel. “Um partido com seis anos, e que já tinha autarcas vai agora ser líder em autarquias. É o início de uma nova era para o Chega, com novas responsabilidades.” Ainda antes dos resultados oficiais, Ventura avança com a vitória em São Vicente, na Madeira, e no Entroncamento. “Estou convencido de que vamos ganhar mais. Ao final da noite faremos as contas.”

Uma noite eleitoral a meio gás, com muito menos pessoas do que nas legislativas

Feitas as contas, afinal, não houve assim tantas mais vitórias para celebrar: José Carlos Gonçalves foi eleito em São Vicente, Nelson Cunha ganhou no Entrocamento e Rui Cristina venceu em Albufeira. No total, o partido teve pouco mais de 600 mil votos, um número muito inferior aos 1,4 milhões conseguidos nas legislativas de maio.

Quando surge na sala para o discurso final, já depois da meia-noite, André Ventura insiste que esta “foi uma noite boa” e de vitórias, mas tem de admitir que a vitória não foi tão expressiva quanto desejava. "Eu sempre disse que não há partidos de poder sem serem partidos autárquicos. Hoje demos esse primeiro passo, ainda estamos longe dos objetivos a que nos tínhamos proposto. Este partido já não luta para ficar em segundo nem em terceiro, este partido luta para vencer. Hoje não vencemos, mas vamos lutar para vencer", garante. 

"Às vezes em política é assim, as batalhas não se vencem logo e as guerras demoram até se vencer. Nós estamos num caminho de destruição do bipartidarismo corrupto que Portugal tem. Ainda não conseguimos destruí-lo completamente nestas autárquicas por vícios que o sistema autárquico transporta dentro de si próprio e por vícios que o sistema político transporta dentro de si próprio."

foto Lusa/ José Sena Goulão

"Não houve um dia em que não me chamassem algum nome"

Quando André Ventura sai, rodeados pelos seguranças corpulentos, em direção ao Entrocamento, no Marriott os militantes ainda estão de olhos nos telemóveis, fazendo refresh para ver aparecer o resultado das freguesias. Há uma movimentação ao fundo da sala. São aplausos para Ana Felícia Santos que acaba de ser eleita para a assembleia de freguesia em Alcântara. “Ainda não caí em mim”, diz. Nunca tinha estado envolvida num partido político, mas um dia começou a ver uns vídeos do André Ventura nas redes sociais e aquilo fez-lhe sentido. É a militante número 65. Esteve com “o André” desde o início, naqueles jantares em que cabiam todos numa mesa. Ana está ainda um pouco incrédula mas contente: “Nunca tinha sido candidata a nada, mas não havia ninguém para Alcântara e eu avancei.” Tem 63 anos e é de Alcântara desde sempre, desde antes até de ter nascido. “Ali toda a gente me conhece, dou-me bem com todos.” 

Agora é a vez de João Damião e Vera Farinha, eleitos em Arroios, receberem abraços e beijinhos. Mas João não está muito satisfeito. “Acho que merecíamos mais, não posso ficar satisfeito”, diz o jurista que é de Arroios “há 47 anos” e também se estreou como candidato partidário. “É uma zona que está completamente descaracterizada." A campanha foi cansativa e difícil. “Tivemos muitos problemas. Sentimos que há uma hostilidade cada vez mais violenta. Houve vários incidentes e apresentámos queixas. Muitas ofensas. Não houve um dia em que não me chamassem algum nome.”

Para André Ventura, estas eleições até podem ter sido só mais uma paragem a caminho de Belém, mas para estes militantes agora autarcas esta noite é o princípio de uma nova aventura. “Ainda nem sei bem o que será, vou ter de me informar", ri-se Ana Santos. Mais sério, João garante que vai cumprir o seu mandato: “Vou fazer o possível para melhorar a segurança e o bem-estar dos nossos fregueses, que eram as nossas propostas. Acho que temos boas hipóteses de crescer nas próximas eleições.”

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