No início do ano, quando uma lista de trabalhos começou a aparecer online, ninguém estranhou. O dinheiro oferecido era curto, mas as tarefas exigidas não eram complicadas – entregas de fliers e pendurar anúncios em espaços públicos. Era o trabalho perfeito para quem tinha acabado de chegar ao país sem nada, fugido da guerra. O senão? O trabalho consistia em distribuir propaganda russa para um patrão que pretendia manter-se anónimo. A história é contada pelo Washington Post.
Para quem aceitou, os pedidos de trabalho foram aumentando e tornando-se cada vez mais estranhos. Dentro de pouco tempo, alguns recrutas estavas a monitorizar portos polacos, a colocar câmaras junto a linhas de comboio e a esconder dispositivos de rastreamento em cargas militares, segundo os investigadores polacos. Em março, surgiu uma nova ordem: descarrilar um comboio com armamento com destino à Ucrânia, nas vésperas da contraofensiva.
O objetivo era claro: perturbar o fornecimento de ajuda militar ocidental à Ucrânia. As autoridades polacas que investigam o caso acreditam que a misteriosa entidade patronal era nem mais nem menos o GRU, a principal agência de espionagem militar russa.
Muitos dos agentes recrutados por via destes anúncios na net eram de nacionalidade ucraniana. De acordo com a investigação, nem sequer eram motivados ideologicamente contra a Ucrânia, o que acontece com alguns cidadãos que moram nas regiões mais próximas da Rússia. O principal motivo era mesmo o dinheiro.
Um desses casos é o de Maria Medvedeva, de 19 anos, e o seu namorado, Vladislav Posmiyukha, que foram detidos e acusados de espionagem. O casal passeava com muita frequência na Polónia e partilhava fotografias nas redes sociais que levaram a própria família a desconfiar da origem do dinheiro que financiava o seu estilo de vida.
O pai da jovem perguntou diretamente a Maria acerca da origem do dinheiro. A jovem respondeu que o namorado tinha várias contas com criptomoedas que recebeu devido a “algumas ações” que envolviam a Rússia. “Ela disse que ele estava a fazer algo de alto nível e que não lhe dizia”, contou o pai.
As autoridades polacas estão a interpretar o caso como um fracasso da espionagem russa, que se mostra incapaz de confiar nas capacidades dos seus operacionais e, em vez disso, fica a depender de uma equipa de amadores para levar a cabo a vigilância das operações da NATO na Polónia, país pelo qual passa cerca de 80% da ajuda militar para a Ucrânia.
Questionado pelo Washington Post, o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo recusou fazer qualquer comentário. A ter sucesso, o plano russo podia afetar seriamente o fornecimento de armamento à Ucrânia.
Segundo uma fonte oficial polaca, este caso demonstra a determinação russa em montar ações de sabotagem ou até mesmo “ataques terroristas” na Polónia. A mesma fonte acrescenta que a ameaça “foi eliminada”, mas nada impede a Rússia de continuar a tentar perturbar a Polónia e os seus aliados através da espionagem.
A táctica utilizada é semelhante à utilizada pelos militantes do Daesh, que recorriam à internet e às redes sociais para recrutar operacionais em países distantes.