O PS "usurpou" a herança de Passos e a seguir deixou o país na "pior situação de sempre" em 50 anos: o estado da Nação segundo Montenegro
O primeiro-ministro fez questão de o frisar enquanto respondia a perguntas dos deputados do Chega durante o primeiro debate sobre o Estado da Nação do novo Governo: “Quero garantir que nunca me deitei, acordei ou sonhei a pensar numa moção de censura”. Antes, porém, foi ele mesmo que aproveitou a sua primeira intervenção deste tipo enquanto chefe do Executivo para lembrar que quem tenha a ideia de apresentar uma votação neste âmbito tem “um dever de lealdade com os portugueses”. “Este dever é o de nos deixarem governar e não quererem governar a partir do Parlamento”.
Numa altura em que a última sondagem da Universidade Católica aponta para a manutenção do empate técnico entre PS e PSD - com os socialistas à frente por 2 pontos percentuais nas intenções de voto -, Luís Montenegro quis dedicar uma grande parte do seu tempo a falar sobre “arranjos irresponsáveis e oportunistas no Parlamento” que, diz, ou o têm proibido de fazer mais - no caso da descida do IRS que foi chumbada com votos contra do PS e a abstenção do Chega - ou têm conseguido manobrar à volta da vontade do Governo, levando à aprovação de medidas contra as quais os sociais-democratas eram contra - o caso do fim das portagens em algumas das antigas SCUT, conseguido pelos socialistas, com os votos favoráveis do Chega.
Estes dois momentos em que o partido de André Ventura permitiu que Pedro Nuno Santos saísse pela mó de cima e garantisse que as propostas do PS fossem aprovadas na Assembleia da República foram continuamente citadas pelo primeiro-ministro no sentido de provar que o Chega “está a levar o PS às cavalitas” e que os socialistas “andam agarrados às costas do Chega”. “Se na campanha tivéssemos dito que isto iria acontecer, todos diriam que seria uma loucura, mas essa é a realidade. São opções.”
A 24 horas de começar a negociar o Orçamento do Estado, Montenegro tentou manobrar também estas opções para agirem como dissuasor de um possível chumbo, indicando que as bancadas podem não concordar totalmente com o conteúdo do programa do Governo mas devem ser “leais” à sua aprovação em sede parlamentar. “Uma coisa é fazer oposição, criticar e fiscalizar o Governo, apresentar ideias e alternativas, outra coisa é governar no Parlamento contra o programa que se viabilizou no Parlamento.”
Nesse sentido, durante as várias intervenções que foi tendo ao responder às perguntas dos partidos, Luís Montenegro foi apresentando alguma disponibilidade para rever escolhas do seu programa. Disse estar disponível para se sentar à mesa com os socialistas para rever a estratégia de descida do IRC, mas referiu não acreditar que Pedro Nuno Santos esteja realmente a abrir a porta a entendimentos. “Vamos sentar-nos. Se não tem confiança, não simule disponibilidade", pediu.
Assumiu com Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, a possibilidade de “aprimorar” o IRS Jovem “dentro do princípio plasmado no programa eleitoral e de Governo”. E até com Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, prometeu disponibilidade para dialogar, ainda que um entendimento lhe pareça distante. “Acolheremos aquilo que sejam as vossas contribuições na nossa reflexão, mas se mantiverem o viés teimoso ideológico será difícil integrá-las na ação do Governo.”
Utilizando o antigo mantra de António Costa - “palavra dada é palavra honrada” - após nomear nove compromissos que, refere, foram cumpridos nos primeiros 100 dias à frente do Governo. Os compromissos em causa, diz, foram desde a criação de bases para o Estado “pagar aos fornecedores no tempo máximo de 30 dias” à realização de provas no 9.º ano num formato de papel “para garantir igualdade de oportunidades para todos os estudantes” - passando “também pelo início de conversações com professores, forças de segurança, profissionais de saúde e oficiais de justiça”.
Tudo isto, sublinhou, “não é pouco, não é nada pouco”. “Mas é apenas uma pequena parte daquilo que foi decidido e está em execução”. Montenegro utilizou ainda este argumento para comparar os seus powerpoints aos do anterior Executivo: tudo isto está a acontecer “por mais que alguns habituados ao passado vejam muitas apresentações e se estejam a recordar daqueles powerpoints que eram apresentados todos os anos com cores diferentes e com uma ou outra palavra diferente”.
Ainda no ataque ao PS, Montenegro salientou também que o partido de Pedro Nuno Santos colocou “os serviços da saúde, da educação e da habitação no seu pior momento de sempre desde o 25 de Abril", acusando-o também de usurpar a herança deixada por Pedro Passos Coelho em 2015.
As referências ao legado de Passos Coelho não terminaram aí. O primeiro-ministro apontou ainda que tem esse período como referência, já que em 2014 houve uma descida do IRC (sustentada também pelo PS, é certo) e, ao mesmo tempo, a receita deste imposto para as contas do Estado cresceu. “Nós somos um pouco mais prudentes, estimamos uma perda de receita nos primeiros anos de 1.500 milhões de euros divididos por três anos. É verdade que é um ato de fé mas tenho esperança de que aquilo que aconteceu em 2014 possa renovar-se agora.”
Já perante acusações do Bloco de Esquerda de o seu Governo legislar para os ricos, Montenegro assegurou que Portugal atingiu nos últimos oito anos “mais de dois milhões de pobres” e, “se não fossem as prestações sociais, eram mais de quatro milhões de pobres”. “Os senhores querem vir falar em governar para os ricos em vez de falarem em governar para acabar com os pobres? Tenham tento”, afirmou, pedindo aos partidos que julguem “pelo menos a bondade” das ideias do Governo.
“Até podem concluir que elas podem não atingir os resultados que nós queremos. Agora, dizer que nós governamos para os ricos… Ó senhores deputados, tenham vergonha, sinceramente. Tenham vergonha, tenham vergonha.”
Usurpadores são vocês: o estado da Nação segundo o PS
O primeiro discurso sobre o Estado da Nação de Luís Montenegro foi visto como “arrogante” por Pedro Nuno Santos, que viu em Montenegro não um primeiro-ministro mas sim um líder político em combate com a Assembleia da República e com o país”. Na opinião do líder do PS, Montenegro não pode “exigir lealdade ao Parlamento” e deveria apenas “prestar contas” e “executar aquilo que o Parlamento decide”.
“A derrota nas europeias e as sondagens deviam exigir de si mais humildade”, referiu Pedro Nuno Santos, cujo partido, embora em empate técnico, mantém uma ligeira vantagem sobre o PSD.
O líder socialista manteve também que "é praticamente impossível o PS viabilizar um Orçamento que seja uma tradução exclusiva de um programa de Governo”, mas que também "não viabilizaria nenhuma moção de censura - e isso tem significado político”.
Sobre o Orçamento a ser negociado a partir desta sexta-feira, Pedro Nuno insiste: “Se quiser de forma genuína evitar eleições antecipadas, tem de reconhecer a sua condição minoritária, negociar seriamente e ter disponibilidade para ceder”, afirmou. Refira-se que Marcelo já admitiu um cenário de Orçamento em duodécimos, o que seria uma alternativa a haver eleições - que são marcadas pelo Presidente da República.
Os socialistas, na voz do deputado Tiago Barbosa Ribeiro, acusaram também o Governo de ter um padrão de atuação de “propaganda, desculpas e usurpação”. É possível confirmar o padrão de atuação que aqui trouxe - faz propaganda. Sobre o que faz, faz porque outros deixaram preparado”, aponta, exemplificando a inauguração pelo atual Executivo da variante da EN14, entre a Maia e a Trofa, obra que salientou ter sido consignada pelo então ministro das Infraestruturas e atual líder do PS Pedro Nuno Santos.
Ventura diz estar a par dos sonhos de Montenegro. IL lamenta estar a par do pesadelo de 1000€ de cada português (incluindo crianças)
Já André Ventura negou que alguma vez se tenha colado aos socialistas durante esta legislatura, sublinhando, aliás, que foi o PS e o PSD que se “juntaram para impedir que a imigração fosse controlada em Portugal”. Além disso, referiu, “quem levou Costa às cavalitas para Bruxelas foi Montenegro”, sublinhou. “Quem leva quem às cavalitas?”
Ventura reiterou ainda que Luís Montenegro pensa demasiado em moções de censura e sonha com eleições “num mês qualquer em que acha que vai ganhar”, pedindo-lhe que fale do que realmente interessa. “Ainda este fim de semana tivemos mais uma urgência encerrada sem que ninguém desse explicações.”
À direita, Montenegro viria a encontrar a oposição mais leve, com Rui Rocha a indicar que não pretende “fazer oposição destrutiva” e que reconhece que foram dados “passos importantes”. Ainda assim, os liberais veem alguns impasses nos últimos pacotes apresentados pelo Governo, nomeadamente no plano para a habitação - que, sublinha, apresenta medidas do lado da procura e não atua do lado da oferta.
Aliás, foi aos socialistas que a Iniciativa Liberal apontou as críticas durante mais tempo. Carlos Guimarães Pinto, nomeadamente, salientou que as mais de 340 empresas públicas e as dezenas de empresas imobiliárias do Estado, juntas, “tiveram um resultado negativo superior a mil milhões de euros”. “Só a Parvalorem, a Metro do Porto, a TAP e a CP têm capitais próprios negativos superiores a 10 mil milhões de euros, isto dá cerca de mil euros de obrigações a cada português, incluindo crianças e reformados”.
Grande parte da responsabilidade desta questão, continuou Guimarães Pinto, advém da infiltração de “interesses partidários” nestas empresas. “As empresas públicas tornaram-se depósito de antigos políticos ligados ao PS”.
A tribo das Avenidas Novas vs. o resto do país: o estado da nação segundo a esquerda
À esquerda, Mariana Mortágua acusou Montenegro de ter um “projeto trumpista” e de querer uma solução para o país semelhante à que Liz Truss quis desenvolver no Reino Unido - e que não aguentou mais do que 44 dias. “Não durou mais do que uma alface", ironizou a líder bloquista. Os sociais-democratas, disse ainda Mariana Mortágua, “confundem a economia com os donos da economia”.
Neste sentido, a bancada do Bloco de Esquerda tomou como alvo as medidas do governo para facilitar a compra da primeira casa por jovens, com José Soeiro a manifestar-se incrédulo com um vídeo em que a ministra Margarida Balseiro Lopes exemplifica a poupança gerada numa casa de 450 mil euros. “A ministra da Juventude dirige-se aos jovens como se fossem uma tribo das Avenidas Novas ou da Quinta do Lago”, afirmou o deputado, acusando o Governo de confundir Portugal com “a bolha do privilégio”.
Já Rui Tavares lamentou que, na sua intervenção inicial, o primeiro-ministro não tenha dirigido “uma palavra” sobre questões como a crise ecológica, a “revolução da inteligência artificial”, o alargamento da União Europeia ou os conflitos na Ucrânia e na Faixa de Gaza. “Não há uma segunda oportunidade para um bom primeiro discurso do Estado da Nação, nem para um debate quinzenal serviria.”
Na mesma linha, a deputada única do PAN alertou Montenegro para o crescimento da violência doméstica em Portugal. Tema esse que, afirmou Inês Sousa Real, “não está na preocupação e naquilo que é o programa do Governo da AD”. “Em 100 dias do Governo existiram 75 ocorrências de violência doméstica”. Na resposta, o primeiro-ministro anunciou, inclusive, a criação de um grupo de trabalho transversal sobre violência doméstica.
O objetivo, segundo o primeiro-ministro, é “desenvolver todas as preocupações e decisões no âmbito do apoio à vitima no âmbito da dissuasão da ocorrência destas situações e naturalmente no âmbito de medidas preventivas que passam por exemplo pelo acesso também ao mercado da habitação”.