Europa tem energia suficiente para sobreviver a este inverno - mas o próximo ano pode ser diferente - TVI

Europa tem energia suficiente para sobreviver a este inverno - mas o próximo ano pode ser diferente

  • CNN
  • Análise por Anna Cooban, CNN Business*
  • 16 out 2022, 17:00
Gás (Pexels)

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A tentativa da Rússia de usar as suas vastas exportações energéticas como uma arma contra a Europa não está a correr como planeado. Moscovo cortou o fornecimento de gás como retaliação às sanções ocidentais, mas a Europa tem conseguido acumular o suficiente pelo menos para sobreviver ao próximo inverno.

É um feito notável: oito meses depois de o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ter ordenado às suas tropas que invadissem a Ucrânia, a Europa está a separar-se da sua maior fonte de energia. Reduziu as importações de petróleo, com o objetivo de limitar a capacidade de Moscovo de financiar a sua guerra, enquanto a Rússia desativou os principais gasodutos.

A parcela da Rússia nas importações de gás natural por parte do bloco europeu caiu de 36% em outubro passado para apenas 9% um ano depois, segundo os dados da empresa de estudos Wood Mackenzie. De acordo com a Agência Internacional da Energia, as importações de petróleo bruto russo na União Europeia (UE) diminuíram 33% antes do embargo previsto para dezembro.

A Europa está agora no bom caminho para cumprir a missão de acabar com a dependência de combustíveis fósseis russos até 2027 e, para compensar, está a aumentar as importações da Noruega e da Argélia e ainda de gás natural liquefeito (GNL) dos Estados Unidos.

As centrais de armazenamento de gás estão atualmente a 91% da sua capacidade, de acordo com a Gas Infrastructure Europe, bem acima da meta de 80% que as autoridades da UE queriam que fosse atingida pelos países até novembro.

"Putin vai falhar na sua tentativa de desestabilizar a ordem económica básica, da mesma forma que vai falhar no campo de batalha na Ucrânia", disse o ministro da economia alemão Robert Habeck numa conferência de imprensa em Berlim na quarta-feira.

Fotografia noturna, de 28 de setembro de 2022, que mostra a central de processamento de gás Karsto no município de Tysvær, no condado de Rogaland, na Noruega. O país, neste momento o maior fornecedor de gás para a Europa, irá reforçar a segurança das suas instalações petrolíferas, na sequência das alegações de sabotagem nos gasodutos Nord Stream no Mar Báltico

Mas o sucesso deste armazenamento europeu teve um alto custo para a economia: a luta por fontes alternativas fez com que o custo da energia disparasse. Os preços de referência para o gás na Europa têm caído acentuadamente desde que atingiram o pico no final de agosto, mas ainda estão 265% mais altos do que há um ano, sobrecarregando famílias e empresas e forçando os governos a avançar com medidas de apoio e subsídios.

A Alemanha, a locomotiva industrial da Europa, estima que a sua economia diminua 0,4% no próximo ano.

"A dependência num sentido físico vai desaparecer já no próximo ano", disse à CNN Georg Zachmann, um alto quadro da Bruegel, um grupo de reflexão sediado em Bruxelas. No entanto, "só são esperados preços razoáveis na Europa na segunda metade da década", sublinhou.

"Isto é apenas o começo"

Mesmo com o armazenamento de gás quase no máximo da capacidade, a segurança energética da Europa continua comprometida, com apagões de eletricidade e o racionamento de gás a serem apontadas como possibilidades para os próximos meses em caso de novos choques no abastecimento e de um inverno excecionalmente frio.

De acordo com um relatório de julho da Agência Internacional de Energia, mesmo com reservas de pelo menos 90%, é provável que o bloco europeu venha a enfrentar interrupções no abastecimento no início do próximo ano se a Rússia decidir interromper as restantes entregas de gás a partir deste mês.

Alexei Miller, presidente da gigante energética estatal russa Gazprom, disse na quarta-feira que "não há garantia" de que a Europa sobreviva ao inverno com as suas reservas atuais, acrescentando ainda que as reservas da Alemanha só chegam para 10 semanas de procura.

O reabastecimento destas reservas no próximo ano está a tornar-se a olhos vistos e cada vez mais rápido o próximo grande teste da Europa.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou, num relatório na terça-feira, que a crise energética não foi "um choque transitório" e, embora o próximo inverno seja desafiante, "o inverno de 2023 provavelmente será pior".

Tomas Marzec-Manser, diretor da Independent Commodity Intelligence Services (ICIS), disse à CNN que o gás armazenado pode atingir níveis "extremamente baixos" no final de março se as temperaturas caírem a pique nas próximas semanas.

Mesmo que os Estados-membros da UE consigam reduzir o consumo de gás em 15% nos próximos cinco meses, uma meta estabelecida pela Comissão Europeia em julho, a recuperação das reservas no próximo verão com um acesso limitado ao gás russo barato seria uma "questão mais complicada" do que em 2022, disse Marzec-Manser.

"Isto é apenas o começo", acrescentou.

À medida que as importações russas foram entrando em colapso, a Europa foi-se virando para o GNL como substituto. Em conjunto, a Europa e o Reino Unido importaram quase mais 68% de GNL de outras fontes para além da Rússia entre março e setembro deste ano, quando comparado com o mesmo período de 2021, segundo dados do ICIS.

Mas a competição global pelo GNL já é feroz e pode tornar-se ainda mais intensa se — como esperado — a economia da China começar a acelerar um pouco mais no próximo ano.

"Um regresso da procura chinesa por GNL pode também causar problemas à capacidade da Europa de atrair carregamentos de GNL no próximo ano", disse Sindre Knutsson, vice-presidente sénior para o gás e GNL da Rystad Energy, uma empresa de estudos, à CNN.

A oferta de petróleo também pode tornar-se mais apertada, apesar das expectativas de que o crescimento da procura global diminua no próximo ano, à medida que as economias desaceleram. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo e os seus aliados (OPEP+) disseram, na semana passada, que iriam cortar a produção de petróleo em 2 milhões de barris por dia a partir de novembro.

Florian Thaler, presidente da OilX, uma empresa de dados petrolíferos, disse à CNN que no passado, quando os preços globais do petróleo andavam perto dos 100 dólares, como estão agora, os Estados Unidos geralmente colocavam a produção "a todo o vapor". Atualmente, já não é bem assim, afirmou.

Insustentável

Os governos europeus já se comprometeram com pelo menos 553 mil milhões de euros para ajudar a proteger as famílias e as empresas contra os penosos aumentos nas contas de energia, assim como outros custos de vida, de acordo com uma análise de Bruegel. A Alemanha, a maior economia do bloco europeu, está disposta a investir 200 mil milhões de euros para baixar o preço do gás.

Mas estes programas de apoio não são sustentáveis se os preços grossistas permanecerem elevados.

"Os governos devem trabalhar com a hipótese do pior cenário possível, que é os preços da energia permanecerem em níveis consistentemente mais altos do que antes desta crise durante os próximos dois a quatro anos", disse Giovanni Sgaravatti, analista investigadora.

De acordo com a Bruegel, os preços dos futuros do gás europeu são atualmente cerca de oito vezes mais elevados do que os preços de referência dos EUA. Sgaravatti disse que os preços europeus deveriam estabilizar em 2,5 vezes o preço dos EUA a partir de 2026.

"A adoção de políticas que impeçam a transferência dos preços elevados da energia para os consumidores é uma medida onerosa que está condenada a falhar se os preços grossistas da energia continuarem altos no futuro", observou.

Energia renovável "em espera"

A luta desesperada da Europa pela substituição da energia russa também tem custos para o ambiente, ao mesmo tempo que acelera os planos para deixar de lado por completo os combustíveis fósseis no longo prazo.

Carlos Torres Diaz, diretor de análise energética da Rystad Energy, disse à CNN que a transição energética da Europa "foi colocada em espera", uma vez que a prioridade é a segurança energética.

Os receios de uma escassez generalizada de energia levaram alguns países a ativar antigas centrais elétricas a carvão, o mais poluente de todos os combustíveis fósseis. A geração de energia a carvão aumentou quase 15% entre março e setembro deste ano quando comparado com o mesmo período de 2021, segundo dados do ICIS.

Mas a crise energética concentrou as atenções em toda a Europa. Em maio, a Comissão Europeia apresentou o seu plano “REPowerEU” no valor de 210 mil milhões de euros para se libertar das importações russas, algo que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, considerou que iria "acelerar" a transição do continente para as energias renováveis.

A UE pretende agora que as energias renováveis representem 45% da energia do bloco europeu até ao final da década, contra os atuais 40%. "Estas fontes de energia também ajudam a reduzir a dependência das importações de energia", lembrou Torres Diaz.

*Mark Thompson, Nadine Schmidt, Sharon Braithwaite, Uliana Pavlova e Alex Hardie contribuíram com reportagens

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