O Governo do PS não vai regulamentar a lei da eutanásia e decidiu incluir a questão no dossiê de transição para o executivo que sair das eleições de 10 de março de 2024, foi hoje anunciado.
Em resposta a uma pergunta da agência Lusa, o Ministério da Saúde afirmou que "o processo de regulamentação da lei [da morte medicamente assistida] está em desenvolvimento e será parte integrante do dossier de transição".
A lei da eutanásia foi promulgada pelo Presidente da República em maio, como obriga a Constituição, dias depois de o parlamento ter confirmado o diploma que tinha sido vetado por Marcelo Rebelo de Sousa em finais de abril.
Questionado hoje sobre a decisão do executivo, o ministro da Saúde justificou que está em causa um processo muito complexo e que “seria um erro regulamentar à pressa”, por muito importante que a lei seja.
“Basta ver quantos anos demorou na Assembleia da República e a sua regulamentação não é isenta nem de complexidade, nem da necessidade de fazer alterações, nem da necessidade de debate”, afirmou Manuel Pizarro, em declarações aos jornalistas à margem do 26.º Congresso Nacional da Ordem dos Médicos a decorrer em Vila Nova de Gaia, acrescentando que o processo “vai ter mesmo de esperar pelo próximo ciclo político”.
Após um longo processo legislativo, a lei da eutanásia foi finalmente publicada em Diário da República em maio, entrando em vigor 30 dias depois da regulamentação, que deverá estabelecer, entre outros pontos, o modelo registo clínico dos pedidos de morte medicamente assistida e o modelo de relatório médico final, e que, segundo o diploma, deveria estar concluída no prazo de 90 dias.
Trata-se da primeira lei portuguesa sobre esta matéria, que estabelece que "a morte medicamente assistida só pode ocorrer por eutanásia quando o suicídio medicamente assistido for impossível por incapacidade física do doente".
Na nova lei, que altera o Código Penal, "considera-se morte medicamente assistida não punível a que ocorre por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde".
O suicídio medicamente assistido é definido como a "administração de fármacos letais pelo próprio doente, sob supervisão médica", e a eutanásia como a "administração de fármacos letais pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito".
O diploma resulta do quarto decreto aprovado pelo parlamento para despenalizar a morte medicamente assistida em determinadas condições, depois de Marcelo Rebelo de Sousa ter enviado o primeiro decreto para o Tribunal Constitucional, em fevereiro de 2021, vetado o segundo, em novembro do mesmo ano, e enviado o terceiro também para fiscalização preventiva, em janeiro.
Os dois envios para o Tribunal Constitucional levaram a vetos por inconstitucionalidade, sendo que em abril, perante o quarto decreto, o Presidente da República vetou-o, mas afastou dúvidas de constitucionalidade, apontando-lhe apenas "um problema de precisão" em dois pontos específicos.
Apesar de promulgada, a lei poderá ainda ser sujeita a fiscalização sucessiva pelo Tribunal Constitucional, o que não impede a entrada em vigor. E pode ser pedida pelo Presidente da República, pelo presidente da Assembleia da República, pelo primeiro-ministro, pelo provedor da Justiça, pelo Procurador-Geral da República ou por um décimo dos deputados (23 em 230), entre outras entidades.
Em novembro, um grupo de deputados do PSD entregou no Tribunal Constitucional (TC) um pedido de fiscalização sucessiva da lei, num requerimento subscrito por 56 deputados, mais de 70% da bancada.