Explicador: Um presidente da Junta pode contratar elementos próximos do seu partido? - TVI

Explicador: Um presidente da Junta pode contratar elementos próximos do seu partido?

  • CNN Portugal
  • JM
  • 13 jul 2023, 11:00
Justiça

Em quase todas as freguesias da capital há contratos assinados com pessoas próximas do partido que as governa. A principal questão que se coloca é de que modo a legislação portuguesa regula este tipo de situações. A CNN Portugal elaborou um conjunto de perguntas e respostas para, com ajuda de especialistas, responder a todas as questões.

Que leis se aplicam à contratação e ao exercício de funções no poder local? 

No poder local aplica-se a lei das incompatibilidades que define limitações para quem ocupa determinados cargos, indica o advogado Paulo Veiga e Moura.  

Além disso, diz, é aplicável também o chamado Código dos Contratos Públicos que regula o modo como os contratos podem ser realizados e define os seus limites. 

“Há ainda algumas leis especiais, como o Estatuto dos Eleitos Locais que regula os direitos, a exclusividade e outras incompatibilidades exigidas aos membros dos órgãos deliberativos e executivos dos municípios e das freguesias”, acrescenta a advogada Jane Kirkby, sublinhando que há ainda a Lei Orgânica n.º 1/2001 que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais. 

O que é a Lei das Incompatibilidades?

É uma lei de 2019  que regula os impedimentos a que estão sujeitos os titulares de cargos políticos, como o tempo necessário para transitarem para o setor privado depois de terem estado no público.

O objetivo da lei n.º 52/2019 é “garantir que os interesses privados não se sobrepõem ao interesse público, que lhes compete salvaguardar".

A Lei das Incompatibilidades aplica-se a todos os elementos do poder local? 

Não. Apenas se aplica aos “membros dos órgãos executivos do poder local” e não a todos os funcionários, segundo é referido na própria Lei das Incompatibilidades. 

De acordo com o advogado Paulo Veiga e Moura, são cargos políticos, neste caso, os presidentes e vogais das Juntas de Freguesia, bem como os Presidentes e Vereadores das Câmaras Municipais. 

O advogado lembra que “alguns impedimentos são ainda estendidos aos respectivos cônjuges, incluindo uniões de facto, e às sociedades por si detidas, como prevê o  artigo 9.º da lei das incompatibilidades”.

Por outro lado, sublinha Paulo Veiga e Moura, esta lei é também aplicada “aos ex-titulares de cargos políticos de natureza executiva”. Assim, todos os que ocupam lugares executivos no poder local não podem exercer funções em empresas privadas que “prossigam atividades no setor por eles diretamente tutelado” nos três anos após a cessação de funções. 

Por fim, há ainda um outro impedimento relativo às sociedades comerciais participadas pelos “titulares de cargos políticos em percentagem superior a 10% ou 50 000 euros do respetivo capital social, como se do próprio titular se tratasse”: não podem participar em procedimentos de contratação pública.

A que estão impedidos os titulares de cargos políticos nas juntas?

De acordo com a lei das incompatibilidades, estão impedidos de “participar em procedimentos de contratação pública e de participar como consultor, especialista, técnico ou mediador, por qualquer forma, em atos relacionados com os procedimentos de contratação pública”, explica Paulo Veiga e Moura. 

Assim, caso exista uma verdadeira incompatibilidade, os titulares de cargos políticos devem demitir-se ou perdem o respectivo mandato, segundo o art. 11.º da Lei das Incompatibilidades.

É ilegal que um membro que ocupa um lugar executivo no poder local faça um contrato com as juntas de freguesia?

A advogada Jane Kirkby distingue duas situações: se o contrato for feito com outra junta que não aquela em que ocupa um cargo não vê qualquer incompatibilidade em termos legais. Já se se tratar de um cargo na própria junta de freguesia admite que pode existir um problema 

O mesmo considera Paulo Veiga e Moura. Em regra, explica, não é permitido que um membro da Junta de Freguesia seja parte num contrato com a própria junta em termos abstratos: “É claramente ilegal”.

É ilegal apenas se um membro da Junta de Freguesia for parte num contrato com essa própria junta?

Tanto Paulo Veiga e Moura como Jane Kirby, afirmam que sim. 

O advogado defende que “se uma pessoa faz parte da Junta de Freguesia não pode ser contratada pela própria junta”. “Até um vogal e os membros da Assembleia de Freguesia não podem ser contratados para prestar assessoria à própria junta”, garantindo que o mesmo se aplica aos “membros da Assembleia Municipal e da Câmara”. Segundo Veiga e Moura, “a contratação de um membro da própria autarquia viola a regra da transparência e do bom senso”. 

Jane Kirkby também considera que “um membro da Assembleia ou da Câmara Municipal não pode celebrar contrato com a mesma Junta de Freguesia”. Isto com base da interpretação do artigo 7º da lei orgânica que regula a eleição no poder local. “Ou seja, tratando-se de um membro de um corpo social não pode ter contratos com a própria junta de freguesia enquanto órgão da autarquia local”, refere.

É ilegal que um ex-membro da Junta de Freguesia seja parte num contrato com a própria junta?

“No caso de um ex-membro vai depender do tempo e do contrato de cada um”, refere Paulo Veiga e Moura. Isto porque, “não estão autorizados a assumir cargos em empresas privadas que realizem atividades controladas pelo setor em que anteriormente tinham responsabilidade nos três anos seguintes à data em que deixaram os seus cargos”, explica.

Jane Kirby clarifica que esta regra “é apenas aplicável àqueles que foram membros de natureza executiva, isto é da Câmara Municipal ou da Junta de Freguesia", segundo o art. 10.º da Lei dos Impedimentos”. Assim, “todos os que não faziam parte do executivo podem hoje fazer contratos com a própria junta”.

O que é o ajuste direto e quando pode ser usado? 

O ajuste direto é, refere Paulo Veiga e Moura, um contrato público em que se contrata alguém diretamente sem sequer ir ao mercado. 

Em regra, neste tipo de contrato, há um limite de valor que varia consoante os serviços em causa. Assim, explica Jane Kirkby, não pode ultrapassar os 20 000 euros se estiver em causa a “aquisição de bens móveis ou serviços”. Já se  foram contratos de empreitadas de obras públicas esse limite sobe para 30 mil euros e em alguns serviços pode chegar aos 50 mil euros. São  

 Há, no entanto, casos em que os ajustes diretos podem implicar valores mais elevados sem o limite. Essas situações estão previstas no Código de Contratos Públicos, obrigam, esclarece a advogada, a que quem faz a contratação tenha de justificar a opção. Uma das situações em que a lei permite ultrapassar os limites fixados dos ajustes diretos é a de não haver nenhum concorrente a apresentar proposta. “Daí existirem ajustes diretos de valor mais elevado”, refere a advogada,  explicando que no ajuste direto há assim dois critérios para que seja usado:um em que há valores máximos (critério base), outro em que não há esses limites por se tratarem de situações especiais (critério material).

O que é a consulta prévia e qual o limite?

No caso da consulta prévia, adianta Paulo Veiga e Moura, “existe o recurso ao mercado, onde se deve escolher três entidades para que apresentem propostas”. De acordo com a lei, o limite de valor do contrato é de 75 000 euros. 

A consulta prévia foi abolida em 2008, tendo regressado à legislação portuguesa em 2017. Segundo o advogado, para determinados tipos de obras o recurso a este modelo pode tornar a contratação mais rápida e eficaz. No entanto, Paulo Veiga e Moura alerta ser comum que muitas vezes as consultas prévias estejam orquestradas para que seja selecionada uma entidade pré-determinada: “A realidade deturpa a lei”.

Existe algum controle e fiscalização dos contratos públicos realizados pelas Juntas de Freguesia?

O Tribunal de Contas é a entidade responsável em garantir que o contrato seja executado. Pode fiscalizar através de uma auditoria sucessiva ou através de uma denúncia. Apenas é obrigado a fazê-lo em contratos de valor igual ou superior a 75 mil euros, explica Veiga e Moura.

Segundo o advogado, “o controlo é tênue” e casos de fiscalização “provêm maioritariamente de denúncias”.  Apesar de lembrar que há um site onde estão colocados todos os contratos públicos, Paulo Veiga e Moura considera que tem de ser feito um “maior controlo” na contratação. “Apesar de os contratos serem públicos é difícil de provar, por exemplo, na consulta prévia que as outras entidades convidadas são fictícias, algo que acontece”, diz, considerando ser “urgente” o reforço de fiscalização..

No que toca à contratação pública, que ilegalidades podem estar em causa?

É considerada uma contratação ilegal quando não vai ao encontro da Lei das Incompatibilidades ou quando existe abuso de poder. Isto é, quando é convidada uma entidade que desvie o poder para outros exercícios que não visem o interesse público, explica Veiga e Moura.

 

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