"Orgulhosamente ilegal". Câmara de Lisboa diz que Fábrica Braço de Prata é um perigo para quem a visita - TVI

"Orgulhosamente ilegal". Câmara de Lisboa diz que Fábrica Braço de Prata é um perigo para quem a visita

  • Nuno Guedes
  • 6 mar 2023, 22:06

Mesmo com a "benevolência" dos juízes, centro cultural já pagou 50 mil euros em multas

Um dos espaços culturais mais marcantes da última década e meia na cidade de Lisboa está em risco de fechar. A autarquia garante que o espaço conhecido como Fábrica Braço de Prata não tem condições de segurança e de salubridade.

O edifício por onde podem passar mais de mil pessoas por noite pertence à Câmara Municipal de Lisboa, mas está há anos ocupado sem qualquer contrato, numa longa história com várias peripécias que começaram no tempo do actual primeiro-ministro, António Costa, à frente do município.

Quase tudo ali funciona de forma "orgulhosamente ilegal", em nome da cultura, como diz o seu responsável que desde que abriu este centro cultural, em 2007, já pagou cerca de 50 mil euros em multas.

As coimas agravaram-se no último ano com a chegada de vizinhos aos prédios novos construídos ao lado que se depararam com um cenário de ruído constante que não os deixa dormir.

As queixas à polícia e à autarquia são recorrentes, mas até hoje não têm tido grande efeito, para espanto dos vizinhos que dizem que o espaço não tem condições para as múltiplas actividades que desenvolve.

Além do ruído que sai de um edifício antigo nas muitas noites de concertos e outros eventos, a Fábrica Braço de Prata tem exposições, palestras, livrarias e uma escola de música, além de um restaurante e um parque de auto-caravanas, sem as necessárias licenças.

O fundador e director do espaço, o filósofo Nuno Nabais, recorda que têm sido uma espécie de viveiro de artistas, músicos e bandas, sublinhando o caso de Salvador Sobral que tantas vezes ali cantou antes de ser conhecido.

Vitória de Carlos Moedas baralhou tudo

As multas passadas à Fábrica Braço de Prata não se ficam, no entanto, pelo ruído ou pela falta de licenças. Nuno Nabais confirma que já foi multado pela ASAE por falta de alvará para vender bebidas e refeições.

Na verdade, quase nada pode ser legalizado porque o edifício está ocupado sem qualquer contrato ou protocolo.

Em 2008, o então presidente da autarquia, António Costa, prometeu um protocolo, mas o espaço, na altura, ainda nem era do município.

Mais tarde, em 2017, Nuno Nabais afirma que foi o actual ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, na altura vice-presidente da autarquia, a avançar com uma proposta de cedência gratuita em nome dos benefícios para a cultura da cidade.

Nada foi assinado e a ocupação do edifício situado na zona oriental de Lisboa mantém-se ilegal, num processo herdado pelo actual presidente do município, Carlos Moedas.

Nuno Nabais admite que tudo mudou com as eleições que em 2021 retiraram o PS do executivo autárquico.

"Eu sabia que tinha uma boa relação com aquela vereação. As pessoas eram simpáticas em relação à Fábrica. Quando às vezes vinham aqui beber um copo eu perguntava 'então quando é que despacham isto?' De repente muda a vereação e eu telefono aos meus amigos da antiga vereação que me dizem que isto agora está um caos e que me irão contactar", relata o fundador e director da Fábrica Braço de Prata.

"Sem condições de salubridade e segurança".

Contactada pelo Exclusivo da TVI (do grupo da CNN Portugal), a Câmara Municipal de Lisboa tem uma versão diferente da avançada por Nuno Nabais.

A autarquia refere que "existiu sempre uma recusa por parte do ocupante em negociar" – "foi notificado e apresentado um valor para celebrar contrato de arrendamento que sempre se recusou a celebrar".

O município promete agir em breve e vai mais longe: "Foram efectuadas várias fiscalizações e vistorias com a protecção civil, bombeiros e direcção municipal de obras, tendo sido confirmada uma utilização indevida e de perigosidade para o ocupante e seus utilizadores, uma vez que não reúne condições de salubridade e segurança".

A situação parece insustentável, mas o fundador da Fábrica Braço de Prata prefere a expressão "orgulhosamente ilegal" pois sempre temeu que a legalização do espaço signifique o seu fim pelas obras que a autarquia terá provavelmente de fazer num edifício antigo e recuperado de forma quase amadora com um orçamento limitado, naquilo que diz ser já um "monumento a uma certa ideia de resistência política e económica contra a euforia do mercado imobiliário".

"Sabe que está a cometer um crime grave?"

Quando vai a tribunal, Nuno Nabais explica que é sempre questionado se sabe que está a cometer um crime grave, ao que responde que sim, mas que tem de vender bebidas e comidas para sustentar a cultura.

O filósofo admite que os seus advogados já o aconselharam a fechar a Fábrica Braço de Prata pois "é um perigo enorme" que corre.

"Eu acho que respeito todas as normas, mas os meus advogados disseram-me que se um dia um tipo embriagado ao descer as escadas tropeça e fica hemiplégico eu apanho no mínimo 8 anos de cadeia pois as pessoas que vêm aqui estão convencidas que todas as regras de segurança foram garantidas pelas entidades adequadas", relata Nuno Nabais para quem, em nome da cultura, segundo afirma, vale a pena correr o risco.  

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