Sérgio Conceição: o exímio estratega a quem falta a estratégia quando lhe oferecem a bola - TVI

Sérgio Conceição: o exímio estratega a quem falta a estratégia quando lhe oferecem a bola

  • Sofia Oliveira
  • 5 mai 2023, 09:47
Sérgio Conceição no Benfica-FC Porto (António Cotrim/Lusa)

«Quem é que defende?», o espaço de opinião de Sofia Oliveira no Maisfutebol

A última visita de Sérgio Conceição ao Estádio da Luz foi, também, a última vez que, no campeonato, Sérgio Conceição visitou o seu parque de diversões. Mas por que será que um treinador que desfruta dos seus carrosséis predilectos nos jogos grandes, continua a definhar na casa assombrada em jogos de menor dificuldade? Que treinador é este, tão habilidoso na hora de travar Benfica, Sporting e tantos outros adversários vindos da Liga dos Campeões, e tão inibido perante o último classificado da Liga Portuguesa?

As seis vitórias consecutivas do FC Porto em todas as competições não traduzem as dificuldades patentes frente a Portimonense, Santa Clara, Paços de Ferreira, Famalicão e Boavista, tal como o afastamento da Champions, às mãos do Inter de Milão, se revelou pesado face à exibição no Estádio do Dragão. Servem estas ressalvas, no fundo, para vos desencorajar do agoniante exercício de emoldurar números de vitórias ao nome de Sérgio Conceição. Colar a amplitude da sua competência a algarismos é ensopar de lama um trabalho de sucesso realizado em condições complexas, mesmo não me colocando eu na fila das mãos que votam no treinador isento de culpas.

São já seis épocas em que nunca faltou um FC Porto competitivo, jogadores comprometidos com as missões tácticas que lhes são exigidas e outros menos aproveitados por não cumprirem com o perfil coerente traçado por alguém que mais rapidamente encontraremos às portas do Teatro Sá da Bandeira a vender qualidade técnica do que combatividade. Apesar de variar na estrutura, as rotinas foram sendo inegociáveis. Mesmo quando abdica do seu 4x4x2, mantém-se viciado na procura constante pela profundidade, pelas situações de 1x1 nos corredores laterais, pelos cruzamentos. Aliás, os corredores laterais são os corredores nevrálgicos da sua ideia bem definida de jogo, onde pede um maior envolvimento dos avançados, seja em apoio, seja como ponto de activação para diagonais curtas entre lateral e central contrários. É por aí que insiste que o colectivo esmague as organizações defensivas que se colocam, privilegiando uma circulação de poucos toques até entrar na área. Apesar de o corredor central não ser protagonista - mesmo no momento da construcção, o FC Porto arrisca pouco no meio-campo defensivo -, é de lá que os médios saem em direcção à baliza adversária, de forma a surgirem impiedosos em zonas de finalização. A verticalidade ao invés da paciência, a pressa ao invés da calma.

Numa Liga em que existe o contexto dos ‘três grandes’ e o contexto "do resto", com o SC Braga a aproximar-se, raras são as vezes em que as debilidades colectivas dos apetrechados ficam a olho nu. Perante exibições, por vezes, penosas, surgem execuções de talentos que nunca estarão do outro lado da história ou que, tendo passado por lá, carregaram nos ombros guiões que os impossibilitam de render em circunstâncias ideais. Contra FC Porto, Benfica e Sporting até as equipas mais valentes com bola montam blocos baixos e cerrados sem ela - o Gil Vicente de Daniel Sousa é uma excepção que merece ser distinguida -, exigindo criatividade. Ora, deparamo-nos, então, com o calcanhar de Aquiles de Sérgio Conceição.

A pouca criatividade das suas equipas em ataque posicional leva-nos à resposta da pergunta sobre a casa assombrada. Mas por que será que um treinador que desfruta dos seus carrosséis predilectos nos jogos grandes, continua a definhar na casa assombrada em jogos de menor dificuldade? Num estilo tão vertiginoso e inclinado para o jogo exterior, percebem-se as vantagens de quem defende retirando a profundidade e controlando a largura, sabendo que superar linhas de pressão com o intuito de encarar somente a linha defensiva não é prioridade na estratégia do FC Porto. Por outro lado, estão conscientes de que os duelos pelas segundas e terceiras bolas, dentro do último terço defensivo, serão disputados no limite, porque aí entra um dos pontos-fortes do plano do opositor. O que não deixa de ser curioso é que a melhor versão do FC Porto de Sérgio Conceição, assim nomeada também pelo próprio, viu a luz do dia com Vitinha e Fábio Vieira, dois jogadores que, à partida, foram rejeitados pelos maiores admiradores do sistema do técnico português. Vitinha trouxe pausa, mais toques, mais passes. Fábio Vieira trouxe criatividade, mais qualidade técnica, menos combatividade.

Com eles, Sérgio Conceição mitigou lacunas na casa assombrada sem perder valências nos seus carrosséis predilectos. Sem eles, Sérgio Conceição voltou a definhar na primeira e a divertir-se nos segundos, por isso mantém o estatuto de exímio estratega em jogos grandes e nem o Chelsea campeão europeu de Thomas Tuchel, em 2020/21, escapou ileso no confronto directo. A pressão bem oleada, que encurrala o rival no local onde começa a trocar a bola, já asfixiou dezenas, em estádios enormes. O objectivo passa por recuperar a bola em zonas adiantadas e activar o ataque rápido. Recuperar a bola em zonas adiantadas e activar o ataque rápido. Recuperar a bola em zonas adiantadas e gerar confiança através do sucesso da acção colectiva e desnorte no adversário face ao insucesso geral. Aí, Conceição toma conta do plano estratégico e emocional das partidas. Força o erro, ataca. Força o erro, ataca. E o outro, ainda que consciente de que tão ambiciosa pressão abre espaços em caso de variação do centro do jogo, encolhe-se perante a competência de um risco treinado.

Foi assim na sua última visita ao Estádio da Luz. Pelos motivos óbvios, não voltou a ser. Sérgio Conceição nunca será aquele treinador que pede uma bola de presente, mas sim aquele que pede uma equipa que o ataque.

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