Finlândia e Suécia adotaram a posição de países não alinhados na Segunda Guerra Mundial: sem aderir à NATO, apesar de ambas as nações terem forças militares de defesa em relação à Rússia, mantiveram a neutralidade que, agora, colocam em causa com os pedidos de adesão à Aliança Atlântica.
Mas, ao passo que a Suécia, desde a década de 1990 do século passado, decidiu encolher as suas forças armadas e mudar as prioridades ao nível da defesa territorial, focando-se em missões de paz internacionais, a Finlândia nunca deixou de ter em mente a defesa das suas fronteiras, sobretudo quando cerca de 1.300 quilómetros de fronteira são partilhados com a Rússia e o país fez parte do império russo até 1917. A Finlândia é mesmo o quinto país com a mais longa fronteira com a Rússia, ultrapassado apenas por Cazaquistão, China, Mongólia e Ucrânia.
A neutralidade finlandesa surgiu como condição de paz imposta pela União Soviética após a assinatura de um "acordo de amizade" em 1948, que permitiria à Finlândia manter a sua independência. "A neutralidade da Suécia era uma questão de identidade e ideologia, enquanto na Finlândia era uma questão de existência", disse à BBC o historiador finlandês, Henrik Meinander.
E, por isso, os finlandeses nunca descuraram a sua defesa e mantiveram o serviço militar obrigatório, com o objetivo de "manter a prontidão das forças armadas", lê-se no site oficial da Defesa, que informa que o treino militar é cumprido anualmente por cerca de 21 mil recrutas e que, nos últimos anos, o número de mulheres voluntárias tem vindo a subir.
Serviço militar obrigatório pode chegar a quase um ano
Os recrutas que recebem treino para oficiais na reserva prestam serviço ao longo de 347 dias, havendo ainda a opção de cumprir 255 ou 165 dias de serviço militar, dependendo das tarefas desempenhadas e do tipo de treino recebido.
Recentemente, foi implementado o Training 2020 Programme, com melhorias ao nível dos métodos de treino dos recrutas, contemplando, por exemplo, simulações virtuais e intensificando "atividades exigentes de treino", esclarecem as Forças Armadas.
Quanto ao orçamento, em 2023 a Finlândia já deverá cumprir o limite estipulado pela NATO, que obriga a que pelo menos 2% do orçamento total do Estado seja dedicado à defesa, mas tem estado sempre perto desse limite nos últimos anos.
Segundo o The Global Firepower Index de 2022, que elenca o poderio militar de 142 nações, relacionando indicadores como os recursos humanos, naturais e financeiros, a geografia ou capacidade técnica, a Finlândia surge em 53.º lugar a nível global, ainda que, no que diz respeito aos reservistas, por exemplo, consiga um surpreendente quarto lugar no ranking, com 900.000 cidadãos na reserva e uma força de 280.000 soldados prontos para serem mobilizados para um eventual conflito, só atrás de Taiwan, Brasil e Índia, respetivamente.
Já no que diz respeito à capacidade de ativação e desativação de minas submarinas, os finlandeses, banhados pelo Mar Báltico, ocupam a sexta posição no ranking global, apenas ultrapassados por Rússia, China, Egito, Japão e Polónia.
Exercícios de atualização obrigatórios e em qualquer altura
Os finlandeses passam à reserva aos 50 ou 60 anos, dependendo das funções e patentes, e deverão manter as autoridades regionais informadas sempre que mudam de endereço. Podem ser, a qualquer altura, obrigados a participar em exercícios de atualização - só têm de receber a convocatória três meses antes da realização do exercício.
"Caso a situação de segurança da Finlândia o requeira, por decisão do presidente da República, os reservistas podem ser obrigados a participar em exercícios de treino de atualização com avisos inferiores a três meses. Isto permite a prontidão militar quando necessária", informa o site das forças armadas finlandesas, que acrescenta que estes exercícios de atualização poderão prolongar-se até aos 200 dias e são pagos num valor diário de, no mínimo, cerca de 60 euros.
Segundo o Global Firepower Index, a Finlândia tem quase dois milhões de cidadãos prontos para prestar serviço, numa população de 5,5 milhões, e 23 mil soldados no ativo, que contam ainda com 14 mil efetivos paramilitares.
A Finlândia não tem porta-aviões, contratorpedeiros ou submarinos, mas conta com 200 tanques, 2,090 veículos blindados e 662 unidades de artilharia autopropulsada e 63 lança-rockets. Vários meios de comunicação especializados apontam que a Finlândia tem feito um grande esforço de modernização militar com tecnologia de ponta, adquirindo nomeadamente mísseis AGM-158 e caças F-35 aos Estados Unidos. E a marinha modernizou os seus navios da classe Hamina há poucos anos, equipando-os com sistemas de sonar e torpedos.
Os soldados finlandeses fazem com frequência exercícios militares com a Noruega, que é membro da NATO, e no que aos serviços de informação diz respeito, a Finlândia goza de boa reputação a nível europeu pelo trabalho que nunca deixou de fazer de recolha de dados da Rússia, devido à longa fronteira que os dois países partilham.
O que falta aos soldados finlandeses, assinalam os meios especializados, é a vertente internacional, uma vez que as forças estão concentradas na defesa estratégica do território e pouco vocacionadas para missões fora do seu país. No entanto, para os finlandeses, o maior perigo nunca deixou de estar do lado de lá da fronteira.