Um relógio de três mil euros, uma mala com 100 mil euros e prédios de luxo. O que está em causa na Operação Babel que levou à detenção do vice-presidente da Câmara de Gaia - TVI

Um relógio de três mil euros, uma mala com 100 mil euros e prédios de luxo. O que está em causa na Operação Babel que levou à detenção do vice-presidente da Câmara de Gaia

  • Henrique Machado
  • - notícia corrigida em relação à identidade dos sete detidos
  • 16 mai 2023, 20:00

Mais de 55 buscas, domiciliárias e não domiciliárias. 130 homens no terreno. A Polícia Judiciária chamou-lhe "Operação Babel". Em causa a suspeita de crimes de corrupção e criminalidade económico-financeira ligados à área da urbanismo

Eram cerca das 09:00 da manhã, desta terça-feira, quando a Polícia Judiciária (PJ) chegou às Câmaras Municipais de Vila Nova de Gaia e Porto. Mas antes, pelas 07:00 a PJ já tinha dado início à "Operação Babel". Foram feitas mais de 55 buscas, domiciliárias e não domiciliárias, e estiveram 130 homens no terreno. Em causa estão normas urbanísticas alegadamente viciadas em benefício de promotores imobiliários com "interesses de 300 milhões de euros". Há suspeitas de crimes de corrupção e criminalidade económico-financeira. Sete pessoas foram detidas e 12 foram constituídas arguidas. A TVI, do mesmo grupo da CNN Portugal, teve acesso ao processo e revela-lhe mais pormenores desta investigação.

Entre os detidos está o vice-presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Patrocínio Azevedo, engenheiro civil, membro do executivo municipal responsável pelas áreas de Planeamento Urbanístico e Política de Solos, bem como pelo Licenciamento Urbanístico e pelas Obras Municipais. Mas Patrocínio Azevedo é também líder da Concelhia do PS desde 2013.

No comunicado que divulgou esta terça-feira, a PJ confirmou que "foram já constituídos 12 arguidos" e que alguns foram detidos.

Quem são os sete detidos?

- "Um titular de cargo político", o vice-presidente da câmara de Gaia, Patrocínio Azevedo;

- "Dois funcionários de serviços autárquicos" da Câmara do Porto;

- "Um funcionário de Direção Regional de Cultura do Norte";

- "Dois empresários" na área de projetos imobiliários. Elad Dror diretor-executivo e fundador do Grupo Fortera é um desses empresários; o outro empresário é Paulo Malafaia, promotor imobiliário e parceiro comercial que já tinha sido detido no âmbito da Operação Vortex (ao abrigo da qual o ex-presidente da Câmara de Espinho Miguel Reis se encontra em prisão preventiva);

- "Um profissional liberal".

Qual a ligação de Patrocínio Azevedo aos empresários do imobiliário?

Ao final do dia o próprio grupo Grupo Fortera, com capitais israelitas, assumiu que Elad Dror tinha sido detido no âmbito da operação e que ia “colaborar ativamente com a justiça”. “O grupo Fortera vem, por este meio, esclarecer e confirmar que Elad Dror se encontra, esta tarde, dia 16 de maio de 2023, nas instalações da Polícia Judiciária (PJ) no Porto e que irá colaborar com a Justiça para o esclarecimento de qualquer facto que lhe possa ser imputado. Neste momento, não há ainda conhecimento dos contornos que serão necessários esclarecer”, refere a empresa, num comunicado.

O grupo, com sede em Vila Nova de Gaia, com capitais israelitas e que se dedica aos negócios e à promoção imobiliária adianta “que tem em curso um investimento relevante na área” deste município do distrito do Porto, admitindo que “poderá ser em torno do mesmo que será necessário prestar esclarecimentos”.

Segundo o que a TVI, que pertence ao mesmo grupo que a CNN Portugal, conseguiu apurar, os dois empresários (Elad Dror e Paulo Malafaia) terão combinado entre si desenvolverem projetos imobiliários na cidade de Vila Nova de Gaia. Os três mais importantes são o Skyline, o Riverside e o Hotel Azul. Também tinham planos para a cidade de Braga, no Convento do Carmo, e no Porto.

Segundo o processo, para desenvolver estes projetos imobiliários os empresários terão decidido procurar favorecimento junto do vice-presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, a quem competia o pelouro do urbanismo. No esquema, terão contado com a intermediação do advogado de Patrocínio Azevedo. O objetivo seria determinar e decidir de forma favorável os procedimentos em curso, e influenciar entidades terceiras que pudessem colocar entraves aos projetos.

Quais os valores envolvidos?

Na verdade, o próprio comunicado que a Fortera admite a hipótese das buscas estarem relacionadas com negócios em Vila Nova de Gaia. A empresa tem em curso um investimento relevante nessa zona. São para já muitos os esclarecimentos necessários que surgem olhando para o processo, a que a TVI teve acesso em exclusivo. 

Um dos projetos é o Riverside, na Quinta de Santo António em Gaia. Depois de ter sido loteado e emitido o alvará surgiram vestígios arqueológicos, que impunham a suspensão e faziam com que perdesse capacidade construtiva. A solução foi recorrer a Patrocínio Azevedo. 

Como primeira abordagem, os promotores imobiliários ofereceram-lhe um relógio no valor de 3 mil euros, que este terá aceitado. O vice-presidente da Câmara de Gaia terá agradecido a lembrança. Depois, segundo a investigação, através do advogado e intermediário, terá feito saber que resolveria a questão dos vestígios arqueológicos a troco do pagamento de uma quantia em numerário.

A primeira entrega terá sido de 25 mil euros, em janeiro de 2021, antes do vice-presidente visitar o local onde queriam erguer o empreendimento. Paulo Malafaia e o intermediário do autarca ter-se-ão encontrado nas instalações da Fortera, onde estava o sócio Elad Dror. Entregam a João Lopes a quantia de 25 mil euros, que os fez chegar a Patrocínio Azevedo.

Só que o desenrolar do processo urbanístico trouxe novos constrangimentos e a necessidade de aprovar um pedido de informação prévia, que seria acompanhado pelo vice de Gaia, a troco de mais um pagamento. Este terá acontecido em junho de 2021.

Terá havido ainda um encontro entre Elad Drod e Paulo Malafaia para entregar uma mala com 100 mil euros. Malafaia encontra-se depois com o intermediário num centro comercial no Porto, onde compram uma mala que terá servido para passar a quantia. Os 100 mil euros acabaram por descer para 99 mil e 600, porque o intermediário comprou um equipamento de som no valor de 400 euros.

No despacho a que a TVI teve acesso, é referido que o vice-presidente da Câmara de Gaia terá condicionado protocolos, feito aprovar uma proposta condicionada ao interesse dos privados e aprovado acordos urbanísticos sem instrumentos de ordenamento do território.

E quais são os crimes em causa?

Os arguidos estão "indiciados pela prática dos crimes de recebimento ou oferta indevidos de vantagem, corrupção ativa e passiva, prevaricação e abuso de poder praticados por e sobre funcionário ou titular de cargo político".

Além das buscas nas autarquias de Gaia e do Porto, outras decorreram "em várias zonas do território nacional", tal como em "diversos serviços de natureza pública, bem como a empresas relacionadas com o universo urbanístico".

As buscas realizadas tiveram como objetivo principal a "deteção e recolha de prova da prática de fenómenos de índole corruptiva, bem como reiterada viciação de procedimentos de contratação pública em setores de atividade específicos, com vista a beneficiar" algumas empresas.

Com base em toda a prova anteriormente recolhida, as autoridades suspeitam que foram viciadas "normas e instrução de processos de licenciamento urbanístico em favor de promotores associados a projetos de elevada densidade e magnitude, estando em causa interesses imobiliários na ordem dos 300 milhões de euros". Em troca terá havido "oferta e aceitação" de contrapartidas em dinheiro.

No decorrer da operação também se sabe que foram apreendidos os telemóveis do vereador do urbanismo do Porto, Pedro Baganha, e de uma chefe de divisão do urbanismo da Câmara do Porto. 

A Câmara Municipal do Porto acabou por divulgar um comunicado oficial onde garantiu que as buscas realizadas “não visam o município”, acrescentando que “estão relacionadas com empresas privadas que têm processos urbanísticos” que estão a tramitar no município.

Entretanto, em declarações aos jornalistas, o vereador Pedro Baganha garantiu que não tinha sido "constituído arguido", mas não adiantou se o seu telemóvel tinha sido, ou não, apreendido pela PJ. Este responsável explicou ainda que a investigação se "centra numa empresa privada que tem vários processos urbanísticos, em vários municípios, sendo que, pelo menos, um deles diz respeito à autarquia do Porto".

Já depois da hora do almoço, a Câmara Municipal de Gaia emitiu um comunicado confirmando que está a "ceder elementos solicitados pela investigação" que terá tido início numa "alegada denuncia anónima". Confirma ainda que a investigação está ligada a "dossiers municipais do urbanismo".

A Polícia Judiciária confirmou também, no comunicado oficial, que no decorrer das buscas tinham sido "apreendidos elementos documentais e digitais relativos à prática dos factos com possível alcance probatório". Os elementos digitais serão vários telemóveis e computadores.

A operação decorreu nos edifícios principais das autarquias de Gaia e do Porto, mas também noutros edifcíos onde se situam outros serviços ligados à área do urbanismo, como por exemplo, no antigo Edifício dos Correios, no Porto.

Segundo a agência Lusa, que cita fonte da empresa, a Polícia Judiciária também realizou buscas no Metro do Porto no âmbito desta operação.

Os detidos terão de ser presentes à competente autoridade judiciária no Tribunal de Instrução Criminal do Porto para primeiro interrogatório judicial e aplicação de eventuais medidas de coação.

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