O caso foi revelado em 2019 por uma investigação de Sandra Felgueiras, jornalista da RTP na altura, agora na TVI – do mesmo grupo da CNN Portugal. A lei não teria sido cumprida na concessão da exploração de lítio à empresa LusoRecursos, em Montalegre, num negócio que podia valer 380 milhões de euros.
Os primeiros nomes que surgiram foram os de João Pedro Matos Fernandes, ex-ministro do Ambiente e Ação Climática, e o de João Galamba, que à época era secretário de estado do Ambiente com as pastas do lítio e do hidrogénio verde e, agora, era ministro das Infraestruturas.
A empresa que ganhou a exploração do minério não era a mesma que tinha ganho a prospeção, o que levantou suspeitas de benefício à LusoRecursos e eventual crime de corrupção. De acordo com a lei, para que alguém tenha legitimidade para ganhar um concurso de exploração pressupõe que essa empresa tenha ganho primeiro a prospeção. E terá sido este o início da investigação.
As ligações encontradas entre políticos e esta empresa também levantaram suspeitas. Outro nome que esteve ligado ao Governo de António Costa surge a dada altura neste processo. Jorge Costa Oliveira, que foi secretário de Estado da Internacionalização, acabou contratado pela Lusorecursos Portugal Lithium como consultor financeiro.
Mas a PGR está ainda a investigar - um projeto de central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, apresentado por consórcio que se candidatou ao estatuto de Projetos Importantes de Interesse Comum Europeu (IPCEI) e o projeto de construção de um data center desenvolvido na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade “Start Campus”, projeto onde aparece o nome de Diogo Lacerda Machado.
Quem são os arguidos?
O processo tem atualmente sete arguidos.
João Galamba atual ministro das Infraestruturas foi, esta terça-feira, constituído arguido no âmbito da investigação aberta pelo Ministério Público. Mas não está sozinho. O Presidente do Conselho Diretivo da Agência Portuguesa do Ambiente também foi constituído arguido.
Mas outras cinco pessoas foram detidas. O Ministério Público considerou que se verificavam “os perigos de fuga, de continuação de atividade criminosa, de perturbação do inquérito e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas”.
As detenções ocorreram todas fora de flagrante delito.
Entre elas está o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária. E ainda alguém que é considerado um dos melhores amigos de António Costa, Diogo Lacerda Machado, advogado/consultor contratado por uma sociedade.
Foram também detidos o Presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas, e dois administradores da sociedade “Start Campus”, empresa que contratou Diogo Lacerda Machado.
E quais são os crimes sob suspeita?
Segundo a Procuradoria-geral da República, em causa podem estar, “designadamente, factos suscetíveis de constituir crimes de prevaricação, de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência”.
Quais são os factos sob investigação?
Segundo o comunicado divulgado pela Procuradoria-Geral da República, os factos sob investigação são:
- As concessões de exploração de lítio nas minas do Romano (Montalegre) e do Barroso (Boticas);
- Um projeto de central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, apresentado por consórcio que se candidatou ao estatuto de Projetos Importantes de Interesse Comum Europeu (IPCEI);
- O projeto de construção de “data center” desenvolvido na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade “Start Campus”.
O inquérito terá começado apenas com as suspeitas sobre a concessão de lítio, mas a dada altura no inquérito, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal, decidiu juntar numa mesma investigação, o processo do lítio e o do hidrogénio verde. Mas não justificou a decisão.
Em janeiro deste ano, a Procuradoria-Geral da República tinha confirmado à CNN Portugal que estava em curso a investigação sobre os negócios do lítio e do hidrogénio verde, mas que o inquérito, na altura, não tinha arguidos constituídos. Tudo mudou agora.
No caso de Diogo Lacerda Machado, as suspeitas estão ligadas a um alegado tráfico de influências junto do Governo, e que terão beneficiado a sociedade Start Campus. Em causa, um investimento estrangeiro, em consórcio, de 3,5 mil milhões de euros.
O que aconteceu terça-feira, 7 de novembro?
Podia ter sido uma terça-feira igual a muitas outras, mas foi o dia escolhido pelo Ministério Público para realizar buscas e fazer detenções. Foram apreendidos documentos e outros meios de prova de interesse para a descoberta da verdade, explicou o Ministério Público através de um comunicado.
Foram realizadas 17 buscas domiciliárias; cinco buscas em escritório e domicílio de advogado e, ainda, 20 buscas não domiciliárias. Entre os locais alvo da visita das autoridades estiveram os espaços utilizados pelo chefe do gabinete do Primeiro-Ministro; o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, o Ministério das Infraestruturas e a Secretaria de Estado da Energia e Clima; tal como a Câmara Municipal de Sines.
No terreno estiveram elementos da PSP (145 elementos) e da Autoridade Tributária e Aduaneira (nove elementos), a acompanhar 17 magistrados do Ministério Público, três magistrados judiciais e dois representantes da Ordem dos Advogados. As buscas nos espaços utilizados pelo chefe do gabinete do Primeiro-Ministro foram também acompanhadas por juiz de Instrução Criminal.
Quem ficou surpreendido pelo comunicado da PGR foi António Costa que, após a confirmação de uma investigação separada, apresentou a sua demissão ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
António Costa investigado pelo Supremo Tribunal de Justiça
No comunicado que divulgou a PGR explicou que “no decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente”.
Ou seja, António Costa será investigado num processo separado. Mas sobre os factos ligados ao agora demissionário primeiro-ministro não há qualquer informação. Na sua declaração, António Costa assumiu ter sido surpreendido por esse processo, que desconhecia por completo. Não conhece os factos, os crimes, mas disponibilizou-se para colaborar com a Justiça.
O jornal Público, avançou esta terça-feira que em janeiro de 2021, o primeiro-ministro tinha sido ouvido em três escutas realizadas ao então ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes. Escreve este jornal diário que as escutas foram realizadas no âmbito da investigação relacionada com o projeto na área do hidrogénio verde, em Sines. Na mesma notícia, lê-se ainda que uma dessas escutas terá sido validada pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, à época, e duas mandadas destruir.
Já o semanário Expresso, escreve que o primeiro-ministro foi apanhado em quatro escutas com Matos Fernandes em 2020 e que apenas uma foi considerada suspeita. As conversas, por força da lei, precisaram de ser validadas pelo presidente do Supremo. Na conversa que terá sido validade, segundo Expresso, foi António Costa que ligou ao ministro do Ambiente para discutir o negócio do lítio e do hidrogénio verde. Um telefonema que terá acontecido em pleno confinamento – devido à Covid-19 – no dia 28 de dezembro de 2020. Ainda segundo a mesma notícia, António Costa não estava, nem ficou, sob suspeita devido a essas conversas.
No entanto, o comunicado da PGR não deixa claro se a investigação que visa António Costa já foi ou não aberta, nem a sua natureza, sendo certo que este ainda não foi constituído arguido.