Desde janeiro de 2021 que não chegava a Portugal tanto gás natural da Rússia - TVI

Desde janeiro de 2021 que não chegava a Portugal tanto gás natural da Rússia

Tanques de depósito de gás natural no porto de Sines (Horacio Villalobo/Getty Images)

Governo argumenta que as sanções europeias não abrangem o gás natural

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Precisamente um ano após o início da guerra na Ucrânia davam entrada em Portugal 102.217 toneladas de gás natural vindas da Rússia, segundo dados da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) consultados pela CNN Portugal. Um número que não era tão elevado desde janeiro de 2021, sendo que Portugal começou a negociar a importação de gás natural com a Rússia em 2019.

À CNN Portugal, o Ministério do Ambiente e da Ação Climática diz que “não se encontra aplicada qualquer limitação sobre a proveniência de gás natural em território europeu”. O que é verdade: os vários pacotes de sanções já aprovados pela União Europeia continuam a deixar de fora o gás natural, uma das principais fontes de receita para a Rússia, e que continua a fluir para toda a Europa, mesmo que a dependência deste combustível fóssil esteja a ser cortada.

Importação de um só comercializador

O Governo garante que a importação de gás natural a partir da Rússia foi feita “por apenas um comercializador”, sendo que o Expresso e o ECO já avançaram anteriormente que a Naturgy era a única empresa a operar em Portugal a importar aquele combustível fóssil da Rússia.

De resto, a própria empresa, com sede em Espanha, confirmou que vai continuar a receber carregamentos de gás natural russo, conforme o contrato que está em vigor até 2038 e que consta no relatório anual do Grupo Internacional dos Importadores de Gás Natural Liquefeito (GIIGNL).

“A Naturgy faz duas coisas: cumpre os seus acordos e leva-os até ao final”, afirmou o diretor-executivo e presidente da empresa, Francisco Reynes, numa conferência de imprensa dada em fevereiro deste ano e que marcou a apresentação de resultados num ano em que a empresa aumentou em 55% as suas importações de gás natural liquefeito, mesmo perante a tentativa europeia de ficar menos dependente deste combustível.

O relatório do GIIGNL inclui quatro empresas portuguesas, as quatro que importam gás natural. São elas a Naturgy, mas também Galp, EDP e Endesa. De acordo com o documento, apenas a primeira tem acordos firmados com a Rússia, num contrato assinado em 2018 e que cuja validade vai até 2038.

É um acordo que prevê a importação de gás natural a partir do porto de Sabetta, no terminal de Yamal, no Oceano Ártico, chegando a Portugal via Espanha ou a partir do porto de Sines, o único com capacidade para receber esta fonte de energia em Portugal.

“O comercializador abastece o sistema nacional de gás nas quantidades necessárias às respetivas responsabilidades para com a sua carteira de consumidores e outros eventuais compromissos comerciais”, esclarece o Governo.

Galp, EDP e Endesa compram, segundo o GIIGNL, gás natural a Trinidad e Tobago, Estados Unidos, Catar ou Nigéria, sendo que a Portugal também chega, pelos gasodutos que passam em Valença e em Campo Maior, gás natural de Espanha e da Argélia, estando prevista a construção de um terceiro, que vai ligar Portugal a Espanha pelo norte do país.

Mapa de gasodutos do território português (REN)

De acordo com os dados da DGEG, chegaram este ano a Portugal um total de 1.112.941 toneladas de gás natural, cerca de 10% das quais vindas da Rússia. A maioria (469.243 toneladas) chegou dos Estados Unidos.

O "garrote" decisivo

Há um ano a União Europeia começava a estender as sanções ao petróleo russo, combustível que chegava a muitos dos países europeus que dele dependiam, nomeadamente no inverno. Já por essa altura o professor Francisco Pereira Coutinho, especialista em política europeia, dizia que estender as sanções ao gás natural poderia ser um "garrote essencial sobre a economia russa".

Só que, passado esse tempo, muitos países continuam a mandar vir de Moscovo o gás natural. De acordo com os dados mais recentes da União Europeia, que se referem ao período entre janeiro e novembro de 2022, o gás natural vindo da Rússia ainda representa 24,65% do consumo, uma percentagem sensivelmente igual ao que é importado de Noruega (24,9%) e de um conjunto de países como Estados Unidos, Catar ou Nigéria (25,7%).

Outro ponto: segundo o relatório do mercado de gás natural na União Europeia publicado em 2021, o gás natural russo representava quase 40% de todo o consumo, sendo que essa percentagem chegou a ser superior a 50% em 2020.

A investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais Sónia Sénica entende que o caminho europeu deve ser feito num sentido de "autonomia estratégica", sendo que para isso um dos passos essenciais é deixar de comprar gás natural à Rússia. "É um objetivo importante, até em matéria de segurança", nota, mesmo não acreditando na inclusão do gás natural no próximo pacote de sanções.

"Sabemos que tem havido muita instrumentalização da energia por parte da Rússia, que utiliza de forma recorrente essa ameaça. A continuidade dessa dependência pode ser uma fragilidade para a União Europeia", acrescenta Sónia Sénica, que não deixa de assinalar que a compra de gás natural a Moscovo consiste, de certa forma, num financiamento da máquina de guerra de Vladimir Putin.

Ainda assim, avisa a investigadora, a Rússia pode conseguir fazer face a um eventual embargo do seu gás natural. "Estamos a perceber que a Rússia começa a estar habituada às sanções. Tem conseguido contornar o seu impacto, procurando e diversificando os mercados importadores", sublinha Sónia Sénica, reiterando que, nem que seja de um ponto de vista de segurança energético, a União Europeia deve prosseguir um caminho de abandono dos combustíveis fósseis vindos de Moscovo.

Porto de Sabetta, no Ártico (Maxim Zmeyev/Getty Images)

União Europeia a contornar sanções?

A União Europeia já avisou que estão a surgir "práticas enganosas". Há petroleiros que conseguem, de um modo ou de outro, escoar o seu produto proveniente da Rússia para dentro da Europa.

Por isso mesmo, e segundo o Politico, o 11.º pacote de sanções a aplicar a Moscovo pode incluir medidas para bloquear as "brechas" que têm permitido ao Kremlin contornar as sanções que proíbem a entrada de petróleo russo na União Europeia.

Bruxelas considera que, "tendo em conta o aumento acentuado de práticas enganosas" e os "riscos ambientais" que estão associados ao transporte "secreto" de petróleo russo, são necessárias novas medidas que bloqueiem o "acesso dos navios sobre os quais recaem suspeitas".

Suspeitas essas que já levaram à abertura de uma investigação em Espanha, depois de o El Mundo ter noticiado que Madrid estava a comprar petróleo transformado, nomeadamente gasóleo, a Marrocos, país que começou, recentemente, a importar petróleo da Rússia e que voltou a vender combustível fóssil a Espanha pela primeira vez desde 2015.

A ministra espanhola da Transição Ecológica, Teresa Ribera, garantiu que o governo está a tentar perceber o que se passou, uma vez que, a confirmarem-se, tais compras seriam contra as sanções aplicadas pela União Europeia.

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