Chama-se Síndrome de Noé e é uma perturbação mental que se caracteriza pela acumulação de animais. É cada vez mais comum e revela ser um perigo para a saúde pública e para o bem-estar animal.
Segundo um guia publicado em dezembro de 2021 pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas em conjunto com o Ispa, esta síndrome “consiste em manter um elevado número de animais sem que lhes sejam garantidas condições mínimas de cuidado e salubridade, tornando-se uma situação insustentável tanto para os animais quanto para as pessoas que os acumulam e para a comunidade circundante”.
Este transtorno levanta duas principais questões: o bem-estar animal e a saúde pública. Relativamente à primeira questão, pode ler-se no guia que “manter um elevado número de animais em si mesmo não é indicativo de acumulação, aquilo que caracteriza a situação problemática é a impossibilidade de cuidar de forma adequada, sendo que as pessoas que acumulam animais não têm perceção ou negam as consequências desta situação.”
Esta é uma perturbação mental que, como qualquer doença do foro psicológico, pode ser desencadeada por várias razões. Sara Guerra, investigadora da CINTESIS, afirma num e-book relativo às conclusões de um seminário acerca da temática que, “relativamente a eventos predisponentes, a investigação é escassa mas acredita-se que se poderá relacionar com eventos traumáticos, como perda de um adulto com quem se mantinha uma relação estável ou uma crise de saúde severa”.
Muitas frequentemente a acumulação começa desenvolver-se de forma progressiva e lenta: “As pessoas começam por acumular e ter capacidade para cuidar dos animais até que o número aumenta e deixam de ter essa capacidade”, afirma Sara Guerra.
Uma revisão de estudos a nível internacional, publicada no Journal of Mental Health por uma equipa liderada por Oscar Ribeiro, do CINTESIS/Universidade de Aveiro, afirma que “a acumulação de animais está a aumentar em todo o mundo". "Os profissionais querem apoiar as pessoas que têm este problema mas enfrentam várias dificuldades devido, sobretudo, à falta de informação sobre estratégias de intervenção eficazes.”
Não há muitos métodos para se lidar com a Síndrome de Noé. Praticamente todos os acumuladores de animais são ou virão a ser reincidentes.
O mais recente caso em Portugal
Há cerca de um mês, uma idosa de 93 anos e a filha de 67 foram retiradas de um apartamento em Lisboa onde viviam com 18 gatos, os quais, segundo a Sociedade Protetora dos Animais (SPA), estavam “num estado indescritível.”
O resgate dos 18 animais foi feito pela 5.ª divisão da Polícia de Segurança Pública - Esquadra de Penha de França, a Casa dos Animais de Lisboa e a SPA, depois de uma denúncia.
Quando lá chegaram, a SPA conta que “os gatos, a maioria deles não esterilizados, encontravam-se à nossa chegada separados em divisões com muito lixo amontoado, alguns sem acesso a luz natural e muitos sem acesso a comida e água". "Como não tinham acesso a caixas de areia, as fezes estavam espalhadas por todo o lado. Num dos quartos, a quantidade de urina era tal que foi absorvida pelas paredes em quase toda a sua altura. Neste espaço nauseabundo e sem renovação do ar avistavam-se milhares de insetos.”
Os 18 gatos retirados encontravam-se com muita fome e sede. Muitos estavam doentes, assustados, alguns cegos. As suas donas foram retiradas da habitação, tendo sido internadas por questões do foro da saúde mental.
Os animais ficaram ao cuidado da SPA, onde foram consultados, desparasitados interna e externamente e onde se encontram até ao momento a recuperar e a ter acompanhamento veterinário.
Ainda não é possível adotar os gatos, visto estarem a recuperar, mas espera-se que possam ser encaminhados para novas famílias o mais rapidamente possível.
Se quiser ajudar a Sociedade Protetora dos Animais a cobrir os custos das despesas deste resgate poderá participar na angariação de fundos que a instituição está a organizar.