Estudo revela como as infeções por covid-19  podem levar a enormes inflamações no corpo - TVI

Estudo revela como as infeções por covid-19 podem levar a enormes inflamações no corpo

  • CNN
  • Brenda Goodman
  • 10 abr 2022, 19:00
Um novo estudo ajuda a explicar como acontecem as reações imunitárias exageradas em alguns pacientes com covid-19.Foto: Scott Olson/Getty Images

O vírus SARS-CoV-2 é muito eficaz a desencadear uma vaga de reações imunitárias no corpo para combater a infeção. Até agora, não se sabia como o fazia.

Desde os primeiros dias da pandemia que os médicos repararam que, em casos graves de covid-19 – aqueles que puseram as pessoas nos hospitais ligadas aos ventiladores – a maioria das lesões internas não estava a ser causada diretamente pelo próprio vírus, mas por uma vaga de reações imunitárias desencadeadas pelo corpo para combater a infeção.

Os investigadores sabiam que essas designadas tempestades de citocinas eram prejudiciais, mas não sabiam a razão para o vírus SARS-CoV-2 ser tão bom a desencadeá-las.

Um novo estudo publicado quarta-feira na revista “Nature” ajuda a explicar como acontecem essas reações imunitárias exageradas em pacientes com covid-19.

O estudo revelou que o vírus SARS-CoV-2 pode infetar certos tipos de células do sistema imunitário chamadas monócitos e macrófagos.

As células da linha de frente do sistema imunitário são infetadas

Os monócitos e os macrófagos são glóbulos brancos da linha de frente do sistema imunitário. Têm a tarefa de circular no sangue e nos tecidos, para encontrar e destruir os agentes patogénicos. E fazem-no comendo – ou na verdade, cercando e absorvendo – as ameaças como os vírus, assim impedindo que infetem outras células.

Quando essa ameaça é absorvida, essas células têm o que pode ser melhor descrito como um “depósito de lixo celular”, chamado endossoma, que normalmente elimina o agente infecioso.

No caso do vírus SARS-CoV-2, no entanto, isso não acontece. O vírus sai do endossoma e fica no corpo da célula, onde começa a fazer cópias de si mesmo.
“Os vírus não só são absorvidos, mas depois de serem absorvidos, começam a replicar-se, algo que foi surpreendente”, disse a Dra. Judith Lieberman, imunologista pediátrica do Hospital Pediátrico de Boston, que liderou a pesquisa.

Um vírus que começa a fazer cópias de si mesmo no nosso corpo nunca é uma coisa boa, mas quando isso acontece nestas células protetoras, ele dispara um conjunto de alarmes a uma escala muito diferente.

Uma morte abrasadora

Esses alarmes, por sua vez, evocam agentes chamados inflamassomas que, em suma, reagem queimando tudo. Eles ajudam a célula infetada a morrer por piroptose, ou “morte abrasadora”.

A piroptose é um fenómeno recentemente reconhecido. Acontece também noutras doenças como a sépsis.

"Quando as células morrem por piroptose, libertam vários tipos de proteínas inflamatórias que provocam febre e chamam mais células imunitárias para o local”, disse Lieberman. Isso desencadeia uma cascata de sinais de alarme que é muito difícil de travar.

“Não temos como tratar isto, depois de começar. É como um pequeno incêndio. Espalha-se e explode e não há extintor algum que consiga apagá-lo”, disse ela.

“Acho muito fascinante”, disse Donna Farber, professora de microbiologia e imunologia da Universidade de Columbia, descrevendo o estudo. “Conseguiram realmente juntar algumas peças que nunca tinham sido juntadas.” Ela não participou do estudo.

Ao comparar as células sanguíneas de pessoas saudáveis com células de pessoas que chegaram ao hospital com covid-19 e com o sangue de pessoas que tiveram pneumonia por outras causas, os investigadores descobriram que o processo parece acontecer com mais frequência nos casos de covid-19.

“Todos os pacientes que estudámos mostravam sinais de desconforto respiratório e pneumonia. Os que tinham (SARS-CoV-2) tinham muito mais inflamassomas e células moribundas”, disse Lieberman. “Portanto, é provável que o SARS-CoV-2 seja particularmente bom a induzi-las, mas não sabemos porquê.”

Lieberman disse que o estudo também ajuda a explicar a razão para as pessoas mais velhas ou com problemas de saúde subjacentes, como obesidade ou diabetes, terem um risco maior de consequências mais graves ligadas à covid-19. As comorbidades já estão associadas a algum nível de inflamação no corpo.

“São muito, muito mais propensos a iniciar estes incêndios inflamatórios”, disse ela. “Já possuem uma espécie de queima lenta, seja como for. E depois de começar, é muito difícil de apagar o fogo.”

O papel dos anticorpos

Há outra parte do processo, porém, que sugere uma forma de detê-lo: a maneira como o vírus entra nesses glóbulos brancos.

Os monócitos e os macrófagos não possuem recetores ACE-2, as portas que o vírus usa para se ancorar e infetar outros tipos de células. Em vez disso, o vírus entra nessas células por causa de outro trabalhador do sistema imunitário - os anticorpos em forma de Y que se agarram ao vírus na tentativa de impedir que ele se acople às nossas células.

Quando os anticorpos apanham os vírus, a cauda do anticorpo - chamada porção FC – destaca-se. Esse talo atua como uma bandeira para chamar os monócitos e os macrófagos, para eles saberem que há um bandido para apanhar.

Nem todos os monócitos reconhecem os mesmos anticorpos. O estudo descobriu que as pessoas com covid-19 tendiam a ter um tipo mais invulgar de monócitos com recetores CD16. Esses recetores reconhecem os talos de anticorpos que o corpo produz para combater o vírus SARS-CoV-2.

Esses anticorpos ligam-se aos monócitos com recetores CD16, fazendo com que a célula absorva o vírus. Uma vez lá dentro, o vírus começa a tentar replicar-se, desencadeando a reação inflamatória prejudicial.

John Wherry, diretor do Instituto de Imunologia da Faculdade de Medicina Perelman da Universidade da Pensilvânia, disse que é algo sobre o qual se questionavam em relação às infeções por covid-19. Se poderia haver algum tipo de reforço da doença com os anticorpos. Wherry não esteve envolvido no estudo.

Ele disse que isso também pode acontecer com outras infeções, como a dengue. Quanto mais vezes uma pessoa for infetada com o vírus da dengue, mais doente fica a cada infeção. Isso é o oposto do que devia acontecer. Uma pessoa que recupera de uma infeção tem, geralmente, uma melhor proteção contra futuras infeções.

Alvos suscetíveis a medicamentos

Wherry disse que não há evidências de que os anticorpos que facilitam estas reações inflamatórias graves resultem de infeções anteriores ou de outros tipos de coronavírus. Ele disse que os anticorpos são produzidos rapidamente, no caso das infeções, e que os que funcionam aqui devem ter sido produzidos em resposta à doença atual da pessoa. Sendo assim, é diferente do que acontece com a dengue.

No entanto, os anticorpos gerados pelas vacinas não parecem facilitar as infeções de monócitos e as reações inflamatórias que se seguem. Isso foi testado no estudo.

“Acho que o mais interessante é que isto pode fornecer pistas e talvez alvos suscetíveis a medicamentos, se soubermos a razão para algumas das inflamações que vemos em pacientes graves de covid estarem a começar da maneira errada ou a tornarem-se descontroladas”, disse Wherry. “É aí que penso que isto é bastante interessante.”

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