Aumentos salariais anunciados pelo Governo "atenuam a perda mas não restauram o poder de compra" - TVI

Aumentos salariais anunciados pelo Governo "atenuam a perda mas não restauram o poder de compra"

    Paulo Portas
  • MJC
  • 9 out 2022, 22:45

No seu espaço de comentário semanal no Jornal das 8 da TVI, Paulo Portas analisou à lupa o acordo de rendimentos e preços anunciado este domingo por António Costa e deixou um aviso importante: não há atualização dos escalões do IRS em 2022 e isso vai se fazer sentir em 2023

Paulo Portas ficou satisfeito com o acordo de rendimentos e preços anunciado este domingo pelo Governo: "Prefiro uma politica económica com concertação social do que sem e prefiro um acordo com os parceiros da concertação social do que com os parceiros da geringonça", disse Portas no "Global", o seu espaço semanal de comentário no Jornal das 8 da TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal). 

Apesar disso, o comentador tem algumas críticas a apontar:

  • "não muda nada de significativo no IRC" (que tem uma taxa muito elevada no quadro europeu);
  • não tem atualização dos escalões do IRS em 2022 - "Quando formos entregar a declaração do IRS em maio do próximo ano, há uma parcela que se vai aproximar do escalão seguinte, por causa dos aumentos", avisa;
  • "não tem - a meu ver erradamente - nenhuma medida que ajude as famílias na questão da inflação alimentar", diz, lembrando que a União Europeia autorizou IVA zero em certos produtos básicos a partir de abril e chamando a atenção para a inflação agrícola, que está em 16%.

Por outro lado, Paulo Portas encontrou algumas coisas interessantes no acordo, nomeadamente algumas medidas de competitividade:

  • o fim da contribuição de 1% para o chamado fundo de compensação do trabalho, "que praticamente não foi utilizado";
  • a possibilidade de os congressos e convenções terem dedução do IVA (o que será bom para o turismo):
  • o aumento da comparticipação no gasóleo agrícola em 10 cêntimos;
  • a possibilidade de rever os preços nos contratos com o estado.

"Há uma medida que ainda é um enigma", considera: "Donde vem e para onde vão os tais 3 mil milhões de injeção no sistema elétrico? Serão ajuda às famílias? Ajuda às empresas?"

Quanto aos aumentos salariais, Portas recorda que é preciso ter em conta a inflação de 7,8%, que é a que o Banco de Portugal prevê. Sendo assim:

  • "na Função Pública, admitindo que haverá um aumento médio de 3,65%,  a perda é de 4,2% mais o efeito dos escalões do IRS atrás referido";
  • "no privado, que aumentou mais os salários, acima de tudo porque não consegue recrutar trabalhadores em muitas áreas, o aumento estimado (não é obrigatório) é de 5,1% - e portanto a perda é de 2,7% mais o efeito dos escalões do IRS".

Ou seja, estes aumentos "atenuam a perda mas não restauram o poder de compra", afirma Paulo Portas. Ainda assim, "é preferível ter este acordo e ter algum progresso, do que só ter propaganda".

"Não há ninguém que possa dizer neste momento se vamos ter estagnação ou recessão"

Ainda no que toca à situação económica do país, Portas recorda uma frase que o primeiro-ministro disse esta semana: "Não vamos ter nenhum cenário sem crescimento, menos ainda de recessão".

"Tomara que ele tenha razão, mas não há ninguém no mundo que possa dizer neste momento se vamos ter estagnação ou recessão", afirma Portas, criticando António Costa por ter feito "uma previsão com o tom de quem faz uma promessa". "Mas são coisas diferentes", sublinha. 

Quais são os fatores que podem ajudar Portugal a amortecer a hipótese de uma recessão? Portas refere três fatores:

  • o peso que o turismo tem no nosso PIB ("É o turismo que está a aguentar o terceiro trimestre");
  • muito estrangeiros a vir para Portugal e fazer compras em Portugal ("O que significa que vão entrar na economia portuguesa muitos recursos");
  • vai finalmente entrar em vigor uma parte do plano de resiliência que está atrasado.

"Só estes fatores podem ajudar, mas não sei se serão suficientes", avisa Paulo Portas. "Finalmente, ou nós não temos recessão e então eu não acredito que a inflação fique apenas em 4% para o ano, ou nós temos a inflação a metade do que temos este ano e eu aí não acredito na previsão de crescimento", diz, lembrando ainda que "o caminho para a dívida em 111% do PIB é o caminho certo - mas beneficiou imenso do crescimento do primeiro trimestre, quando as pessoas decidiram gastar o que tinham poupado - mas, atenção, não celebremos com propaganda - 110% do PIB é quase a duplicação da dívida que levou um governo a chamar a Troika em 2011".

Ataque à ponte de Kerch: "o efeito psicológico é terrível"

Sobre a guerra na Ucrânia, o destaque vai obviamente para o ataque à ponte de Kerch, no sábado. "Foi o pior presente de anos que Putin poderia ter recebido, no dia seguinte ao seu aniversário", afirmou Portas. "E foi, porventura, a segunda maior proeza da resistência ucraniana em termos de sabotagem e também de terror - porque por acaso houve vítimas, que estavam no lugar errado à hora errada. Mais grave ainda porque esta ponte é icónica e tem a ver com a anexação da Crimeia em 2014. O efeito psicológico é terrível, porque se trata de atingir a jóia da coroa, uma ponte de 18 quilómetros, que custou quase 4 mil milhões de euros, que é determinante para o abastecimento da Crimeia e, nesta guerra, para os militares da província de Kherson."

A pergunta que se vai colocar cada vez mais, considera Paulo Portas, "é se os alvos, em território russo ou em território que a Ucrânia reclama como seu, são legítimos". E deixa o aviso: isto "pode provocar um conflito entre a Ucrânia e os EUA, que são o seu principal fornecedor".

Neste momento, a "ameaça nuclear no mundo é considerada baixa mas mais significativa do que no início da guerra, por todos os serviços ocidentais", explica o comentador da TVI, que acredita que "o uso de armas militares técnicas - que nunca foram usadas em conflito - será sempre um ato de desespero de Putin". No entanto, se tal acontecer, o Ocidente tem quatro respostas possíveis:

  • resposta simétrica (uma resposta nuclear na Ucrânia ou na Rússia) - "o que levará a um conflito nuclear entre duas potências, que é tudo aquilo que os Estados Unidos têm tentado evitar";
  • "resposta convencional brutal", ou seja, "atacar com meios convencionais tropas russas na Ucrânia e causar-lhes um dano severo";
  • "aumentar o nível de fornecimentos à Ucrânia, mas sem atingir os meios de longo alcance";
  • "ter medo e fazer pressão junto da Ucrânia para aceitar uma negociação em posição desfavorável" - o que é pouco provável, diz Portas.

"Sem ir diretamente à guerra - não há soldados americanos na Ucrânia -, Biden tem feito tudo o que pode para que a Rússia não consiga os seus propósitos, mas há uma coisa em que falhou: é que para que as sanções sejam efetiva, os EUA precisam ou que haja mais produção de petróleo para o preço da energia baixar ou que não haja novos clientes relevantes para a Rússia." Mas o que aconteceu foi que a organização dos países produtores de petróleo (OPEP) determinou uma queda de 2 milhões de barris na produção - "Isto tem como consequência evidente aumentar os preços", explica Portas.

A fechar: dois prémios Nobel, dois livros e uma esperança para o Alzheimer

Paulo Portas elogiou a atribuição do Nobel da Medicina a Svante Pääbo "por premiar um cientista que ajudou muito a estabelecer até há 40 mil anos o genoma do ADN de que nós ainda hoje somos tributários - todos nós temos 1 a 3 % de neandertais", disse o comentador, que considera Pääbo "um investigador extraordinário, que está neste momento a tentar investigar genomas com 400 mil anos".

Portas sublinhou ainda o Nobel da Paz, atribuído ao bielorrusso Ales Bialiatski, e às organizações de defesa dos direitos humanos Memorial (russa) e Centro para as Liberdades Civis (ucraniana). A Memorial é "uma associação russa, que Putin ilegalizou, que tem um único dever: preservar a memória dos crimes de Estaline: este senhor matou à fome milhões de pessoas e aquela instituição é quem tenta evitar que as pessoas se esqueçam disso".

O comentador da TVI demonstrou também a sua felicidade (embora realista) pelas notícias sobre um novo medicamento para o Alzheimer "que é uma das doenças mais relevantes no mundo atual": "Não restaura a memória nem elimina a doença, o que faz é retardar a progressão em 27% dos casos - mas é um sinal de esperança".

Finalmente, Paulo Portas deixa duas sugestões de leitura: "O Abismo - A Crise dos Mísseis de Cuba 1962", de Max Hastings, e "Melancholia", de Francisco José Viegas.

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