Galamba fica e assim termina a relação "exemplar" entre Marcelo e Costa - TVI

Galamba fica e assim termina a relação "exemplar" entre Marcelo e Costa

O dia começou com os olhos postos no Palácio de São Bento e terminou da mesma forma, com António Costa a tomar uma decisão contrária à desejada pelo Presidente da República. E agora, o que se segue?

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Depois de um dia marcado por reuniões em São Bento e Belém na sequência da polémica que envolveu o Ministério das Infraestruturas e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP, João Galamba resolveu apresentar a demissão a António Costa. Não por "em algum momento ter agido em desconformidade com a lei ou contra o interesse público", mas "em prol da necessária tranquilidade institucional".

Em comunicado enviado às redações pouco depois das 20:00 (sendo que António Costa terminou o encontro com Marcelo às 18:45), João Galamba reiterou que o Ministério das Infraestruturas, sob sua tutela, "nunca procurou ocultar qualquer facto ou documento" à CPI.

Mas o pedido não passou disso mesmo, contra todas as expectativas, sobretudo do Presidente da República. É que, minutos depois do anúncio de Galamba (e já depois de ter sido visto a deixar o Ministério das Infraestruturas, num carro particular, sem gravata), António Costa recebeu os jornalistas na residência oficial de São Bento, em Lisboa, para comunicar que não podia aceitar esse "gesto nobre" do ministro.

"Seria seguramente muito mais fácil aceitar este pedido de demissão. Mas, entre a facilidade e a minha consciência, lamento desiludir quem vou desiludir, mas dou primazia à minha consciência", sublinhou.

No entender do primeiro-ministro, João Galamba não cometeu "qualquer falha" no que classificou como um "lamentável incidente" que ocorreu no Ministério das Infraestruturas. "Pelo contrário", frisou António Costa, argumentando que o ministro cumpriu o seu dever enquanto "servidor do Estado" ao denunciar às autoridades "o roubo de um computador com documentação classificada".

António Costa garantia assim que ia continuar a contar com Galamba no Governo, assumindo-se "convicto" de que este se irá revelar "um excelente ministro das Infraestruturas", tal como "se revelou um excelente secretário de Estado", apesar de nem todos terem a melhor opinião.

Na mesma conferência de imprensa, o primeiro-ministro foi questionado sobre um possível conflito institucional com o Presidente da República, que terá exigido a demissão de João Galamba, Costa reconheceu as divergências com Marcelo sobre esta decisão e quis assumir a responsabilidade da mesma.

“É normal. O que seria anormal era se o primeiro-ministro traísse a relação de confiança das conversas que tem com o Presidente da República expressando-se publicamente. Esta decisão [de não demitir João Galamba] é minha, responsabiliza-me integralmente, e o senhor Presidente da República, no exercício das suas funções, expressará ou não o entendimento que tem – entendimento que respeito”, declarou, passando a batata quente ao chefe de Estado.

António Costa ainda estava a responder às questões dos jornalistas quando chegou à CNN uma nota da Presidência da República a dar conta que Marcelo Rebelo de Sousa discordava da decisão do primeiro-ministro. Ecoando as palavras do líder do Governo, ao lembrar que o chefe de Estado não pode exonerar um membro do Governo sem ser por proposta do primeiro-ministro, Marcelo quis deixar claro que "discorda da posição deste quanto à leitura política dos factos e quanto à percepção deles resultante por parte dos portugueses, no que respeita ao prestígio das instituições que os regem".

A oposição esperou pelo desenrolar dos acontecimentos para reagir na Assembleia da República. O PSD foi o único partido que quis deixar a reação de viva voz para esta quarta-feira, depois de uma primeira reação de Luís Montenegro nas redes sociais, logo após o pedido de demissão de João Galamba, na qual acusou o primeiro-ministro de falta de liderança.

Enquanto a IL e o Chega acusaram Costa de enfrentar o Presidente da República - os liberais falam mesmo numa "humilhação pública" - e defendem a dissolução do Parlamento, o PAN e o Livre consideram que a convocação de eleições antecipadas não seria a solução, mas sim uma reformulação "mais profunda" do Governo. Já o PCP desvalorizou a polémica, sem responder se defende ou não a convocação de eleições antecipadas, e o Bloco lamenta a continuidade de "ministros que mentem sucessivamente".

Costa e Marcelo, uma relação que "nunca mais regressa aos bons tempos"

Os analistas e comentadores políticos não têm dúvidas de que, a partir desta terça-feira, a relação entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa não será igual.

No entender do ex-deputado social-democrata Ângelo Correia, esta relação "nunca mais regressa aos bons tempos em que Marcelo apoiava este Governo". "António Costa tem a perfeita consciência de que abriu um contencioso com o Presidente da República e que o resultado final, mais dia menos dia, será [a convocação de] eleições antecipadas", assume o engenheiro à CNN Portugal.

E o primeiro-ministro "vai preferir ter eleições antecipadas nos próximos tempos do que daqui a um ano ou dois", aponta Ângelo Correia, concretizando que António Costa "deve ter percebido que a única janela de oportunidade onde pode ter algum sucesso é nos próximos tempos".

Também o ex-ministro socialista Adalberto Campos Fernandes acredita que a "cooperação exemplar" entre o Palácio de Belém e São Bento a que nos habituámos "sofre um grande abanão" com esta decisão de António Costa. "Esta reação do primeiro-ministro é de uma profunda injustiça para com um Presidente da República que, nos últimos anos, foi um suporte essencial desta maioria absoluta quando ela ainda não era absoluta", argumenta o ex-ministro da Saúde.

Por sua vez, o socialista Vitalino Canas recorda que conhece António Costa "há muitos anos", tempo suficiente para já ter percebido que o primeiro-ministro "não gosta de partilhar a autoridade", algo que, sugere, tem vindo a acontecer com Marcelo. Por isso, o socialista considera que esta foi "uma jogada de altíssimo risco" por parte de Costa para reforçar a ideia tradicional de que num sistema semipresidencial, quando há uma maioria parlamentar, como é o caso, "o primeiro-ministro é quem manda".

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