Greve de professores, greve nos transportes: podem os trabalhadores justificar as faltas? - TVI

Greve de professores, greve nos transportes: podem os trabalhadores justificar as faltas?

Greve encerra escolas (NurPhoto / Getty)

A lei não prevê justificar faltas devido à greve dos professores, mas há quem entenda que isso é possível. Mas não só. Por exemplo, uma falta devido a greves nos transportes também se pode justificar

Nos últimos dias, com muitas de escolas fechadas em todo o país devido à greve dos professores e pessoal não docente, muitos pais sem alternativas foram obrigados a faltar ao trabalho para poderem ficar com os filhos. A lei não é clara, mas há quem entenda que estas faltas podem ser justificadas. Tal como noutras situações como, por exemplo, na greve dos transportes.

“A legislação não prevê a justificação de faltas com greves de professores”, explica à TVI/CNN Portugal Luís Gonçalves da Silva, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, advogado e consultor da Abreu Advogados. Todavia, este especialista em matérias do Direito do Trabalho considera válida uma norma prevista no Código do Trabalho que prevê a “impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador”.

Na alínea d), no Artigo 249.º do já referido Código – relativo ao tipo de faltas - pode ler-se: “A motivada por impossibilidade de prestar trabalho devido a facto não imputável ao trabalhador, nomeadamente observância de prescrição médica no seguimento de recurso a técnica de procriação medicamente assistida, doença, acidente ou cumprimento de obrigação legal.”

Quem discorda da possibilidade de justificar as faltas, alega que está escrito “nomeadamente” e entende essa palavra como “exclusivamente”. Luís Gonçalves da Silva discorda e explica que “o que está escrito é nomeadamente, e nomeadamente é exemplificativamente”. 

Ou seja, poderia incluir “algum género de cláusula” relativa a “comportamentos societariamente exigidos”. O advogado explica com exemplos concretos: “Um exemplo típico, vou sair de casa e a minha vizinha tem uma inundação. Chamo os bombeiros e fico no local a acompanhar. Um cão que foi atropelado e vou ajudá-lo. Estas são situações em que valores da sociedade permitiriam ou exigiriam uma determinada conduta”. Que pode chegar mesmo a obrigações legais.

“Quando se fala de filhos o que costumo defender”, acrescenta o professor, “é que os pais têm um poder dever relativamente aos filhos. Entre eles o dever de assistência, o dever de cuidado, vigilância, fiscalização, entre outros. Isto resulta de um quadro constitucional - ainda que mais largo - e, depois, resulta também de regras legais”.

“Em muitas situações o teletrabalho é a solução”

O mais importante, na sua opinião, é “o bom senso”. E lembra que durante a pandemia muitas pessoas ficaram em teletrabalho. É por isso que diz que esta pode ser “uma falsa questão” e que “em muitas situações o teletrabalho é a solução”.

Apesar de admitir que se possa recorrer à figura do “apoio à família”, Luís Gonçalves da Silva lembra que há “um limite de tempo” e “se tiverem em greve o ano inteiro, não há limites que cheguem”.

Colocando-se do lado do empregador assume: “Compreendo que ‘o que é que o empregador tem de responsabilidade que haja uma greve ou a escola esteja fechada?’ Porque é ele que vai ficar sem o trabalhador. Ainda por cima se a falta for, como deveria ser, justificada, ainda paga. Reconheço esse ponto”. E é por isso que insiste no “bom senso” e até que se faça “uma discussão alargada sobre o tema”.

Mas as greves dos professores não o único motivo para se faltar

Recentemente, em Lisboa, o mau tempo levou à recomendação de todos ficarem em casa e muitas escolas fecharam. “Aqui tenho menos dúvidas, aplicaria mesmo a alínea d). A situação não imputável ao trabalhador”, assume de forma clara o advogado. Seja porque foi preciso ficar com os filhos, seja porque não foi possível chegar ao local de trabalho.

E nas greves aos transportes? Também se aplica? “Claramente”. Todavia, lembra que “o trabalhador deve comunicar a sua ausência, se previsível com uma antecedência mínima de cinco dias. Não sendo previsível, deve comunicar logo que possível”. Até porque as greves podem ser parciais, podem “ser só autocarros ou só metro”. “Há muitas variáveis”, acrescenta.

Mas para si não há dúvidas de que um “trabalhador não é obrigado a ter carro, não é obrigado a ter bicicleta, não é obrigado a viver em zonas com transportes à porta”. E se o metro parar ou houver uma inundação e “o metro é o único meio de transporte daquele trabalhador”?

Uma coisa é certa. A entidade empregadora “pode exigir a prova no prazo de 15 dias e o trabalhador tem que apresentar a prova em prazo razoável”. Quando não for possível de imediato, tem de a apresentar assim que conseguir.

Confap pede “serviços mínimos” nas escolas

A Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap) também já se mostrou preocupada com a situação atual vivida nas escolas e apelou ao Governo para “com urgência, decretar serviços mínimos" para que os alunos possam permanecer na escola em segurança e com refeições.

Disse ainda que a sociedade foi “surpreendida por um modelo de intervenção sem precedentes com consequências incompreensíveis no regime de faltas e de permanência nas escolas, impossíveis de gerir por parte das famílias e dos alunos, e que, a ser mantido, trará enormes constrangimentos a todos, nomeadamente às famílias de crianças e jovens que frequentam o ensino escolar obrigatório, colocando em perigo o rendimento que as famílias necessitam para a sua subsistência e, até, o seu próprio vínculo laboral”.

Face ao contexto, apela “ao labor legislativo, tendo em vista assegurar que qualquer pai ou encarregado de educação de alunos até aos 12 anos tenha faltas justificadas ao trabalho, sempre que se verifique o forçoso encerramento do estabelecimento de ensino do seu educando”.

O que aconselha a Deco?

A Deco, a Associação de Defesa dos Consumidores, elaborou uma página que ajuda a explicar aos pais - que precisem de faltar ao trabalho para ficar com os filhos - o que podem e devem fazer, segundo o que defendem os juristas que trabalham na associação. Deixamos aqui algumas dessas indicações:

Posso justificar a falta ao trabalho por motivo de greve dos professores?
A legislação não prevê, em concreto, esta justificação, mas a Deco considera que a resposta deve ser dada de acordo com a idade da criança e respetivo enquadramento familiar.

O Código do Trabalho prevê que, em caso de acidente ou doença, os pais possam faltar até 30 dias por ano para prestar assistência inadiável e imprescindível a filho menor de 12 anos, ou sem limite de idade para filhos com doença crónica ou deficiência. Para os filhos maiores de 12 anos, está previsto um limite de faltas até 15 dias por ano.

Além das situações de acidente e doença, a legislação prevê também que o trabalhador possa faltar justificadamente por motivos que não lhe sejam imputáveis para o cumprimento de uma obrigação legal. Ora, os progenitores têm a obrigação legal de prestar assistência a filhos. Aliás, caso não o cumpram, podem ser alvo de procedimentos judiciais (como a intervenção da CPCJ ou do Tribunal de Família).

Apesar de não existir uma óbvia obrigatoriedade das entidades patronais aceitarem estas justificações, devem ser procuradas soluções alternativas — como o teletrabalho, por exemplo — para que os trabalhadores não sejam prejudicados num período de constrangimentos do normal funcionamento das escolas.

Devo apresentar algum documento para que a falta seja justificada pela minha entidade patronal?
Deve obter um comprovativo do encerramento do estabelecimento de ensino e de que o filho menor aí está matriculado.

Se a escola está fechada, onde peço o comprovativo?
Se não for possível obter o comprovativo por encerramento do estabelecimento de ensino, essa justificação pode ser entregue logo que o progenitor consiga obter a declaração da escola ou do respetivo agrupamento de escolas, ou seja, o que a lei designa por prazo razoável.

O que devo fazer se o meu patrão não aceitar a justificação da falta?
Se a justificação da falta for recusada pela entidade empregadora, poderá recorrer à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e ainda ao Tribunal do Trabalho, apresentando os seus argumentos.

A entidade patronal pode obrigar-me a gozar férias nos dias de greve em que preciso de ficar com os meus filhos?
Não. Contudo, caso a falta seja considerada injustificada, o trabalhador pode substituir a falta por perda de dias de férias que não excedam os 20 dias úteis. Ou seja, se o trabalhador tiver direito a 22 dias de férias, pode renunciar a até dois dias.

Se o teletrabalho for possível, a entidade patronal tem de o aceitar nestas situações?
Sim, no caso de se tratar de um encarregado de educação com filho até três anos, ou até aos oito anos, no caso de ambos os progenitores reunirem condições para o exercício da sua atividade em teletrabalho. Também deve ser aceite no caso de famílias monoparentais ou em situações em que apenas um dos progenitores, comprovadamente, reúna condições para o exercício da atividade em teletrabalho.

A empresa pode instaurar processo disciplinar se faltar muitas vezes por causa da greve?
Pode, em duas situações: caso as faltas, independentemente do número, causem prejuízo ou risco grave para a empresa, ou se o número de faltas atingir, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas, independentemente do prejuízo ou risco.

O calendário das greves nas escolas

O Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP) iniciou em 09 de dezembro uma greve por tempo indeterminado, que deverá prolongar-se, pelo menos, até ao final do mês, e está a organizar uma marcha em Lisboa no sábado, dia 14 de janeiro.

Outras oito estruturas, entre as quais a Federação Nacional de Professores (Fenprof), também têm promovido um conjunto de protestos, incluindo uma greve por distritos a partir de segunda-feira e uma manifestação nacional no dia 11 de fevereiro. A Fenprof começou um acampamento frente ao Ministério da Educação dia 10 de janeiro, que só deverá terminar dia 13 às 16:00 horas.

Além disso, a Fenprf vai dar início a 16 de janeiro, em Lisboa a uma greve nacional por distritos, que se prolonga até 8 de fevereiro. Além da Fenprof, esta decisão é subscrita por outras sete organizações de profissionais da educação. Veja aqui a lista completa dos dias e dos distritos.

Greves já marcadas nos transportes públicos

Transportes rodoviários do Norte - 13 de janeiro e 6 de fevereiro

O Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos do Norte (STRUN) enviou um pré-aviso de greve para as empresas do grupo Transdev para os dias 13 de janeiro e 6 de fevereiro.

"Perante a arrogância e a falta de cedência da administração das empresas, e a justa reivindicação destes trabalhadores", o STRUN marcou esta greve que se vai realizar das 00:00 às 24:00 nestes dois dias.

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