Os professores regressam ao protesto esta sexta-feira, naquela que, acreditam os sindicatos, será a primeira grande greve do ano, depois das paralisações convocadas pelo S.TO.P! para a última semana. Este protesto foi convocado em julho pela plataforma sindical conhecida como G9 e que integra as duas maiores estruturas sindicais, FNE e Fenprof, mas também SIPE, ASPL, PRÓ-ORDEM, SEPLEU, SINAPE, SINDEP e SPLIU. A greve coincide com um outro protesto na Administração Pública, também esta sexta-feira, e antecede a paralisação dos assistentes operacionais, convocada pelo Sindicato Nacional dos Profissionais da Educação (SINAPE), marcada para a próxima segunda-feira.
“Temos expectativas que o dia se possa revelar como um grande dia de greve e com uma grande adesão. O impacto vai ser muito, muito grande e acreditamos que a maior parte das escolas do país não venham a ter condições para abrir, garantindo as condições mínimas de segurança”, alerta Pedro Barreiros, secretário-geral da Federação Nacional de Educação (FNE).
Também a Federação Nacional de Professores (Fenprof) considera que a greve terá uma grande expressão. "Os professores perceberam o que está em cima da mesa", resume José Feliciano Costa, secretário-geral adjunto.
FNE e Fenprof são unânimes em considerar que as declarações do primeiro-ministro, António Costa, na última segunda-feira, em entrevista à CNN Portugal, vieram acicatar ainda mais a indignação dos docentes e apontam a “intransigência” do chefe de Governo como responsável por parte da adesão à greve nesta sexta-feira. “Não se admite que, num contexto negocial em que, supostamente, há abertura de portas ou de janelas para negociar com os sindicatos, a resposta do primeiro-ministro seja, pura e simplesmente ‘nem pensar’”, considera Pedro Barreiros.
"O que o senhor primeiro-ministro diz é mentira, porque diz que implicava também fazer recuperação do tempo de serviço noutras carreiras. Essa recuperação já foi feita. A carreira docente é a única carreira da Administração Pública que não teve recuperação do tempo de serviço. Os 200 e tal a 300 milhões que eles estimam que vá custar essa recuperação do tempo de serviço é um custo que vai diminuindo ano a ano, porque os professores vão-se reformando. Daqui a 10 anos, já nem há é tempo para recuperar, porque os professores já se terão reformado todos", diz Feliciano Costa, dirigente da Fenprof.
Pedro Barreiros garante que, apesar do cansaço, os professores não perderam o fulgor da luta. “Há a noção dos professores de que a sua luta é justa, de que a sociedade e a generalidade dos partidos políticos convergem no sentido da necessidade de resolução dos problemas e de pacificação do clima que se vive nas escolas. E depois há um primeiro-ministro que, com as suas declarações, a sua teimosia e a sua intransigência, em nada contribui para essa pacificação”, sublinha o dirigente da FNE, acrescentando que, “se nada fizer, este Governo ficará responsável por um dos períodos mais negros da história da Educação em Portugal”.
Diretores “curiosos” e na “expectativa”
Os diretores escolares colocam-se ao lado dos docentes e reconhecem o sentimento de “injustiça” que reina na classe. “O tema fraturante entre o Ministério da Educação e os sindicatos é a recuperação dos 6 anos 6 meses e 23 dias congelados. É um assunto que vai ter de ser resolvido em mais do que uma legislatura. Mas podia ser positivo e apaziguar o clima que se vive nas escolas um pacto na Educação em que o tema fosse esse”, considera Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas (ANDAEP).
Mas o também diretor do Agrupamento de escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, sublinha que os problemas da escola pública que estão na origem da “insatisfação e do cansaço” dos professores vão muito além do tempo de serviço congelado. A começar precisamente pela falta de docentes. “Não há solução à vista, não há uma luz ao fundo do túnel para resolver a falta de professores, que é um problema mundial, mas é sobretudo um problema nacional”, lamenta.
Ainda assim, Filinto Lima prevê que a greve não se reflita no funcionamento das escolas e não tenha sequer grande expressão, considerando que o “instrumento de luta foi banalizado por um certo sindicato e que os professores e os sindicatos podem estar todos a pagar pelo mesmo erro, que foi um erro estratégico desse sindicato”, referindo-se às greves por tempo indeterminado convocadas no último ano letivo pelo S.TO.P!. “A greve de há uma semana teve uma expressão zero ou quase zero. Um certo sindicato banalizou, durante um ano, o recurso à mais nobre forma de protesto que é a greve. Neste momento nas escolas não se fala da greve. Fala-se da insatisfação, do descontentamento, dos problemas no setor, mas não se fala de greve. Estamos, por isso, todos na expectativa e na curiosidade de ver se esta greve irá ter ou não adesão e expressão”, analisa.
Protesto num “início de ano conturbado”
Cristina Mota, uma das porta-vozes do movimento Missão Escola Pública, lembra que as greves desta sexta-feira e da próxima segunda encontram o setor da Educação naquele que “se sabia, à partida, que iria ser um início de ano letivo conturbado”. “O dia foi escolhido para fazer alusão ao dia de tempo de serviço congelado e é o dia a seguir ao Dia do Professor. Foi a data encontrada pelos sindicatos para marcar essa simbologia. E vem lembrar que as medidas que podiam ser tomadas para evitar um ano letivo conturbado e não foram”, diz Cristina Mota.
A responsável aproveita para lembrar, mais uma vez, aquelas que são as grandes bandeiras do movimento e denuncia o que continua mal na Escola Pública. “Desde logo a falta de professores e a falta de respeito pelos professores que é fomentada junto da opinião pública por declarações da tutela. A classe docente tem sido alvo de críticas por parte das diferentes tutelas, que têm cultivado na opinião pública uma imagem degradada da profissão. É uma imagem que temos vindo a conseguir reverter, mas que continua a ser degradada por parte de quem nos governa”, acusa.
À lista, acrescenta as escolas deterioradas, a falta de assistentes operacionais e técnicos especializados, a falta de condições de trabalho, a burocracia que teima em crescer, ao contrário do que é anunciado pelo Governo. “Temos decretos a serem aprovados que desvalorizam a profissão, uma reunião com os sindicatos no início desta semana que em nada beneficia a profissão e, coincidência ou não, as declarações do primeiro-ministro também no início desta semana que nos deixaram a todos indignados”, sublinha Cristina Mota.
“Convocações de luta muito importantes, seja qual for o sindicato”
O movimento Missão Escola Pública, que faz questão de sublinhar a sua independência em relação aos sindicatos e aos partidos políticos, apoia o protesto e todas “as convocações de luta, que são muito importantes nesta fase”, prevendo uma “grande adesão, seja qual for o sindicato que as convoque”. Em conversa com a CNN Portugal, Cristina Mota lembra que o protesto acontece a poucos dias da entrega do Orçamento do Estado para 2024 (marcada para dia 10). Os docentes têm pouca esperança que traga boas novas em termos de investimento na Educação.
“Com os professores em protesto, a percentagem do PIB devia crescer e não diminuir, como tem vindo a acontecer desde 2010. Era 6.7 pontos percentuais em 2010 e, no ano passado, foi de 4.6. De acordo com dados do INE e PORDATA desde 1996, o investimento em Educação nunca foi tão baixo”, sublinha.
A professora de Matemática, com cerca de 20 anos de serviço, conhece bem a Escola Pública que defende e acrescenta que é fundamental que o modelo de gestão das escolas seja revisto. “É um modelo completamente autocrático, sem que as decisões de grupo, de departamento, de grupo disciplinar sejam tidas em conta. Muitas vezes são aprovados projetos sem serem ouvidos professores. Projetos que, muitas vezes, servem apenas para camuflar o insucesso dos alunos. Os grupos disciplinares deixaram de ter um papel ativo nas escolas”, acusa.
“O método de eleição dos diretores das escolas não é democrático. O diretor não é eleito pelos professores. É eleito por um conselho onde estão incluídos autarcas, ligados a partidos políticos, o que faz com que, em muitos casos, a gestão das escolas esteja comprometida politicamente”, denuncia.
A greve ocorre no âmbito da Semana Europeia dos Professores e está integrada numa série de iniciativas que passaram pela preparação de uma moção para entregar ao primeiro-ministro, a inauguração de outdoors nas principais vias rodoviárias do país e inauguração, este sábado, no Funchal, da estátua “A Professora”, da autoria de Francisco Simões, professor e escultor.
José Feliciano Costa, secretário-geral adjunto da Fenprof, admite que as reivindicações dos professores “não vão ser resolvidas a curto prazo”, mas garante que a classe está preparada para continuar a luta, perante a “teimosia” do Governo.