uando a Rússia iniciou a invasão em larga escala da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, milhares de empresas estrangeiras limitaram as suas operações ou deixaram mesmo o país como forma de condenar o conflito. Um dos casos mais sonantes foi o da McDonald’s: depois de mais de três décadas em solo russo, a cadeia de restaurantes de fast food norte-americana fechou as portas dos 850 restaurantes da marca no país e vendeu o negócio a um comprador local.
No entanto, outras multinacionais, oriundas de países como Alemanha, França, Itália ou Estados Unidos, continuam em atividade na Rússia. Auchan, Nestlé e Unilever são apenas algumas das empresas cujos bens e serviços que fornecem, assim como os impostos que pagam no país, contribuem para que o Kremlin continue a levar a cabo a sua guerra em território ucraniano.
De acordo com o Leave Russia (na tradução para português, significa “Sair da Rússia”), um projeto conjunto da Kiev School of Economics e de voluntários ucranianos da área das Tecnologias de Informação que lista as empresas internacionais com presença no mercado russo, recorrendo a uma base de dados da Universidade de Yale, há mais de 1.400 companhias estrangeiras que permanecem no país.
Uma delas é a Auchan, que continua a operar cerca de 240 lojas e a empregar milhares de trabalhadores através da sua subsidiária na Rússia. Em março deste ano, a Reuters noticiava que a cadeia retalhista francesa negou alegados planos de abertura de um novo supermercado no país, afirmando que “a Auchan na Rússia trabalha de forma autónoma, sem investimentos da empresa-mãe”. Anteriormente, justificou a manutenção em território russo dizendo que cessar as suas atividades na Rússia seria uma “falência premeditada” e acrescentou que continuaria a ser leal a uma “população que não tem qualquer responsabilidade pessoal” na guerra.
No setor têxtil, a Benetton, marca italiana associada à defesa da diversidade e igualdade racial, decidiu continuar as operações na Rússia como habitualmente. Embora tenha doado roupa e apoio a refugiados ucranianos e suspendido os planos de futuros negócios no país, o grupo defende-se com as suas “relações de longa data com parceiros comerciais e locais” e “uma rede de lojas que emprega mais de 600 famílias”.
Outra empresa da indústria do vestuário que se mantém na Rússia é a Guess. Esta fabricante norte-americana está, aliás, a duplicar os seus investimentos no país, readquirindo participações no seu negócio russo a parceiros locais e, aparentemente, aumentou em mais de 20% as suas receitas após a invasão, para cerca de 49,9 milhões de dólares.
A britânica Unilever, dona de marcas como a Dove, Cif, Lipton ou Axe, comprometeu-se a não fazer mais investimentos nem a obter lucros com a sua presença na Rússia, suspendendo todas as trocas comerciais dos seus produtos e as despesas com publicidade no país. No entanto, a empresa sediada em Londres não parece ter cumprido as promessas feitas ainda em março do ano passado, já que a sua entidade local duplicou os lucros para 9,2 mil milhões de rublos (95 milhões de euros) e aumentou em 10% o investimento em publicidade para 21,7 mil milhões de rublos (224 milhões de euros) face a 2021.
“Nós entendemos porque é que pedem à Unilever para sair da Rússia”, afirmou a empresa em julho deste ano, em reação a um protesto de uma organização de solidariedade para com a Ucrânia que acusava a companhia britânica de “patrocinar” a guerra da Rússia. Porém, “para empresas como a Unilever, que têm uma presença física significativa no país, a saída não acontece de uma vez”, justificou.
Entre as empresas de bens de consumo presentes na Rússia, encontra-se também a Nestlé. A gigante suíça prometeu vender apenas “bens essenciais” no país, como por exemplo leite em pó para bebés; mas, segundo o jornal suíço Neue Zürcher Zeitung, as prateleiras dos supermercados russos continuam a ter alimentos para animais de estimação, chocolates, cereais ou café das várias marcas detidas pela empresa — que também já foi acusada pelo Governo ucraniano, de “patrocinar a guerra de Putin”.
Não tão surpreendente como os exemplos anteriores, por ter origem na China, um país com uma posição neutra relativamente ao conflito na Ucrânia, a retalhista de comércio eletrónico Alibaba continua a operar em território russo através da joint venture AliExpress, cujos lucros ascenderam a cerca de 160 milhões de dólares em 2022.
Por sua vez, a Cloudflare é uma das poucas empresas tecnológicas ocidentais que continuam a fornecer serviços de Tecnologias de Informação na Rússia, argumentando que a população russa merece continuar a ter acesso à internet fornecido pela Cloudflare. Em março, Matthew Prince, cofundador e diretor executivo da empresa, escreveu que “a Rússia precisa de mais acesso à internet, não de menos”. Esta posição, porém, exagera a importância da empresa norte-americana, visto que os russos dificilmente perderiam a capacidade de aceder à internet sem a Cloudflare. Embora tenha uma atividade comercial e de vendas mínima no país, tendo tomado medidas para garantir que não paga impostos ou taxas ao Governo russo, a tecnológica considera que sair da Rússia seria mais prejudicial do que benéfico.
Já a Emirates Airlines e a Etihad Airways são duas das companhias aéreas que tiraram partido do facto de as transportadores ocidentais já não poderem sobrevoar o espaço aéreo russo, passando a oferecer rotas mais curtas e mais baratas do que as que as companhias aéreas ocidentais podem agora fazer. Estes voos são possíveis porque os Emirados Árabes Unidos não implementaram sanções contra a Rússia.
Umas empresas mantêm maior presença que outras na Rússia, mas é preciso notar que se tornou mais difícil sair em definitivo do país, uma vez que o Kremlin impôs novas regras para tornar mais cara a saída de empresas de “países hostis” que aplicam sanções a Moscovo devido à guerra na Ucrânia. Em março, o Ministério das Finanças russo instituiu que os investidores estrangeiros devem doar ao Estado pelo menos 10% da venda dos seus ativos ao abandonarem o país. A Danone e a Carlsberg são exemplos de empresas que estavam a finalizar as vendas das suas operações a compradores locais quando o Presidente russo, Vladimir Putin, assinou uma ordem de nacionalização dos seus ativos locais no início de julho.
Ainda assim, a cervejeira Heineken conseguiu concluir, na sexta-feira, o acordo para vender os seus ativos e deixar a Rússia, tornando-se uma das poucas empresas de consumo a retirar-se com sucesso do país desde que o Kremlin alterou as regras. De acordo com uma nota, a cervejeira neerlandesa teve uma “perda cumulativa total esperada de 300 milhões de euros”. A Heineken estava na Federação Russa há 20 anos e este mercado representava 2% das suas vendas totais.