Como vai acabar a guerra da Rússia? Uma visão inabalável da Ucrânia - TVI

Como vai acabar a guerra da Rússia? Uma visão inabalável da Ucrânia

  • CNN
  • David A. Andelman
  • 17 mai 2023, 08:00
Oksana Markarova embaixadora da Ucrânia nos EUA Foto AP

ENTREVISTA | Embaixadora da Ucrânia nos Estados Unidos, Oksana Markarova, define o que o seu país considera uma vitória. E como pretende lutar por isso

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Quase 15 meses depois, intensificam-se as sugestões de que as negociações serão essenciais para qualquer desfecho da guerra da Rússia contra a Ucrânia e, mais ainda, que a China poderá desempenhar um papel fundamental para pôr fim ao conflito.

De facto, a China enviou esta semana o seu antigo embaixador na Rússia, Li Hui, à Ucrânia, bem como à Polónia, França, Alemanha e Rússia, numa tentativa de avançar para “conversações de paz” mediadas por Pequim.

Mas Oksana Markarova, a indómita embaixadora da Ucrânia nos Estados Unidos, tem-se mostrado impermeável a qualquer sugestão de negociações sem um claro ponto final: a libertação de toda a Ucrânia.

Na sua opinião, e na do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky - que ela conhece bem e representa nos EUA -, a boa vontade e o apoio de que depende o futuro da sua nação têm de ser inabaláveis.

Nota do editor: David A. Andelman é colaborador da CNN, duas vezes vencedor do Prémio Deadline Club, cavaleiro da Legião de Honra Francesa, autor do livro “A Red Line in the Sand: Diplomacy, Strategy, and the History of Wars That Might Still Happen” [tradução à letra: "Uma Linha Vermelha na Areia": Diplomacia, Estratégia e a História de Guerras Que Ainda Podem Acontecer"] e de blogs Andelman Unleashed. Foi anteriormente correspondente do The New York Times e da CBS News na Europa e na Ásia. As opiniões expressas neste comentário são as suas próprias

Será necessário que os aliados da Ucrânia continuem, e até acelerem, os esforços que têm poucos precedentes na história moderna.

Zelensky, no passado fim de semana, embarcou nos seus mais recentes esforços - uma campanha por toda a Europa, pressionando os líderes de Itália, Alemanha, França e, na segunda-feira, do Reino Unido, para obter ajuda militar antes de uma muito esperada ofensiva de primavera. Para Zelensky, a pressão é grande.

O seu objetivo parecia bastante simples, se bem que, por enquanto, distante: equilibrar a pressão externa para negociações pós-ofensiva e as expectativas dos seus próprios cidadãos de uma retirada total da Rússia para as linhas anteriores a 2014.

A sua representante nos EUA, a embaixadora Markarova, de 46 anos, é filha de ucranianos e arménios. Foi antes ministra das Finanças e a sua nomeação assinalou os esforços de Zelensky para realçar a importância que atribui ao cargo de embaixador nos EUA.

Com formação em finanças públicas, Markarova desempenhou um papel fundamental na reestruturação de 15 mil milhões de dólares da dívida externa da Ucrânia junto do FMI e dos detentores de obrigações privadas.

Na semana passada, conversei com Makarova sobre a trajetória da guerra, a esperada ofensiva das forças ucranianas e, sobretudo, sobre o “final do jogo” e o papel que a China poderá, ou deverá, desempenhar.

A nossa conversa foi editada para efeitos de maior clareza.

David A. Andelman: Neste momento, parece que a Ucrânia está prestes a lançar a sua ofensiva de Primavera.  O que considera ser um resultado positivo?
Embaixadora Oksana Markarova:
O nosso objetivo é libertar o nosso país. E com isso queremos dizer dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas.

Todos sabemos que a guerra não começou no dia 24 de fevereiro [de 2022] - a guerra começou em 2014, quando a Rússia ocupou ilegalmente a Crimeia e partes de Donetsk e Luhansk. Passámos oito anos literalmente a tentar utilizar todas as soluções diplomáticas para restaurar a nossa integridade territorial.

A Rússia utilizou [esse tempo] para se preparar para atacar, e atacou de facto. Já conseguimos libertar metade do que a Rússia ocupou desde o dia 24. Portanto, o objetivo é muito claro. Agora temos de libertar toda a Ucrânia.

Não sabemos quantas ofensivas serão necessárias. Toda a gente fala de uma ofensiva na Primavera. As pessoas gostam de pôr nomes às coisas.

Mas para nós é apenas uma rotina diária e muito difícil para os nossos corajosos defensores. Eles estão a tentar não permitir que os russos avancem. E estão a tentar libertar o máximo possível do nosso território, o mais rapidamente possível, com o objetivo de o libertar na totalidade.

Andelman: Em termos da ofensiva que se aproxima, o que é necessário para avançar para um objectivo final? O que é que precisamos desta ofensiva?
Markarova:
Não sou especialista em arte militar e nem sequer vou fingir que o sou. Confiamos realmente nos nossos comandantes militares. Confiamos no nosso Presidente. Eles provaram, desde 24 de fevereiro [de 2022], que são capazes de tomar decisões no momento certo, quando as decisões devem ser tomadas.

Assim, na ofensiva de Kiev do ano passado, foram capazes de libertar Kiev quando as forças russas já estavam à entrada da capital.

Depois, assistimos a uma ofensiva muito difícil e competente que foi conduzida em Kharkiv - literalmente, em seis dias, todo o “oblast” de Kharkiv foi libertado.

Vimos como foi difícil porque, infelizmente, os russos tiveram tempo para se preparar e criar camadas de defesa. Por isso, agora sei que nos estamos a preparar para todos os cenários. Sei que os nossos corajosos defensores estão a treinar, literalmente, 24 horas por dia, 7 dias por semana.

Estamos a tentar obter equipamento, porque esse é também um ingrediente. Confiamos que os nossos comandantes militares, que trabalham nisto dia e noite, o farão quando virem a melhor janela de oportunidade.

Ao mesmo tempo, não quero que pareça que não está a acontecer nada, porque as linhas da frente estão muito ativas. Continuam a ocorrer combates muito pesados em Bakhmut e noutros locais ao longo de toda a grande frente, além de ataques com mísseis em toda a Ucrânia.

Esta continua a ser a realidade em que vivemos há 442 dias.

Andelman: Há alguns anos, antes de ele se tornar Presidente do Estado-Maior Conjunto, perguntei ao General Mark A. Milley o que seria necessário para ganhar a guerra no Afeganistão. Ele respondeu: "Diga-me o que considera ser a vitória e eu dir-lhe-ei o que é necessário para a alcançar".
O que é que vê como vitória e de precisa para a alcançar? E acha que está em sintonia com os seus apoiantes americanos?
Markarova:
A Ucrânia tem sido muito clara desde o primeiro dia, esta invasão horrível é uma guerra total a sério. Desde o início, o nosso Presidente tem sido muito claro, dizendo que precisamos de libertar a Ucrânia dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas.

Ele debateu este assunto com todos os seus homólogos durante conversas telefónicas, durante reuniões – e foi muito claro.

Ouvimo-lo também dos nossos parceiros estratégicos aqui presentes, e mesmo na recente conversa telefónica do nosso Presidente com o Presidente Xi. Vi leituras muito pormenorizadas.

Não haverá concessões e temos de libertar toda a Ucrânia, incluindo a Crimeia. O nosso objetivo tem sido muito claro desde o início e comunicámo-lo a todos os nossos amigos e aliados.

Andelman: Acha que esse acordo é partilhado por todos?
Markarova:
Nunca ouvimos nada diferente. Se olharmos para as resoluções da ONU, o mundo civilizado nunca reconheceu a anexação da Crimeia e nunca reconheceu a ocupação brutal de Donetsk e Luhansk antes de 24 de fevereiro [de 2022].

Tivemos sempre um enorme número de países a apoiar as resoluções, a condenar os referendos fictícios, a agressão, a exigir a saída da Rússia.

Andelman: Considera necessário um mediador para avançar com o processo de paz?
Markarova:
Bem, se o mediador conseguir fazer com que [o Presidente russo Vladimir] Putin pare a sua guerra, então sim. Mas, de certa forma, um mediador é necessário quando existem dois lados da história e os dois lados têm alguns desacordos, que estão dispostos a resolver, e precisam de uma terceira parte para os ajudar a fazê-lo.

Não é necessário um mediador para que a Rússia adira a uma resolução vinculativa [da ONU] e saia da Ucrânia. Oksana Markarova

Na nossa situação, não há dois lados da história. Há um agressor que nos atacou. É preto no branco - um autoritário autocrático, uma potência nuclear, membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Esse é, aliás, um grande erro - atacar um vizinho pacífico que nunca representou qualquer ameaça. Claro, a menos que se pense que ser uma nação democrática e europeia é uma ameaça.

O objetivo do mundo inteiro deverá ser restaurar a ordem internacional. Não é preciso um mediador para que a Rússia adira a uma resolução vinculativa [da ONU] e saia da Ucrânia.

Andelman: Então, porque é que o Presidente Zelensky teve recentemente uma longa conversa com Xi Jinping? Qual é o valor de manter essa linha aberta?
Markarova:
É uma pergunta muito importante. Em primeiro lugar, o Presidente Zelensky irá falar com todos aqueles que não estão diretamente envolvidos na guerra ao lado da Rússia, como outros países como o Irão e a Bielorrússia.

O Presidente Zelensky foi muito claro nas suas mensagens. Em primeiro lugar, informou o líder chinês sobre o que se está a passar. Durante estes 15 meses, verificámos que o líder russo não está, definitivamente, a fornecer boas informações.

Por isso, o nosso Presidente foi muito claro quanto ao facto de ter sido a Rússia a atacar-nos. Não há aqui dois lados. Ele informou [o Presidente Xi] também sobre todas as atrocidades cometidas contra as crianças que foram roubadas pelos russos.

Em segundo lugar, o nosso Presidente também foi muito claro ao afirmar que ninguém quer a paz mais do que a Ucrânia, mas, mais uma vez, a paz deve basear-se no facto de a Rússia abandonar o país.

Em terceiro lugar, ele informou o Presidente Xi sobre a sua fórmula de paz que tem estado em cima da mesa desde outubro passado. E depois sublinhou a importância de todos os Estados se absterem de ajudar a Rússia, especialmente no que respeita ao fornecimento de armas.

Deste ponto de vista, penso que foi muito útil e muito produtivo ter esta conversa.

É por isso que o nosso Presidente está a dialogar com o Sul global, está a dialogar com os líderes africanos. Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para dizer a verdade.

Joe Biden e Jill Biden com Olena Zelenska, mulher de Volodymyr Zelenskyy, e a ambaixadorada Ucrânia nos EUA, Oksana Markarova, a 19 Jan 2022. AP Photo Andrew Harnik

Andelman:  E, presumivelmente, enquanto continuarem a conversar, e Xi acreditar que pode desempenhar o papel de mediador, é pouco provável que ele comece a fornecer armas à Rússia?
Markarova:
A China sempre afirmou publicamente a importância que atribui à Carta das Nações Unidas e à integridade territorial. Este é um caso muito claro de violação da integridade territorial por parte da Rússia. Por isso, mais uma vez, vejo a palavra “mediador” de forma diferente. Penso que um mediador é alguém a quem as duas partes interessadas recorrem para que o processo decorra de uma forma mais harmoniosa e profissional. Neste caso, contamos realmente com todos os países, incluindo a China, para apelar à Federação Russa para que ponha termo à violação.

Andelman: Donald Trump, na CNN, na semana passada, recusou-se a dizer se considera Putin um criminoso de guerra, recusou-se mesmo a dizer se quer que a Ucrânia ganhe a guerra que a Rússia iniciou. Ele disse: “Não penso em termos de ganhar ou perder”.
Receia que isto possa tornar-se numa ameaça, especialmente se ele for eleito Presidente [dos EUA] no próximo ano?
Markarova:
Acredito que o povo americano, de ambos os partidos ou independentes, vê isto como aquilo que é - uma guerra muito injusta, e não provocada, quando um rufia ataca uma pessoa pacífica. Quando um país autocrático ataca uma Ucrânia pacífica.

Andelman: O que acontece se Trump se tornar Presidente no próximo ano?
Markarova:
Deveria perguntar isso aos cidadãos americanos. Para nós, apreciamos o apoio que temos atualmente e esse apoio é fortemente bipartidário.

Por causa dos valores em que este país se baseia, podem existir opiniões diferentes, mas os valores permanecem os mesmos - e nós estamos a lutar pelos valores em que a América se baseia.

Por isso, é muito importante para os nossos dois países ganharmos esta guerra. É importante para nós, é existencial para nós, para sabermos se vamos existir como ucranianos.

Mas, para todas as democracias, este é um momento crítico. A questão não é apenas saber se a Ucrânia pode defender-se. A questão é saber se as democracias se podem defender.

Andelman: Conhece o Presidente Zelensky muito bem a nível pessoal. Gostaria de saber como pensa que a guerra o poderá ter mudado.
Markarova:
Há muito que ele tem qualidades que o mundo inteiro admira. Agora, penso que toda a gente as viu, devido à forma como atuou e como conduziu o país nestes tempos muito difíceis, emergindo como um líder em tempo de guerra.

Ele surpreendeu muita gente com estas qualidades, com a sua coragem, com a sua dignidade humana e com o seu amor pela Ucrânia.

Por outro lado, quando ele visitou Bucha pela primeira vez, depois da libertação, vi o seu rosto parecer uma vida mais velho do que antes. Ele é muito forte. É muito corajoso. Mas como pessoa que ama a sua família, que se preocupa com as pessoas, com os valores humanos, não se pode passar por isto e não ser afetado.

Zelensky durante em Bucha em abril de 2022. Foto Getty Images

Tem sido muito difícil para todos nós. Mas ele não perdeu o seu sentido de humor, mesmo em momentos muito difíceis. Está a animar todos à sua volta, continua a fazer piadas.

Também trabalha literalmente a toda a hora. Quer dizer, até mesmo o que ele divulga publicamente. E isso é apenas uma pequena parte, para ser honesto - o número de reuniões, o número de Zooms que ele faz.

E depois as suas visitas. O nosso Presidente está sempre a viajar, especialmente quando se desloca às linhas da frente ou quando vimos a sua primeira viagem fora da Ucrânia desde o início da guerra. Foi primeiro a Bakhmut e depois de Bakhmut a Washington.

É muito concentrado, muito intenso e, no entanto, após 15 meses de trabalho, está em cima de tudo. Há também muita criatividade na forma como fala com o mundo. Em 24 de fevereiro, quando pegou pela primeira vez no telemóvel em resposta às mentiras de Moscovo de que tinha fugido, de que a Ucrânia estava em colapso, pegou no telemóvel e disse: “Estou aqui, estão todos aqui. Não nos vamos render. Vamos lutar pelo nosso país”.

E desde então, tem feito isso diariamente. Foi muito importante para o povo ucraniano, mas penso que também foi muito importante para as pessoas no exterior ouvirem-no diretamente.

Andelman:  E a senhora embaixadora, e o seu marido, creio, está agora de volta à Ucrânia?
Markarova:
Na verdade, neste momento, ele está a voar para cá. Está a viajar para trás e para a frente. Regressou a casa quando a guerra começou. Apanhou o primeiro voo disponível para Varsóvia e depois fez uma longa viagem até à Ucrânia, porque é uma viagem difícil.

Bom, ele viaja para sítios que por vezes me preocupam. Mas não está nas forças armadas.

Andelman: Bem, talvez devêssemos terminar como começámos. Consegue ver algum tipo de luz ao fundo do túnel?
Markarova:
O nosso vislumbre ao fundo do túnel é a vitória, a justiça. Não esqueçamos que Putin e [a Comissária russa para os Direitos da Criança, Maria Lvova] Belova são acusados de crimes de guerra e existe um mandado de captura contra eles.

Por isso, para nós, vencer significa libertar totalmente o nosso território, trazer o nosso povo de volta, pensar e iniciar a reconstrução, independentemente do tempo que isso leve.

Estou a pensar em como poderemos chegar mais rapidamente a uma paz justa, o que significaria ajudar mais a Ucrânia, prestar mais apoio à Ucrânia, endurecer as sanções - em vez de alimentar a ideia de como salvar a face da Rússia.

Comemorámos recentemente o fim da Segunda Guerra Mundial, e foram seis anos muito dolorosos, após os quais toda a Europa disse: “Nunca mais”. O mundo inteiro disse: “Nunca mais”. No entanto, estamos nesse momento de novo, estamos ainda no momento 1939.

Este é o momento de nos unirmos para lutar. Se a Rússia quiser sair e negociar reparações, é claro que negociaremos reparações.

Mas devo dizer que ouvimos estas conversas sobre potenciais negociações de alguns especialistas, mas nunca as ouvimos dos nossos parceiros. Nunca ouvimos isso em todas as reuniões que tenho no Capitólio, em todas as reuniões que tenho com a administração.

Concentramo-nos apenas no que podemos fazer para não só ajudar a Ucrânia, mas também para resolver alguns dos problemas - coisas como a segurança alimentar e a forma de chegar a uma paz duradoura.

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