Fareed Zakaria: Há um caminho para terminar a guerra na Ucrânia - TVI

Fareed Zakaria: Há um caminho para terminar a guerra na Ucrânia

    Fareed Zakaria
    Autor e apresentador do programa Fareed Zakaria GPS, na CNN
  • CNN
  • 26 fev 2023, 13:13

Autor do programa “Fareed Zakaria GPS”, da CNN, escreve sobre o estado da guerra e propõe a resposta para sair dela.

Um ano depois da crua agressão da Rússia contra a Ucrânia, tornou-se claro que nenhum dos lados é suficientemente forte para ganhar a guerra nem suficientemente fraco para pedir a paz. O conflito entrou num impasse. Depois de terem obtido ganhos impressionantes, as forças armadas da Ucrânia não fizeram progressos significativos em meses. Entretanto, a Rússia tem cavado nos territórios que ocupa, e os seus novos ataques estão a ter pouco sucesso até agora.

Os números contam a história. De acordo com uma análise do Washington Post, a Rússia ocupava cerca de 7% do território ucraniano quando lançou a sua invasão, em fevereiro de 2022. Depois, varreu a Ucrânia oriental e num mês detinha 22% do país. Depois vieram as contraofensivas ucranianas, que em meados de novembro tinham retomado cerca de um terço desses ganhos. Nos últimos três meses, nada de significativo mudou. A Ucrânia e a Rússia estão ambas a planear novos movimentos, mas seriam necessárias vitórias maciças para alterar fundamentalmente a situação. Dito de outra forma, a Ucrânia precisaria de recuperar cerca do dobro do território que conseguiu no ano passado, apenas para recuperar as terras conquistadas desde a invasão de 2022.

O desempenho da Rússia na guerra tem sido fraco, mas está a melhorar, especialmente a manter território. A Rússia também tem sido capaz de estabilizar a sua economia, que o FMI projeta que irá crescer mais este ano do que as economias do Reino Unido ou da Alemanha. A Rússia está a negociar livremente com gigantes económicos como a China e a Índia, assim como com vizinhos como a Turquia e o Irão. Por causa destes países, e de muitos mais, tem acesso a todos os bens e capital que perdeu com o boicote ocidental, tirando a tecnologia avançada. Existe agora uma enorme economia mundial que não inclui o Ocidente, e a Rússia pode nadar livremente nessas águas. Os custos a longo prazo da guerra e os efeitos das sanções são reais mas lentos. Este tipo de dor e isolamento raramente altera as políticas de uma ditadura - veja-se a Coreia do Norte, o Irão, Cuba e a Venezuela.

Então, qual é o caminho a seguir? A curto prazo, existe apenas uma resposta para o Ocidente e os seus aliados - dar à Ucrânia mais armas e dinheiro. Se foi tomada a decisão de que a guerra de agressão do Presidente russo, Vladimir Putin, não deve ser recompensada, então tomem todas as medidas para tornar isso uma realidade. Com quase todos os sistemas de armas solicitados pela Ucrânia, há um padrão primeiro de ambivalência, depois um atraso, e depois finalmente um acordo. Porque não enviar mais e mais cedo? Os próximos três meses são cruciais, pois o Inverno descongela e facilita os movimentos das tropas.

Disto isto, é no entanto difícil imaginar uma vitória total ao estilo da Segunda Guerra Mundial. A maioria das guerras termina em negociações. É pouco provável que esta seja diferente. A tarefa para o Ocidente é assegurar que a Ucrânia tenha sucesso e ímpeto suficientes no campo de batalha para entrar nessas negociações com uma mão muito forte. Só vitórias dramáticas da Ucrânia - como “cortar” a Crimeia - trarão provavelmente Putin para a mesa de negociações.

Haverá uma forma de pôr fim às hostilidades? No papel, sim. É possível imaginar um cessar-fogo que devolva todas as terras capturadas desde fevereiro de 2022 à Ucrânia. As tomadas anteriormente, como a Crimeia em 2014, seriam sujeitas a arbitragem internacional, incluindo referendos locais conduzidos por grupos internacionais, e não pelo governo russo. Além disso, a Ucrânia obteria garantias de segurança da NATO, embora estas não se aplicassem aos territórios em disputa. Essa troca - para simplificar, a Crimeia e partes do Donbass pela adesão de facto à NATO e à UE - é uma troca que poderia ser “vendida” aos ucranianos, porque estes atingiriam o seu objetivo há muito almejado de se tornarem parte do Ocidente. Poderia ser aceitável para a Rússia porque poderia afirmar ter protegido algumas partes da Ucrânia de língua russa.

Há muitos que acreditam que a guerra pode terminar com uma vitória total da Ucrânia. Espero que sim, mas duvido que assim seja. Em 2021, a Rússia era mais de três vezes maior do que a Ucrânia em população, quase 15 vezes maior em PIB, e gastou 10 vezes mais no seu orçamento de defesa. Sabe-se que os russos têm uma elevada capacidade para a dor em tempo de guerra. (A União Soviética perdeu 24 milhões de pessoas na Segunda Guerra Mundial, em comparação com os 420 mil da América). E enquanto a economia da Rússia está em lento declínio, a da Ucrânia caiu de um penhasco. O PIB contraiu-se cerca de 30% em 2022, e o governo está a gastar mais do dobro do que recebe (graças à ajuda ocidental).

Mais de 13 milhões de pessoas estão deslocadas, cerca de oito milhões das quais no estrangeiro. A guerra está a ter lugar em solo ucraniano, com as suas cidades a serem bombardeadas até aos escombros, as suas fábricas arrasadas, o seu povo tornado indigente. Se a guerra continuar assim durante anos, valerá a pena perguntar - será que estamos a deixar que a Ucrânia seja destruída para a salvar?

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