A queda de Lugansk é “muito dolorosa, mas “não é a derrota na guerra, afirma o governador da região, Serhiy Haidai, numa entrevista à agência Reuters.
“É muito doloroso, mas não é perder a guerra”, diz o governador. “Em termos militares, é mau abandonar posições, mas não há nada crítico (com a perda de Lysychansk). Precisamos de ganhar a guerra, não a batalha por Lysychansk”.
No domingo, a Rússia anunciou a conquista desta cidade, último bastião da Ucrânia em Lugansk, bem como a “libertação” de toda a região.
“Hoje, 3 de julho de 2022, o Ministro da Defesa da Federação Russa, Sergei Shoigu, relatou ao Comandante Supremo das Forças Armadas da Federação Russa, Vladimir Putin, a libertação da [autoproclamada] República Popular de Lugansk", pode ler-se no comunicado do Kremlin, citado pela Tass.
Durante algumas horas, a Ucrânia negou este desenvolvimento, mas acabou por confirmar já ao final da tarde a retirada das suas tropas de Lysychansk.
À Reuters, Haidai disse que a saída desta cidade tinha sido coordenada pelo governo central do país, mencionando que decorreu de forma ordeira. O governador salientou que a Ucrânia poderia ter continuado a defender Lysychansk, mas as suas forças iriam ser fortemente atacadas e cercadas pela artilharia pesada da Rússia.
Com a conquista de Lugansk assegurada, Moscovo irá agora virar as atenções para Donetsk, assegurou Haidai. "Ainda assim, para eles (forças russas) o objectivo número um é a região de Donetsk. Sloviansk e Bakhmut ficarão sob ataque - Bakhmut já começou a ser atacada com muita força”, referiu.
A conquista do Donbass foi definida pelo Kremlin como o grande objetivo da guerra, como avançou o presidente Vladimir Putin no seu discurso do dia 9 de maio, de forma a poder proteger o povo russófono da região daquilo que considerou ser “bullying” por parte de Kiev durante os últimos dois anos.
“Para a opinião pública russa, neste momento, a guerra está justificada"
À CNN Portugal, o professor universitário e especialista em diplomacia Tiago Ferreira Lopes afirma qual o objetivo seguinte da Rússia na guerra.
“Com a queda de Lugansk, agora interessa completar o plano de tomar todo o Donbass. Interessa agora acelerar a dinâmica de guerra, tanto em Sloviansk como em Bakhmut, Kramatorsk e Kharkiv. É muito possível que, ao longo desta semana, sejam estas as quatro cidades onde vamos concentrar as atenções. (…) Neste momento, a dinâmica de guerra russa acelerou, de facto”, referiu
Ferreira Lopes salienta que “para a opinião pública russa, neste momento, a guerra está justificada”, e assinalou as boas taxas de aprovação que Vladimir Putin mantém no país. “Foi prometida uma ‘operação especial’ para ‘libertar’ o Donbass, e uma das duas repúblicas separatistas da região está ‘libertada’, apesar de a Ucrânia ter salientado que tem intenções de voltar”.
Sobre esta promessa deixada pelo presidente ucraniano, o docente universitário sublinha que Volodymyr Zelensky “está a falar para o público interno e a dar uma noção de esperança e transmitir a ideia de que a guerra não está perdida, que uma interrupção não é uma derrota”. “É complicado acreditarmos que isso irá acontecer, pelo menos no curto-médio prazo, até porque havia a expectativa de uma contraofensiva ucraniana a partir de meados de junho”.
Tiago Ferreira Lopes aproveita ainda as declarações acima reproduzidas de Serhiy Haidai para afirmar que as forças ucranianas estão, neste momento, numa “situação mais complexa”, dado que, no Donbass, “as coisas correm muito melhor para Moscovo”.
Vincando que é “difícil ler a mente de líderes políticos um pouco erráticos nas suas agendas”, o especialista vaticina que, caso a Rússia tome todo o Donbass, “é muito provável que o tal plano de tomar todo o mar [zona costeira] volte a ser o foco. Aí sim, cidades como Odessa ou outras no Mar Negro serão o novo foco de atenção”.
Ferreira Lopes alertou também que a Rússia, após a conquista de uma grande cidade, “ataca três ou quatro cidades, como que a sinalizar os alvos seguintes. Estamos a ver isso hoje, em Sloviansk, Bakhmut, Kharkiv e Sumy”.
O professor sublinha que o Ocidente teve “pouca cautela” na aplicação das sanções económicas à Rússia. “O que nos faltou foi olhar para Oriente. Enquanto as sanções do Ocidente têm o seu peso simbólico, a verdade é que o Sul Global tem permitido à Rússia dirimir o impacto destas sanções, e até manter ou aumentar as receitas da venda do gás e do petróleo, com uma série de novos clientes que não tinha".