Para Putin, a posição da Rússia no mundo é uma questão pessoal. Eis o que ele realmente quer - TVI

Para Putin, a posição da Rússia no mundo é uma questão pessoal. Eis o que ele realmente quer

  • CNN
  • Análise de Ivana Kottasová
  • 22 mar, 17:16
Vladimir Putin (Ilustração da foto: Jason Lancaster/CNN/Getty Images)

O presidente dos EUA, Donald Trump, disse que acha que Vladimir Putin quer a paz. A Ucrânia e os seus aliados europeus não acreditam que ele queira a paz, enquanto o próprio líder russo garantiu que quer a paz, mas depois recusou-se a subscrevê-la quando lhe foi apresentada a opção.

No entanto, o que Putin realmente quer é muito, muito maior.

O presidente russo não escondeu que acredita que a Ucrânia não deve existir como Estado independente e tem dito repetidamente que quer que a NATO volte à sua dimensão do tempo da Guerra Fria.

Mas, acima de tudo, ele quer ver uma nova ordem mundial - e quer que a Rússia desempenhe o papel principal nela.

Putin e vários dos seus aliados mais fiáveis saíram dos restos do KGB, a agência de informação da era soviética. Nunca esqueceram a humilhação da queda da União Soviética e não estão satisfeitos com a forma como o mundo se transformou desde então.

Putin subiu ao poder durante o caos dos anos 90, quando a economia russa entrou em colapso e teve de ser salva pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial - outra humilhação para a antiga superpotência.

Mas a partir de 2000, quando Putin se tornou presidente, o aumento constante dos preços do petróleo tornou a Rússia e muitos russos mais ricos do que nunca. E a Rússia passou a ter voz ativa. Foi convidada para o G7, o grupo das maiores economias do mundo, que passou a chamar-se G8 depois da sua adesão.

Mas isso não foi suficiente para o líder russo, lembra à CNN Kristine Berzina, diretora-geral do German Marshal Fund of United States.

“Putin ficou feliz por deitar tudo a perder em nome dos seus cidadãos por causa de objetivos geopolíticos mais elevados”, continua Berzina. A Rússia foi expulsa do G8, sancionada pelo Ocidente e ostracizada na cena mundial devido à sua agressão contra a Ucrânia.

Para Berzina, nunca foi suficientemente bom para a Rússia ser “o oitavo no G7”.

“Isso não funciona no entendimento que a Rússia tem do seu próprio excecionalismo. É o maior país do mundo, o mais rico em recursos [naturais], por isso como pode ser apenas um dos atores?", questiona a especialista.

Para entender o que Putin quer das atuais conversações com os EUA, é fundamental lembrar que os dois lados estão a conversar porque os Estados Unidos deram uma reviravolta política com Trump - e não por causa de uma mudança fundamental no pensamento russo.

Trump quer que a guerra na Ucrânia termine o mais rapidamente possível, mesmo que isso signifique mais perdas territoriais para a Ucrânia.

Isto significa que Putin tem pouco a perder com o diálogo.

Trump tem afirmado que “a Rússia tem todas as cartas na mão” na guerra com a Ucrânia, mas o campo de batalha tem estado praticamente parado nos últimos dois anos.

Embora a Rússia esteja a obter alguns ganhos incrementais, não está definitivamente a ganhar - embora isso pudesse mudar se os EUA deixassem de fornecer armas e informações à Ucrânia.

“Putin entrou na Ucrânia a pensar que seria uma operação fácil e rápida. Três anos depois, controla 20% da Ucrânia, mas a um custo terrível, terrível. Quer dizer, essencialmente, os russos estão a perder. O problema é que os ucranianos estão a perder mais depressa”, afirma à CNN Mark Galeotti, um dos principais analistas russos.

Para Putin e as pessoas que o rodeiam, o impulso de Trump para um cessar-fogo representa simplesmente uma oportunidade para garantir vitórias rápidas, mantendo um olho nos objetivos a longo prazo, continua o analista.

“Putin é um oportunista. Ele gosta de criar situações dinâmicas e caóticas, que criam uma grande variedade de oportunidades. E depois pode escolher a oportunidade que lhe agrada e pode mudar de ideias”, vinca Galeotti.

Plano a longo prazo

Putin e os seus assessores deixaram bem claro que os seus objetivos a longo prazo não mudaram. Mesmo quando falam em querer a paz, os funcionários russos continuam a insistir que as “causas profundas” do conflito na Ucrânia têm de ser “eliminadas”.

Na opinião do Kremlin, essas “causas profundas” são a soberania da Ucrânia e o seu presidente democraticamente eleito, Volodymyr Zelensky, bem como a expansão da NATO para leste nos últimos 30 anos.

Putin ordenou a invasão em grande escala da Ucrânia em fevereiro de 2022 para forçar uma mudança de regime em Kiev, planeando instalar um governo pró-Moscovo. O seu objetivo era transformar a Ucrânia num Estado vassalo como a Bielorrússia e impedi-la de aderir à União Europeia e à NATO no futuro.

Não conseguiu atingir esse objetivo através do recurso à força militar, mas isso não significa que o tenha abandonado.

Em vez disso, poderá tentar alcançá-lo por outros meios.

“A forma mais fácil de a Rússia conseguir o que quer num país diferente não é através de meios militares, mas sim através da interferência e do processo eleitoral”, sublinha Berzina, acrescentando que é possível - ou mesmo provável - que seja isso que Moscovo tentará fazer depois de um cessar-fogo.

É provavelmente por isso que a Rússia continua a questionar a legitimidade de Zelensky e a insistir na realização de eleições - e é por isso que o Kremlin ficou encantado quando Trump adotou esta narrativa e chamou ao líder ucraniano “um ditador sem eleições”. A lei marcial ucraniana - imposta devido à agressão russa - proíbe a realização de eleições enquanto durar o conflito.

Trump e o seu vice-presidente, JD Vance, rejeitaram a ideia de que a Ucrânia possa aderir à NATO em breve e Putin pediu que o compromisso dos EUA de que isso não acontecerá faça parte de qualquer acordo de cessar-fogo.

Militares ucranianos da brigada Khartia preparam o obus M101 antes de disparar contra posições russas na região de Kharkiv, na Ucrânia, na quarta-feira, 12 de março de 2025 (Alex Babenko/AP)

Mas Berzina diz que os aliados europeus da Ucrânia não estão a acreditar nas promessas de Putin de que deixaria de lutar se a Ucrânia se tornasse - como ele lhe chamou - neutra.

“Não importa o que Trump e Putin pensem que podem arranjar esta semana ou este ano, muitas pessoas na Europa consideram Putin fundamentalmente indigno de confiança”, reforça.

“Poderá haver um desejo de que a Rússia volte a tentar a sua sorte militarmente? Claro. E é por isso que os europeus estão muito atentos ao potencial de um futuro envolvimento militar”.

É tudo pessoal

Andrei Soldatov, jornalista de investigação russo e especialista em segurança que vive no exílio em Londres, diz que Putin e os seus assessores acreditam que podem “tentar obter algo de Trump neste momento”.

“Acham que podem ganhar algumas batalhas táticas, mas que ele não lhes dará o que realmente querem, que é uma reorganização completa dos acordos de segurança na Europa", refere.

“Para o Kremlin, não se trata de uma guerra com a Ucrânia, mas sim de uma guerra com o Ocidente, e muitas pessoas em Moscovo não acreditam realmente que possam chegar a qualquer tipo de acordo duradouro com os EUA”, acrescenta Soldatov à CNN.

A desconfiança da Rússia em relação aos EUA vem de longe.

“É muito pessoal para eles, porque eram todos jovens oficiais do KGB na altura, e perderam a sua posição social, perderam um lugar na sociedade russa, perderam o país tal como o descrevem agora, e foi extremamente humilhante”, recorda Soldatov.

“Acreditam realmente que o Ocidente anda há séculos a tentar destruir e subjugar completamente a Rússia. Não é apenas propaganda, eles acreditam mesmo, mesmo, mesmo nisto”. Mas Putin também enquadrou o seu plano para a Ucrânia na sua própria interpretação - incorreta - da história, que vai muito além da queda da União Soviética. Putin tem argumentado frequentemente que a Ucrânia não é um país real porque a Ucrânia e os ucranianos fazem parte de uma “Rússia histórica” maior

Os especialistas dizem que isto é, obviamente, um disparate.

“O que ele está a dizer é que a Rússia, a Ucrânia e a Bielorrússia partilham um antepassado político chamado Rus... mas não é a mesma coisa que um país moderno. Tratava-se de uma entidade política medieval inicial ou tardia e dizer que a Ucrânia não tem o direito de existir devido a este antepassado comum - nenhum país é igual ao do século X”, afirma Monica White, professora associada de Estudos Russos e Eslavos na Universidade de Nottingham.

Putin também tem recorrido frequentemente à identidade religiosa da Rússia para apoiar o seu plano. O líder da Igreja Ortodoxa Russa, o patriarca Kirill, é um dos mais acérrimos apoiantes da guerra.

Putin e o patriarca ortodoxo Kirill visitam o Mosteiro Alexander Nevsky em São Petersburgo a 12 de setembro de 2024 (Alexander Kazakov/AFP/Getty Images)

“Após a queda da União Soviética, a Rússia perdeu a sua ligação com as terras ortodoxas ancestrais e penso que parte do projeto de Putin é tentar trazer de volta esse fio condutor que liga a Rus do século X a esta continuidade ortodoxa pura”, continua White. “O que ele está a fazer não é muito diferente de alguns dos primeiros czares Romanov que tentaram recuperar as terras ortodoxas que estavam sob o domínio otomano ou católico, e acabaram por conseguir”.

O grande desejo de Putin é fazer com que a Rússia regresse à cena mundial com um estrondo, sugere a especialista - criando uma barreira entre a Europa e os EUA e aliando-se aos outros adversários do Ocidente.

“A Rússia quer estar em todas as mesas importantes - por isso, o que quer que venha a seguir, talvez não tenha de significar uma conquista territorial na Europa, mas penso que tem de ter um papel de protagonista no bloco mais poderoso, se considerar que isso inclui a China ou o Irão ou outros, um bloco que se define pela sua vontade de perturbar e desestabilizar”, acrescenta White.

Putin acredita claramente que a Rússia - o maior país do mundo em área - deve estar envolvida na gestão do mundo. Na Casa Branca, ele pode ter um homem com a mesma opinião. Trump deixou claro que acredita que os países maiores e mais poderosos devem conseguir o que querem - seja a Gronelândia, o Canal do Panamá ou um pedaço da Ucrânia.

“Penso que o ponto fundamental é que, no que diz respeito a Trump, a Ucrânia é um Estado vassalo comprado e pago e tem de compreender o seu lugar e aceitar que, essencialmente, os Estados Unidos vão chegar a algum tipo de acordo com a Rússia e depois devolvê-lo à Ucrânia”, conclui Galeotti.

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