Pavlo e Sofia têm paralisia cerebral e fugiram da guerra na Ucrânia numa cadeira de rodas. Portugal acolheu-os mas não tem vagas para o apoio de que precisam - TVI

Pavlo e Sofia têm paralisia cerebral e fugiram da guerra na Ucrânia numa cadeira de rodas. Portugal acolheu-os mas não tem vagas para o apoio de que precisam

Comunidade ucraniana em Portugal está a trabalhar num projeto para um centro de dia, que permite dar respostas a refugiados com deficiência ou idosos. Uma batalha que precisa do apoio do Estado ou de outras instituições a trabalhar nesta área para poder tornar-se realidade

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Para que Pavlo tenha saído hoje à rua foram precisos três homens, cheios de força, para levar a cadeira de rodas até ao rés-do-chão. O apartamento que serve de refúgio à família, na Costa da Caparica, fica no terceiro andar, sem elevador. A vida, embora em segurança, transformou-se numa espécie de prisão.

Kateryna Ostrovska, a mãe, não consegue carregar o filho sozinha. Veio com a família de Lviv. Um percurso de autocarro “muito difícil por causa das condições sanitárias”. O refúgio português, na casa de um familiar, esperava pela família. Kateryna trazia os filhos e os pais, já na casa dos 80 anos.

É especialista em projetos de apoio a pessoas com deficiência e idosas. Era esse o seu trabalho na Ucrânia, a que juntava a vida académica, como professora universitária. Uma experiência que Kateryna Ostrovska não quer deixar para trás. Até porque em Portugal não apareceu vaga em qualquer instituição para o filho Pavlo, de 36 anos, com paralisia cerebral.

“A guerra mostra que estas pessoas são os primeiros alvos, com as dificuldades em deslocar-se para os abrigos, em conseguir fugir. Nós estamos a salvá-los da guerra. Mas queremos que se integrem como qualquer cidadão, que vivam numa comunidade europeia com direitos iguais para todos”, diz.

A ideia vai ganhando força entre a comunidade de refugiados ucranianos em Portugal. Eles não querem ser um fardo. E, por isso, quando não surgem as soluções, procuram erguê-las. A solução, neste caso, é a criação de um centro de dia que permita apoiar pessoas com mobilidade reduzida, seja à custa da idade avançada ou de uma deficiência que as acompanha desde sempre.

“É dar-lhes a oportunidade de se tornarem mais independentes. Precisamos de um sítio onde eles possam ficar. O principal é que saiam de casa, que façam este percurso até ao centro”, aponta Kateryna Ostrovska.

Kateryna Ostrovska vivia com a família em Lviv

Centro permitiria libertar famílias para outra prioridade: trabalhar

Natalya Kotliarova está em Portugal há um ano. Em Kharkiv, geria lojas de roupa. Em Lisboa, o quotidiano lembra-a do fato de refugiada que, a cada dia, se cola mais à pele. Porque esta ucraniana queria trabalhar. Mas há uma prioridade que não a deixa: a filha, que tem paralisia cerebral.

Foi por Sofia, agora com 20 anos, que cruzou a Europa para escapar à guerra. “A principal dificuldade é a saúde da minha filha, não tenho qualquer apoio social. Daí a ideia de construirmos um centro de apoio para ucranianos com deficiência. Os meus pais também precisam de mais apoio, de cuidado. Depois de ter tudo organizado, poderia ter mais tempo para outros projetos, como trabalhar”, confessa.

Natalya sente que, em Portugal, voltou a nascer. Faltam-lhe as palavras para agradecer a forma como foi acolhida. Mas, nos olhos azuis, não se esconde a ansiedade. “Sem ajuda vai ser muito difícil para ela, porque não vai ter uma vida saudável e completa. Também não vou conseguir ter trabalho.” Até fora de Lisboa, onde vivem num centro de acolhimento para refugiados, se tentou encontrar uma vaga numa instituição. Mas nem aí foi possível.

Natalya Kotliarova não consegue trabalhar porque tem de cuidar da filha

Projeto pode ajudar a identificar famílias a precisar de ajuda

Segundo o SEF, foram atribuídas proteções temporárias a 3.445 cidadãos vindos da Ucrânia com mais de 65 anos. Mas não é fácil identificar quantas famílias de refugiados em Portugal estão, neste momento, sem o apoio de que necessitam para lidar com as suas deficiências. Mesmo para quem trabalha com esta comunidade todos os dias. “Não identificamos estas pessoas, não sabemos. Porque muitas não dizem que têm pessoas com deficiência em casa. Mas, tendo um projeto, começam a aparecer”, admite Mykola Shymonyak, vice-presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal.

Muitos dos casos vão sendo identificados através do espaço “Vsi Tut - Todos Aqui”, que centraliza a resposta social e jurídica aos refugiados ucranianos em Lisboa. Nas estantes acumulam-se as roupas doadas. Há inclusive voluntários que as organizam por tamanho e feitio. E há também uma loja social, com alimentos para quem deles precisa. Mas o que mais se procura por aqui é o convívio. À tarde, muitos rostos enrugados vão ocupando as cadeiras vazias. O passo faz-se lento, com o apoio de uma bengala.

Chegou a instalar-se o receio de que, com o aproximar do prazo de um ano previsto para o funcionamento deste espaço, ele pudesse fechar portas. Mas a Câmara de Lisboa garantiu à CNN Portugal que o mesmo “se encontra em pleno funcionamento e assim permanecerá, não existindo fundamento na ideia de um possível fecho no mês de abril”.

Doações de roupas e mantas são as mais visíveis no espaço "Vsi Tut - Todos Aqui"

Da utopia à realidade: só possível com apoio

Contudo, este espaço de apoio e convívio está longe de conseguir dar resposta às necessidades próprias de quem vive com uma deficiência ou com as dores da velhice. A Associação dos Ucranianos em Portugal até procurou encontrar soluções para os casos que lhe foram aparecendo. Sem qualquer sucesso.

“A institucionalização é difícil, não há vagas. Todos os centros que contactámos em Lisboa estão sobrelotados. A criação de um centro de dia para eles tem de ter uma componente jurídica e um espaço. E sem financiamento não o conseguem fazer. Não têm capitais próprios que permitam sequer pensar numa coisa destas”, aponta António Ferrão, responsável jurídico da associação.

O caminho, da utopia à realidade, parece claro: só é possível abrir um centro de dia com o apoio do Estado português ou de uma IPSS ou associação que esteja já a trabalhar neste campo. Por isso, do lado ucraniano, já se trabalha num projeto para apresentar a potenciais parceiros. Kateryna Ostrovska vai usar a sua experiência para delinear o plano.

Sofia vivia com a mãe em Kharkiv. Estão em Portugal há um ano

Um ano de guerra, novas necessidades: o arrendamento

Se a guerra se transforma com o tempo, também se transformam as necessidades de quem dela foge. “A situação é diferente. Porque já não se trata de Rendimento Social de Inserção, já não se trata de empregabilidade. É sobretudo a necessidade de habitação que mais os preocupa”, conta António Ferrão.

Porque se uma renda em Lisboa já é difícil de suportar para quem sempre viveu na cidade, imagine-se para quem foge de guerra sem nada e fica sujeito a apoios sociais que “são de cerca de 400 euros numa família de quatro”. Para essa “angústia” pode haver soluções, como o programa Porta de Entrada, que ajuda a subsidiar o valor da renda em situações de alojamento urgente.

Mas a Associação dos Ucranianos em Portugal quer também trabalhar para criar uma bolsa de imóveis a preços acessíveis e sem exigências tão demarcadas como “pedidos de cauções de seis meses e fiador”. “É fácil para os refugiados ucranianos arranjar trabalho, o problema é a habitação”, resume Mykola Shymonyak.

Cores da Ucrânia marcam o espaço

 

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