Dois homens russos, que afirmam ser ex-comandantes do Grupo Wagner, disseram a um ativista dos direitos humanos que mataram crianças e civis durante o tempo em que estiveram na Ucrânia.
As alegações foram feitas em entrevistas em vídeo com a Gulagu.net, uma organização de direitos humanos que luta contra a corrupção e a tortura na Rússia.
Nas entrevistas em vídeo, que foram publicadas online, os ex-condenados russos Azamat Uldarov e Alexey Savichev - ambos perdoados por decretos presidenciais russos no ano passado, segundo a Gulagu.net - descrevem as suas ações na Ucrânia durante a invasão russa.
A CNN não pôde verificar de forma independente as suas identidades ou reivindicações nos vídeos, mas obteve documentos penais russos mostrando que eles foram libertados por indulto presidencial em setembro e agosto de 2022.
Uldarov, que parece ter estado a beber álcool, detalha como disparou e matou uma rapariga de cinco ou seis anos.
“(Foi) uma decisão de gestão. Eu não estava autorizado a deixar sair ninguém vivo, porque a minha ordem era matar qualquer coisa que se atravessasse no meu caminho”, disse ele.
Segundo a Gulagu.net, os testemunhos foram dados ao fundador e dissidente russo Vladimir Osechkin no espaço de uma semana. Dizia que Uldarov e Savichev estavam na Rússia quando falaram.
“Quero que a Rússia e outras nações saibam a verdade. Não quero guerra e derramamento de sangue. Podem ver que estou a segurar um cigarro nesta mão. Eu segui ordens com esta mão e matei crianças”, disse Uldarov, descrevendo a sua motivação para a entrevista.
O Grupo Wagner é uma organização mercenária privada russa que luta na Ucrânia, e que é liderada pelo oligarca russo Yevgeny Prigozhin.
A organização recrutou dezenas de milhares de combatentes nas prisões russas, oferecendo liberdade e dinheiro após uma “viagem” de seis meses. Funcionários dos serviços secretos ocidentais e de grupos de defesa prisional estimam que entre 40.000 e 50.000 homens tenham sido recrutados.
Uldarov afirmou que, nas cidades ucranianas orientais de Soledar e Bakhmut - que assistiram a alguns dos combates mais ferozes -, os mercenários do grupo Wagner “receberam ordem para aniquilar toda a gente”.
“Há um superior a todos os comandantes - é Prigozhin, que nos disse para não deixar ninguém sair de lá e aniquilar toda a gente”, acrescentou ele. A CNN já publico reportagens antes sobre antigos combatentes do grupo Wagner que fizeram reivindicações semelhantes.
A certa altura da entrevista, Savichev descreveu a forma como “receberam a ordem para executar quaisquer homens com 15 anos ou mais”.
E contou também sobre receber ordens para 'varrer' uma casa. “Não importa se lá há ou não um civil. A casa precisa de ser varrida. Estou-me a c*** para quem está lá dentro”, disse ele.
“Fosse uma cabana ou uma casa, o objetivo era certificar que não ficava uma única pessoa viva lá dentro”, contou. “Podem condenar-me por isto. Eu não me oporei. É um direito vosso. Mas eu também queria viver”.
Savichev disse que os combatentes do grupo Wagner que não cumpriram as ordens foram mortos.
O chefe do Grupo Wagner, Prigozhin, confirmou no seu canal na rede social Telegram que tinha visto partes do vídeo, e ameaçou retribuir aos dois ex-combatentes Wagner. “Quanto ao que [Osechkin] filmou, olhei para as peças do vídeo que consegui”, afirmou. “Posso dizer o seguinte: se pelo menos uma destas acusações contra mim for confirmada, estou pronto a ser responsabilizado de acordo com quaisquer leis”.
Mas Prigozhin disse também que “se nenhuma se confirmar, enviarei uma lista de 30-40 pessoas que me estão a cuspir como Osechkin (há uma lista completa delas, incluindo a escória que fugiu da Rússia), que a Procuradoria-Geral da Ucrânia é obrigada a entregar-me para um 'julgamento justo', por assim dizer”.
“Para nós, eles não serão “civis”, e sobretudo não crianças, em quem nunca tocámos e não tocamos. Isto é uma mentira flagrante. Estas pessoas [que espalham mentiras] são nossos inimigos, e nós lidaremos com eles de uma forma especial”.
Antes, Prigozhin dissera no Telegram: “Em relação à execução de crianças, é claro, nunca ninguém dispara contra civis ou crianças, absolutamente ninguém precisa disto. Fomos lá para salvá-los do regime sob o qual estavam”.
Andriy Yermak, chefe do gabinete do Presidente ucraniano, disse numa segunda-feira num tweet que o grupo deve ser responsabilizado.
“Os terroristas russos confessaram numerosos assassinatos de crianças ucranianas em Bakhmut e Soledar. A confissão não é suficiente. Tem de haver um castigo. Duro e justo. E, definitivamente, haverá. Quantos mais crimes como estes foram cometidos?”, escreveu.
Em fevereiro, a CNN falou com dois antigos combatentes Wagner que descreveram como os condenados recrutados pelo grupo são empurrados para a linha da frente numa vaga humana, reminiscente dos ataques da Primeira Guerra Mundial. Os desertores, ou aqueles que recusam ordens, são mortos e não houve evacuação dos feridos, disseram eles.
Em janeiro, o Departamento do Tesouro dos EUA designou o Grupo Wagner como uma importante organização criminosa transnacional, e impôs uma série de novas sanções a uma rede transnacional que o apoia.
O Departamento de Estado norte-americano anunciou simultaneamente uma série de sanções destinadas a “atingir uma série de infraestruturas essenciais do grupo Wagner - incluindo uma empresa de aviação utilizada pelo Wagner, uma organização de propaganda Wagner, e empresas de fachada Wagner”, segundo afirmou o secretário de Estado norte-americano Antony Blinken.