Ucrânia cometeu "um erro brutal" e teme situação "extremamente difícil" nos próximos meses. "A grande ofensiva russa vem a caminho" - TVI

Ucrânia cometeu "um erro brutal" e teme situação "extremamente difícil" nos próximos meses. "A grande ofensiva russa vem a caminho"

Soldado ucraniano observa o pôr do sol na vila de Karlivka, nos arredores de Avdiivka (Narciso Contreras/Anadolu via Getty Images)

Pressão externa e más decisões trouxeram a Ucrânia à atual situação. Agora, os principais líderes militares ucranianos desdobram-se em alertas de dificuldades. Os próximos meses vão ser muito difíceis e a Ucrânia só sobreviverá se conseguir resolver um impasse que persiste há mais de um ano

O alerta veio por parte do homem mais bem informado da Ucrânia. O líder dos serviços secretos militares ucraniano, Kyrylo Budanov, avisou a população que, nos próximos meses, a situação no campo de batalha vai tornar-se extremamente difícil para a Ucrânia. “A meio de maio, princípios de junho”, tudo vai piorar, mas “não será o fim do mundo”. Para os especialistas os sinais são claros, estamos prestes a assistir a uma ofensiva de grandes dimensões que vai testar ao máximo a determinação ucraniana.

“Neste momento, os russos ainda não estão focados na conquista de terreno, mas sim no desgaste das forças. A Ucrânia tem tido um desgaste muito grande de pessoal. Há um conjunto de unidades de militares ucranianas que estão a colapsar. A grande ofensiva russa vem, sem dúvida, a caminho. Têm sido formadas novas unidades, a grande questão é onde”, afirma o major-general Agostinho Costa.

Desde o final de fevereiro, com a queda da cidade industrial de Avdiivka, que a Ucrânia tem tido dificuldade em estancar os avanços das forças russas na região. Uma após a outra, várias localidades foram caindo aos avanços russos. “A situação deteriorou-se significativamente”, alertou o comandante-chefe das forças armadas ucranianas, Oleksandr Syrskyi.

Perto de Bakhmut, o cenário não é melhor. As forças russas juntaram mais de 25 mil soldados nas redondezas da pequena cidade de Chasiv Yar, no leste da Ucrânia, e que se tornou um dos mais importantes bastiões da defesa ucraniana da região do Donbass. Para os ucranianos, Chasiv Yar é uma fortaleza quase perfeita, mas a falta de equipamento para contrariar os constantes ataques de artilharia e bombardeamentos aéreos significam que a Ucrânia está a aguentar este território com um elevado número de baixas.

O think tank de Defesa Institute for the Study of War (ISW) também defende que os sinais de que a Rússia se está a preparar para uma nova ofensiva de larga escala começam a aparecer no terreno. Os analistas do ISW sublinham que as forças de Kiev estão debaixo de uma enorme pressão, com falta de todo o tipo de equipamentos necessários para poder defender o seu território.

“Nesta altura os avanços das forças russas estão a aumentar de velocidade das suas conquistas. A situação cada vez mais desvantajosa para Kiev começa a ter impacto a nível político. Há queixas de unidades que tiveram de recuar por falta de munições e víveres”, explica o general Carlos Branco.

Uma bandeira ucraniana nos arredores de Avdiivka, na região de Donetsk (Kostiantyn Liberov/Libkos/Getty Images)

Ao mesmo tempo, o ISW avisa que a Rússia está a recuperar gradualmente as suas capacidades e pode mesmo aproveitar o tempo seco que se faz sentir no sul da Ucrânia para colocar em marcha uma operação ofensiva de larga escala. A melhoria das condições meteorológicas pode permitir a Moscovo poder voltar a utilizar as suas unidades blindadas em regiões menos prováveis. Até agora, durante o inverno, os blindados russos estavam restritos à utilização de estradas para poder atacar.

De Kharkiv a Odessa

A frente de batalha permanece bastante ativa. De Lugansk a Kherson os combates acontecem todos os dias sem exceção. Embora existam sinais de aglomerações de soldados em vários pontos da frente de batalha, o local e o objetivo estabelecido por Moscovo permanece uma grande dúvida.

No último mês, a Rússia tem aumentado a frequência com que tem bombardeado a cidade de Kharkiv, a segunda maior da Ucrânia. Os primeiros alvos foram as centrais elétricas, seguindo-se antenas de comunicação. Volodymyr Zelensky fala numa campanha “de terror” contra a cidade e os seus habitantes, no entanto, vários analistas admitem que estes sejam ataques preparatórios para uma nova operação.

“Os russos atacaram uma antena de televisão que também tinha radares e permitia a comunicação com zonas próximas. Não podemos ver isto de forma isolada. Os ucranianos devem suspeitar de uma possível ofensiva perto de Kharkiv”, alerta Carlos Branco.

Mapa da Ucrânia após conquista de Avdiivka (CNN)

Mas não há unanimidade quanto à direção escolhida para a verdadeira direção do ataque. No dia 20 de março de 2024, o Ministério da Defesa tomou uma decisão que baralhou os analistas. Sergei Shoigu anunciou a criação da Flotilha do Rio Dnipro, uma força naval responsável por operar numa região que separa as tropas de Moscovo e de Kiev, em Kherson.

Para alguns especialistas, a criação desta unidade pode indicar a vontade russa de avançar com um ataque em direção a uma das mais importantes cidades ucranianas: Odessa. O presidente russo já o defendeu várias vezes e a sua conquista significaria a amputação económica da Ucrânia, retirando-lhe o acesso ao mar.

“Conquistar Odessa seria um xeque-mate à Ucrânia e ao Ocidente. Seria o desvalorizar da Ucrânia em 60%, cercando-o e retirando-lhe o acesso ao mar. A criação da flotilha do Dnipre deixa-me preocupado. Estou convencido de que os russos vão para Odessa”, considera Agostinho Costa.

Cavar para sobreviver

Além disso, as potentes bombas KAB1500 utilizadas pela Rússia continuam a fazer estragos e a Ucrânia não tem uma estratégia para a contra-atacar. Estas munições com 500 e 1.500 quilos de explosivos têm efeitos devastadores e são capazes de destruir algumas das mais fortificadas posições defensivas.

Por isso, as últimas semanas têm sido marcadas por um gigantesco esforço da Ucrânia para escavar o terreno, entrincheirar-se e travar a ofensiva russa. Os comandantes ucranianos têm-se esforçado para supervisionar a construção de novas linhas defensivas.

Trincheiras, bunkers, obstáculos para tanques, dentes de dragão e extensos campos de minas. A estratégia é muito semelhante à posta em prática por Moscovo em vésperas da contraofensiva do verão de 2023 por Kiev. No entanto, os especialistas admitem que a Ucrânia está demasiado atrasada na construção destas estruturas e que, se a Rússia atacar, estas defesas arriscam não ser tão sólidas quanto as russas. Além disso, segundo os especialistas, a Ucrânia não tem linhas defensivas secundárias capazes o suficiente para fazer frente ao ataque russo.

“A Ucrânia está muito atrasada no esforço para entrincheirar. A Ucrânia não tem boas linhas defensivas secundárias”, refere Michael Kofman, um especialista em Defesa da Carnegie Endowment.

No verão passado, a Ucrânia lançou todas as esperanças numa contraofensiva na direção de Zaporizhzhia, de forma a tentar romper as linhas defensivas russas. Nos meses que antecederam o ataque, o ocidente treinou dezenas de milhares de soldados e enviou centenas de blindados e milhões de munições. Porém, a ofensiva acabou por fracassar, com as unidades ucranianas a ficaram presas entre os campos de minas russos e potentes barragens de artilharia.

Soldados ucranianos durante a contraofensiva do verão de 2023 (AP Images)

Estes ataques levaram Kiev a ter uma perda de soldados significativa em diversas unidades e a perder muito do material que necessita para defender o seu território. Os números reais ainda não são conhecidos, mas segundo fontes oficiais norte-americanas que falaram à CNN em condição de anonimato foram “significativas”. Os peritos em assuntos militares acreditam que a Ucrânia nunca chegou a recuperar.

“A Ucrânia cometeu um erro brutal, no verão passado. No entanto, a culpa não é só deles. Foram pressionados a fazer algo que não passa pela cabeça de um planeador militar ocidental: levar a cabo uma ação ofensiva sem cobertura aérea”, recorda o major-general Isidro de Morais Pereira.

Um "game-changer"

Mas muitos dos problemas sentidos no terreno pelas forças ucranianas podem agora vir a ser resolvidos com a aprovação do novo pacote de apoio militar norte-americano. Após mais de seis meses de um braço de ferro na câmara baixa do Congresso americano, entre Republicanos e Democratas, os Estados Unidos da América aprovaram um novo pacote de ajuda no valor de mil milhões de dólares.

Munições de HIMARS, incluindo a versão com mais alcance ATACMS, mísseis anticarro Javelin, minas antitanque, mísseis de defesa antiaérea, veículos blindados de infantaria Bradley e muitas munições de vários calibres. Este foi o primeiro pacote de ajuda enviado após a aprovação do documento e, segundo o porta-voz do Pentágono, deve começar a chegar em tempo recorde.

De todo o armamento anunciado, os militares destacam os mísseis ATACMS. A Ucrânia já pedia que fossem enviados há muito tempo, mas a administração Biden recusava-se a enviá-los, com receio de que fossem utilizados contra território russo. A capacidade de atingir alvos a quase 300 quilómetros de distância vai tornar muitas instalações russas vulneráveis aos ataques ucranianos.

“A Rússia acreditou que os EUA não iam aprovar o pacote de apoio à Ucrânia. Se isso acontecesse levaria a uma grande probabilidade sucesso de uma ofensiva russa. No entanto, acredito que os ATACMS vão ter um impacto muito grande. Tudo o que é posto de comando, radares, aeródromos militares, concentração de tropas e de armamento, pontes de caminho de ferro vão ser alvos da Ucrânia”, destaca Isidro de Morais Pereira.

Ao mesmo tempo, tanto a Ucrânia como vários países europeus continuam a aumentar a produção de todo o tipo de equipamentos militares necessários na frente. Entre os líderes ucranianos há um sentimento de urgência cada vez maior para aumentar a produção militar. A Rússia registou um aumento de produção “sem precedentes” para rearmar o seu exército, depois de uma vaga de fracassos iniciais no primeiro ano da invasão. Atualmente, a máquina de guerra russa é capaz de produzir dez vezes mais munições do que as que a Ucrânia tem disponíveis.

Algumas armas são mais difíceis de produzir no próprio país. Um exemplo disso são as cruciais munições de 155 mm utilizadas pelos países da NATO. A Ucrânia converteu quase toda a sua artilharia, originalmente de calibre soviético 152 mm, para o calibre utilizado pelos aliados, de forma a garantir que consegue operar os equipamentos enviados pelo Ocidente. A produção destas munições está limitada pela importação de matérias-primas e pela compra dos direitos de produção a empresas ocidentais.

O maior problema

Mas dois anos de combates interruptos continuam a desgastar o mais importante recurso que Kiev tem: os seus soldados.

“Dois anos sem rotação, é claro que o moral está baixo e isso está a acabar com a nossa motivação. Precisamos de ser rodados ou ter férias para descansar adequadamente”, revela um soldado ucraniano ao Financial Times.

Soldados ucranianos durante o combate para reconquistar o território ocupado pela Rússia no verão de 2023 (AP Images)

A Ucrânia está a tentar resolver os seus problemas de falta de soldados apertando as medidas de recrutamento, mas não estabeleceu um número de homens que podem ser chamados a servir numa futura mobilização. No ano passado, Zelensky sugeriu que seria necessário mobilizar meio milhão de soldados, mas este ano o comandante-chefe, Oleksandr Syrskyi, admitiu que esse número deverá ser significativamente mais baixo.

Entre as medidas aprovadas recentemente pelo parlamento ucraniano, está a decisão de não renovar no estrangeiro os passaportes ucranianos aos homens com idades entre os 18 e 60 anos. De acordo com a BBC, mais de 650 mil homens ucranianos fugiram do país ilegalmente desde o início do conflito. Segundo o Financial Times, isto deixa a Ucrânia com apenas 3,7 milhões de homens capazes de serem chamados para servir no exército.

“O problema agora são os efetivos. A Ucrânia vai recrutar, mas uma unidade militar não se prepara em três meses. Em três meses prepara-se um soldado, uma unidade é outra coisa. Esta guerra está a ter um desgaste muito grande para a Ucrânia. A Rússia roda as suas forças com muita frequência”, frisa Agostinho Costa.

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