A realização de um evento de drones numa cidade em plena guerra está a deixar as autoridades ucranianas sob fogo. A imprensa ucraniana não é clara sobre o tipo de iniciativa que estava a ser realizada: o Ukrinform, por exemplo, fala de uma exposição de drones com potencial uso de guerra, já o Ukrainska Pravka diz que no teatro atacado no sábado, em Chernihiv, estava a decorrer uma reunião de fabricantes de drones e escolas de treino de reconhecimento aéreo. Uma coisa é certa: o ataque é russo, mas as críticas estão a ser feitas também à Ucrânia. Morreram no ataque com um míssil russo sete civis e quase 150 ficaram feridos.
De bloguers de guerra a cidadãos ucranianos, multiplicam-se as críticas à realização de um evento que envolve armas de guerra em pleno conflito, sobretudo numa zona com parques infantis e igrejas por perto e num feriado religioso, ainda que não deixe de ser questionado se um encontro com drones pode constituir um legítimo alvo militar.
The theatre that Russia targeted in Chernihiv yesterday was hosting a drone exhibition. Very foolish for the Ukrainians to broadcast this, though I’m still not sure it represented a legitimate military target. Civilians killed, hundreds of miles from the front. pic.twitter.com/MiOZCxPIKm
— Fin DePencier (@finlookedintoit) August 20, 2023
Ukrainians should never have had a military drone meeting in that beautiful theater. I’ve spent many happy hours in there watching magnificent actors doing iconic plays.
Russians are fucked up targeting civilians. I know people wounded there. I spent many years In Chernihiv. 💔😡
— Jon Muench (@Hanswolff1) August 20, 2023
José Palmeira, professor e especialista em Relações Internacionais, diz mesmo que não foi uma decisão “muito prudente” por parte da Ucrânia, uma vez que “este tipo de iniciativa”, decorrendo numa cidade, pode tornar-se “de facto um alvo e sendo um alvo a população civil pode ser afetada”.
Da mesma opinião é o major-general Isidro Morais de Pereira. Sobre o “lamentável incidente” em Chernihiv, o comentador da CNN Portugal considera que “houve algum desleixo” por parte das autoridades ucranianas, “um facilitismo”. “De facto, deram à Rússia uma razão para atacar”, diz. Mesmo que a exposição tenha sido com drone de aplicação civil, o especialista diz que “muitos destes drones têm sido adaptados para missões militares, estando no campo de batalha”.
No evento, tal como explicou à CNN Portugal o major-general Agostinho Costa, estavam personalidades e empresas de vários países, alguns deles membros da NATO, e cujas identidades tinham sido partilhadas pela organização com as autoridades locais - o que, segundo o especialista em assuntos de segurança, fez com que a Rússia levasse a cabo um “ataque cirúrgico” - que, ainda assim, acabou por ter civis como alvo principal, de acordo com as informações divulgadas por Kiev.
Segundo o Ukinform, o evento com material com potencial uso de guerra foi mesmo acordado com as autoridades locais, mais concretamente com a administração militar-civil local, como menciona a CNN Internacional. E foi Maria Berlinska, a própria fundadora e chefe do Centro de Apoio ao Reconhecimento Aéreo e do projeto Batalhão Invisível, que organizou o evento, a anunciá-lo e a dizer que se tratou de “reunião fechada de engenheiros, militares e voluntários sobre o tema tecnologias militares”.
O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky anunciou a morte de sete civis, mas a verdade é que não se sabe quantas das pessoas que estavam no interior do teatro morreram - e se morreram. Logo que se deu o alerta para o ataque, os participantes no evento sobre drones foram encaminhados para um abrigo, mas, diz Berlinska, alguns quiseram sair do local, ficando por sua conta e risco.
Apesar de os organizadores da exposição apenas terem revelado a localização cerca de quatro horas antes do começo, o evento foi divulgado online e, segundo o Sérgio Furtado, enviado especial da CNN Portugal à Ucrânia, tal pode ter captado a atenção dos russos, assim como o mote do próprio evento. “Há a ideia de que alguém terá notificado as forças russas de que a exposição [de drones] iria acontecer naquele local”, diz o repórter.