"As medidas do Governo não nos convencem". Milhares de pessoas protestaram pelo direito à habitação em todo o país - TVI

"As medidas do Governo não nos convencem". Milhares de pessoas protestaram pelo direito à habitação em todo o país

Milhares de manifestantes saíram às ruas em Lisboa, Porto, Braga, Aveiro, Coimbra, Viseu e Setúbal. Alguns líderes políticos da oposição também aproveitaram para estar presentes e tecer duras críticas ao pacote da habitação do Governo - que, dizem, continua "a enganar as pessoas"

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O custo de vida e os preços das rendas disparam, a habitação acessível diminui. Este sábado, um pouco por todo o país, milhares de portugueses contestaram as medidas do Governo para a habitação e reivindicaram o direito a viver nas próprias cidades, com condições dignas e justas aos salários.

Foram sete os pontos de encontro - Lisboa, Porto, Braga, Aveiro, Coimbra, Viseu e Setúbal - mas os cartazes e as palavras de ordem falaram a uma única voz. Apesar de a questão habitacional ser particularmente preocupante na capital, em que a pressão no mercado imobiliário afasta os cidadãos comuns para as periferias e cria uma cidade de alojamentos locais, turistas e nómadas digitais, esta é uma crise transversal a todo o país e que exige respostas comuns: o fim da precariedade e o aumento da oferta de habitação.

As bandeiras que sustentaram os protestos foram publicadas num manifesto online, subscrito por dezenas de organizações, e não se limitaram ao tema do mercado imobiliário. Luta-se pelo direito a viver, mas a viver com dignidade - e, nas ruas, as menções a feminismo, às alterações climáticas e as bandeiras LGBT a ondular nas mãos de quem protesta ecoam aquilo que é, no fundo, a resistência à precariedade nos seus múltiplos sentidos. Toda a sociedade sofre as consequências, refere um dos manifestantes em Coimbra à CNN Portugal, mas o impacto é sobretudo “bigeracional”. São as “gerações mais novas e as gerações mais velhas” as mais vulneráveis à crise habitacional - as primeiras, incapazes de autonomizar; as últimas, numa “situação de muita dependência”.

Em Lisboa, um grupo de jovens admitia à CNN Portugal que gostaria, “um dia”, de sair de casa dos pais - mas que o aumento generalizado do custo de vida, aliado aos baixos salários, “torna muito difícil” concretizar o sonho de ter habitação própria. Uma outra manifestante, mais velha, suspira: “Pensa-se muito pouco em quem precisa, e pensa-se muito em quem já tem tudo o que precisa”.

Estas são manifestações inerentemente políticas, como reconhecem os próprios participantes. O pacote apresentado pelo Governo para solucionar o problema habitacional nas cidades portuguesas é apontando como insuficiente e ineficaz, como é declarado logo na frase de abertura do manifesto “Casa Para Viver”: “As medidas anunciadas pelo Governo não nos convencem”. E não convencem, também, por coexistirem com outras medidas contraproducentes citadas no documento: os "vistos gold", as "isenções fiscais ao investimento imobiliário" e a "indiferença sobre as milhares de casas vazias” ao longo do país, para nomear somente alguns.

Líderes políticos marcam presença na manifestação 

Alguns protagonistas de esquerda estiveram presentes na manifestação de Lisboa e reforçaram o caráter político a ela indissociável, tecendo duras críticas ao plano Mais Habitação por não conseguir responder às necessidades dos portugueses. Catarina Martins, a líder do Bloco de Esquerda (BE), identifica “o preço da habitação” como “um dos maiores problemas do país”, por confrontar duas vertentes inversamente desproporcionais: enquanto a habitação em Portugal é “uma das mais caras do mundo”, os salários dos portugueses “são dos mais baixos da Europa”.

As medidas anunciadas pelo Governo, amplamente criticadas pela oposição e até pelo Presidente da República na última semana, voltam a ser o centro da questão. Em vez de propostas que realmente contornem os problemas centrais, como a definição de “tetos máximos nas rendas” e medidas para que as casas vazias sejam disponibilizadas “com preços que as pessoas possam pagar”, o Governo opta por “enganar as pessoas” - por exemplo, mantendo os "vistos gold" e "mudando-lhes apenas o nome". 

Na proposta do PS, critica Catarina Martins, “mantém-se uma série de benefícios fiscais aos fundos imobiliários e a quem não mora em Portugal, nem quer morar, e só faz dos imóveis um bem de especulação financeira”. Em paralelo, os portugueses que procuram casas para morar “não conseguem tê-las, porque o seu salário não permite”.

“O Ministério da Habitação pode anunciar o que quiser. Mas, enquanto o Ministério das Finanças continuar a ter uma floresta de benefícios fiscais que alimenta a especulação imobiliária, os preços das casas vão continuar a aumentar”, finaliza a coordenadora cessante do BE.

Também Francisco Louçã marcou presença no evento - “com gosto”, como fez questão de sublinhar à CNN Portugal. As “promessas atrás de promessas” do Governo, que se comprometia a “resolver os problemas nos 50 anos do 25 de abril”, em nada resultaram: os idosos portugueses “estão a ser expulsos dos bairros onde viveram durante tanto tempo, e os jovens não têm nenhuma hipótese”. O fundador do Bloco de Esquerda indica que a crise na habitação poderia ser resolvida com “esforço, dedicação e medidas fiscais”, para logo comentar com um traço de ironia: “A vontade política é fingir”, e não encontrar soluções.

As críticas são ecoadas por Paulo Raimundo, que também desceu a Alameda em protesto. Em referência às “leis-cartaz” do Governo, o secretário-geral do PCP diz que os problemas centrais do pacote para a habitação não se cingem ao arrendamento coercivo e ao alojamento local - pontos que têm sido objeto das discussões mais acesas. As medidas previstas no pacote terão apenas consequências para os “fundos imobiliários e os interesses da banca”, sublinha, e “passam ao lado” de todas as questões que realmente importam aos portugueses.

Paulo Raimundo relembra uma proposta comunista apresentada - e chumbada - em parlamento: a fixação das rendas no valor do ano passado e a imposição de um spread máximo de 0,25% à Caixa Geral de Depósitos. O líder do PCP sublinha, porém, que o chumbo da medida não lhe retira “validade ou necessidade”, assumindo-se confiante de que será “uma questão de tempo até ser consagrada”. A manifestação deste sábado é disso exemplo. Paulo Raimundo observa que a multidão unida em torno de reivindicações comuns revela uma “grande disponibilidade para continuar a exigir respostas” que correspondam, de facto, “às necessidades das pessoas” - e não aos “fundos imobiliários da banca”.

André Ventura quis também participar neste “dia emblemático”, mas optou por destacar as “deficiências que o Estado tem tido na gestão do património” com um passeio pelo centro histórico da capital lisboeta.

O líder do Chega deixou um convite ao primeiro-ministro António Costa para que faça esta mesma “tour pelos centros históricos de Lisboa e do Porto” e que testemunhe “a quantidade de edifícios que estariam abandonados se não fosse o Alojamento Local”. Acusar os serviços de alojamento temporário de serem os “grandes responsáveis pela falta de habitação” - com a criação de uma contribuição extraordinária sobre as casas nestas condições, estipulada no novo pacote de medidas - é “extraordinariamente injusto”, sobretudo quando tido em consideração que foi o próprio Governo a apelar à "reabilitação dos centros urbanos".

Desviando o foco do Alojamento Local, André Ventura aponta as casas devolutas (cerca de 150 mil só em Lisboa, e 730 mil a nível nacional) e a “burocracia excessiva” como os principais fatores de preocupação no setor imobiliário - questões essas que não encontram resolução no pacote do Governo. "O Presidente da República, se quiser ser coerente, tem o dever de vetar esta lei", remata. 

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