Investigadores descobrem e decifram cartas perdidas de Maria, Rainha da Escócia - TVI

Investigadores descobrem e decifram cartas perdidas de Maria, Rainha da Escócia

  • CNN
  • Ashley Strickland
  • 10 fev 2023, 08:00
Mary Maria Rainha dos Escoceces da Escócia Foto VCG Wilson/Corbis/Getty Images

Equipa de criptógrafos encontra um "tesouro" de cartas secretas que estiveram protegidas durante séculos.

Três criptógrafos encontraram e decifraram um tesouro, um conjunto de cartas escritas por Maria, Rainha da Escócia, que estavam perdidas.

As 57 cartas secretas, enviadas por Maria Stuart ao embaixador francês em Inglaterra, entre 1578 e 1584, tinham sido escritas num código sofisticado.

A descoberta chega 436 anos após a morte de Maria Stuart, que foi executada a 8 de fevereiro de 1587.

A maior parte das cartas estava guardada na Biblioteca Nacional francesa, em Paris, juntamente com outros documentos por identificar, também escritos em código, com cifras especiais.

Os documentos estavam listados como pertencendo à primeira metade do século XVI e pensava-se que estariam relacionados com a História de Itália.

Depois, três investigadores, apaixonados por descodificar códigos históricos, tropeçaram nos documentos.

George Lasry, cientista da computação e criptógrafo francês, Norbert Biermann, pianista e professor alemão, e Satoshi Tomokiyo, físico japonês e especialista em patentes, trabalharam em conjunto para descobrirem a história verdadeira por trás daqueles documentos.

A equipa multidisciplinar passou 10 anos a decifrar e compreender o código histórico. Lasry é também membro do Projecto DECRYPT, que digitaliza, transcreve e identifica significados para códigos antigos.

Assim que os investigadores começaram a tentar decifrar aquele código único perceberam rapidamente que a correspondência tinha sido escrita tendo como base o francês e não o italiano.

A equipa seleccionou verbos e advérbios que usavam o género feminino, menções a cativeiro - e uma palavra-chave: Walsingham. Sir Francis Walsingham era secretário da Rainha Isabel I e seu espião.

Todos as pistas apontavam para a possibilidade de a equipa ter encontrado as cartas de Maria Stuart, que se julgavam perdidas há séculos.

Os resultados da pesquisa foram publicados na terça-feira na revista Cryptologia.

O código sofisticado de Mary Stuart protegeu as suas cartas secretas durante séculos. Imagem Lasry, Biermann & Tomokiyo

"Maria, Rainha da Escócia, deixou um volumoso corpo de correspondência, guardado por vários arquivos", disse Lasry num comunicado. "No entanto, existiam indícios de que várias cartas estariam desaparecidas destas coleções, e embora se encontrassem referências a elas, não se sabia onde estavam. As cartas que nós decifrámos muito provavelmente fazem parte desta correspondência secreta perdida."

Os documentos descodificados, que compreendem 50 mil palavras no total, lançam uma nova luz sobre o tempo que Maria Stuart passou em cativeiro, em Inglaterra.

Correspondência Secreta

Maria Stuart, católica, era a primeira na linha de sucessão ao trono inglês, logo a seguir à sua prima protestante, Rainha Isabel I. Os católicos consideravam que Maria Stuart era a soberana legítima.

Ao perceber que Maria Stuart era uma ameaça, Isabel I manteve a prima presa durante 19 anos, a maior parte do tempo em Inglaterra sob a custódia do Conde de Shrewsbury. Aos 44 anos, Maria Stuart foi decapitada por alegadamente ter feito parte de uma conspiração para assassinar Isabel I.

Mas Maria Stuart não passou os anos de cativeiro sem fazer nada. Durante esse tempo, manteve correspondência regular com aliados, tentando recrutar mensageiros de forma a que as cartas não fossem intercetadas por inimigos.

As novas cartas revelam novos detalhes sobre a comunicação que manteve com Michel de Castelnau, sieur de la Mauvissière, o embaixador francês em Inglaterra. A correspondência parece ter-se iniciado cedo, logo em 1578. O embaixador reenviava depois as cartas de Maria Stuart aos agentes dela em França.

Palavras emergem do código. Imagem Lasry, Biermann & Tomokiyo

O governo inglês tinha conhecimento das actividades clandestinas de Maria Stuart. Por sua vez,  Walsingham espiava-a. E foi através de um espião infiltrado na embaixada francesa que conseguiu apanhar algumas cartas - e é por isso que algumas das 57 cartas agora decifradas também podem ser encontradas em arquivos britânicos.

Nas cartas, Maria, Rainha da Escócia, queixa-se das más condições em que vive e da sua saúde. Lamenta que as negociações com Isabel I não tenham sido feitas de boa fé. Muitas das cartas falam sobre o quanto não gosta de Walsingham e também de Robert Dudley, Conde de Leicester e um dos preferidos da sua prima. As cartas desvendam também que ela tentara subornar oficiais da rainha.

As cartas mostram ainda o desespero de Maria Stuart, quando, em Agosto de 1582, o seu filho, Jaime - que duas décadas mais tarde se tornaria o Rei Jaime I de Inglaterra - foi raptado.

John Guy, historiador e fellow no Clare College, em Cambridge, Inglaterra, e autor do livro “Queen Of Scots: The True Life of Mary Stuart”, teve a oportunidade de ler o estudo antes da sua publicação.

"É uma pesquisa extraordinária e estas descobertas vão ser uma sensação histórica e literária", disse Guy. "É a mais importante nova descoberta relacionada com Maria Stuart, Rainha da Escócia, dos últimos 100 anos."

As cartas provam que, mesmo presa, Maria Stuart continuava a ser uma "analista de assuntos internacionais atenta e perspicaz", envolvida nas questões políticas da Escócia, de Inglaterra e de França, disse Guy.

Decifrar o código

A equipa de investigadores usou métodos complexos que combinam algoritmos informáticos, análise linguística e técnicas manuais de criptologia para decifrar as cartas.

"Não foi um momento "eureka" - demorou bastante a decifrar o código, de cada vez íamos destapando mais uma camada da 'cebola'", disse Lasry.

A equipa de investigadores teve de transcrever os códigos para o seu algoritmo informático. Imagem Lasry, Biermann & Tomokiyo

Inicialmente, usando um algoritmo informático, os investigadores conseguiram ler apenas 30% do texto. Depois, manualmente, estudaram as cifras e testaram os seus significados através de um método de tentativa e erro, recorrendo a análise contextual.

"Isto é como resolver um enorme desafio de palavras cruzadas", disse Lasry. "Grande parte do trabalho envolveu transcrever as letras codificadas (150 mil símbolos no total) e interpretá-las - 50 mil palavras, o suficiente para dar um livro."

De acordo com os investigadores, as cifras eram homofónicas, significando que cada letra do alfabeto podia ser codificada usando vários símbolos cifrados. Esta prática assegurava que certos símbolos não eram utilizados com demasiada frequência. O texto incluía também determinados símbolos para significar lugares, palavras e nomes comuns.

A equipa teve a oportunidade de comparar as cartas com alguns documentos incluídos no espólio de Walsingham na British Library, em Londres, e localizar cifras semelhantes.

Algumas cifras faziam correspondência com nomes comuns, como meses do ano em francês. Imagem Lasry, Biermann & Tomokiyo

"Decifrámos códigos mais difíceis, e decifrámos uma ou outra carta de um rei ou rainha, mas nada que se compare com 50 novas cartas de uma das mais famosas figuras históricas", disse Lasry.

É provável que outras cartas codificadas de Maria Stuart ainda estejam em falta. Mas, entretanto, com estas cartas os investigadores têm um poço de informação para explorar.

"Na nossa publicação, fornecemos apenas uma interpretação inicial e resumos das cartas", disse Lasry. "Uma análise mais profunda por parte de historiadores pode resultar numa melhor compreensão dos anos que Maria Stuart passou em cativeiro. Também seria óptimo vir a trabalhar com historiadores para editar em livro as cartas decifradas, anotadas e traduzidas."

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