Mais mulheres no poder poderiam, de facto, tornar o mundo melhor? Elas trazem "preocupações e soluções diferentes" - TVI

Mais mulheres no poder poderiam, de facto, tornar o mundo melhor? Elas trazem "preocupações e soluções diferentes"

Mulheres no trabalho. Freepik

Há cada vez mais mulheres nas universidades, nas empresas, na política - mas raramente chegam aos lugares de topo. A discriminação existe, apesar das quotas. O que teríamos a ganhar se o mundo fosse menos desigual e o que podemos fazer para que isso aconteça?

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As mulheres não são melhores do que os homens mas a presença de mais mulheres nos fóruns de decisão poderia de facto contribuir para tornar o mundo melhor. "Não creio que as mulheres sejam mais ou menos aptas que os homens para serem CEO's ou governantes, mas seguramente equipas com maior representatividade de ambos os sexos, executivos de empresas e executivos governamentais mais equilibrados do ponto de vista do género, serão certamente mais capazes, mais criativos e chegarão a soluções mais criativas", afirma à CNN Portugal Sandra Ribeiro, presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG). "É isso que nos demonstram os resultados das grandes empresas multinacionais que advogam e praticam sistemas de governança onde a diversidade de género e a inclusão são encaradas como peças chave para o desenvolvimento sustentável dos seus negócios."

Numa entrevista recente, António Pires Lima, presidente do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BCSD Portugal), afirmou que "Portugal seria um país mais equilibrado, mais justo e, se calhar com menos crises, se tivéssemos mais mulheres em posições de poder político e poder empresarial (...)": "Acredito que se tivéssemos um mundo onde a participação das mulheres, no topo das decisões políticas fosse mais observada, provavelmente teríamos um mundo melhor, com menos guerras, menos exibicionismos alfa a conduzirem muitas vezes a crises e guerras, que o universo das mulheres seguramente dispensaria."

Não se trata de dizer que as mulheres são menos exigentes ou mais "boazinhas". As mulheres também sabem ser líderes duras e também fazem guerras. Trata-se de reconhecer que seria bom trazer diferentes pontos de vista e experiências diversificadas para as reuniões dos conselhos de administração. "Ganharíamos um maior equilíbrio nas decisões de poder", afirma à CNN Portugal a politóloga e investigadora Paula do Espírito Santo. "O género pela sua especificidade cultural e social não é indiferente às tomadas de decisão. Por isso, se tivéssemos mais mulheres no poder teríamos certamente decisões mais inclusivas, mais discutidas e partilhadas, com maior transversalidade. A equidade de género será sempre um fator de inclusão social, política, pública, geracional."

"Se tivéssemos mais mulheres no poder teríamos certamente decisões mais inclusivas, mais discutidas e partilhadas, com maior transversalidade."

Essa é, como diz Paula Cosme Pinto, "a beleza da diversidade". As mulheres trazem "pontos de vistas, focos, preocupações, soluções diferentes. E todos temos a ganhar quando há mais diversidade, porque cada um de nós está numa bolha", diz a coautora do podcast "Um género de conversa". Além disso, também é verdade que as mulheres são de uma forma geral "mais preocupadas com o bem comum, com as necessidades básicas como a saúde, comida, habitação, mais do que com armamento e o lucro capitalista. Séculos e séculos de história em que nos foi atribuída a função de cuidadora fazem-nos ter essa preocupação", sublinha Paula Cosme Pinto.

Mulheres continuam afastadas da política e dos cargos de liderança

"Do ponto de vista social, Portugal é um país típico da Europa do Sul e, portanto, também nesta matéria, ao nível da participação das mulheres na vida das empresas, nomeadamente em posições de poder, ou a participação de mulheres na vida política, temos seguramente gaps importantes para superar", afirmou ainda António Pires de Lima.

A diferença começa logo na filiação partidária, explica a politóloga e investigadora Paula do Espírito Santo: "Há muito menos mulheres filiadas em partidos políticos do que homens. Na Europa, a média é de 70% de homens e 30% de mulheres. Em Portugal também é assim. Depois temos as quotas que impõem um determinado número de mulheres no Parlamento, mas o que verificamos é que as mulheres não permanecem e não fazem carreira."

O afastamento da política é um problema geracional, que afeta os jovens de ambos os géneros, afirma esta especialista. E que está ligado também a um certo descrédito da função pública: "Muitas vezes, as pessoas com mais competência são aquelas que menos se sentem atraídas pelos cargos políticos. São pessoas que têm um maior desprendimento em relação ao poder e que mais dificilmente se deixariam enredar em esquemas de corrupção e que, por isso, seriam melhores líderes, mas não têm interesse. E então há uma certa endogamia nos mecanismos de acesso, é um ciclo vicioso", explica a investigadora. 

Este é também um fator de desmotivação para as mulheres. Isto "tem a ver, por um lado, com a cultura política, mas também com as formas de socialização, com a família e os pares". "São áreas a que as pessoas aderem geralmente na juventude e a área política não parece ser tão atrativa para as mulheres. Não é um exclusivo de Portugal, mas no nosso caso temos também fatores de ordem histórica, porque temos uma democracia recente."

No entanto, não deixa de ser surpreendente que, nestes quase 50 anos, se contem "pelos dedos das mãos as mulheres que estiveram em cargos de efetiva liderança no país", observa Paula Cosme Pinto. E dá como exemplo o caso da atual disputa pela liderança do PS onde as mulheres estão totalmente ausentes. "Somos metade da população e continuamos a estar subrepresentadas nos lugares de decisão."

"Apesar da lei da paridade que efetivamente conseguiu trazer muitas mais mulheres para o exercício de cargos políticos, a verdade é que se percebe claramente que ao nível dos partidos políticos, de uma forma geral, continua a ser um “mundo de homens. O facto de as mulheres de alguns partidos sentirem a necessidade de criar comissões de mulheres dentro dos partidos é disso exemplo", afirma Sandra Ribeiro. "A igualdade entre mulheres e homens implica sempre que alguém tem de abdicar de poder para que outras pessoas entrem para o círculo do poder e, obviamente, essa é sempre uma equação muito difícil. Mas precisamos mesmo de mais mulheres na politica, mais mulheres em cargos governativos de relevo porque isso dá ânimo a outras mulheres para também entrarem na política. Os modelos são muito importantes, e a maioria dos modelos na política ainda são masculinos. As mulheres têm de reivindicar ainda mais o seu lugar na política e nos partidos políticos, um lugar que é o mesmo dos homens."

O que se verifica, na política como no meio empresarial ou académico, é que há cada vez mais mulheres e até podem conseguir alguns cargos de relevo mas são poucas as que chegam ao topo. "Há um progresso, uma maior inclusão das mulheres, há uma evolução gradual mas muito lentas. As mulheres acedem a cargos de liderança mas raramente no topo. São as números dois, as vices-presidentes", sublinha Paula do Espírito Santo.

"Precisamos mesmo de mais mulheres na política, mais mulheres em cargos governativos de relevo porque isso dá ânimo a outras mulheres para também entrarem na política. Os modelos são muito importantes, e a maioria dos modelos na política ainda são masculinos."

Como disse António Pires de Lima, citando o estudo da BCS: "Só cerca de 25% das funções de topo empresarial são ocupadas por mulheres. Só 14% dos CEO portugueses são mulheres. Duas conclusões, fundamentais em termos de resultados: apesar de metade da população das empresas ser mulher, só um terço das promoções abrangem mulheres. Portanto as mulheres são discriminadas nas promoções. E têm qualificações iguais aos homens. É um gap que merece reflexão. Esta é uma tendência que é preciso, no meu ponto de vista, primeiro, analisar caso a caso, empresa a empresa, ganhar consciência dela, e depois traçar metas." 

Maternidade ainda é um grande obstáculo à progressão na carreira

"É importante que um CEO de uma grande empresa nacional chegue a estas conclusões, que efetivamente correspondem àquilo que tentamos demonstrar há anos", comenta Sandra Ribeiro. "Efetivamente, há um desequilíbrio acentuado no acesso a cargos de direção entre mulheres e homens, com clara discriminação para as mulheres, o que se prende muitas vezes com a falta de disponibilidade que as mulheres têm para dedicar mais tempo ao trabalho por ainda ser sobre as mulheres que recai grande parte das tarefas domésticas e de cuidado, o que as deixa numa situação de necessidade de escolha entre a família e o trabalho. A verdade é que a maternidade continua a ser a principal causa de discriminação das mulheres no mercado de trabalho, porque de um modo geral continuam a ser elas quem mais cuida."

"Por outro lado, e como anualmente se demonstra através dos dados apurados a partir dos quadros de pessoal, continua a existir uma persistente diferença salarial entre homens e mulheres, atualmente de 13,2%, se tivermos em conta apenas o salário base, mas que ascende aos 15% se falarmos em ganho", acrescenta a presidente da CIG. "Esta diferença advém exatamente de existirem muito menos mulheres em cargos de direção, mas também porque fazem menos horas extraordinárias, faltam mais ao trabalho para cuidar de filhos e ascendentes, são menos vezes promovidas."

Essa é também a opinião de Paula Cosme Pinto: "Temos de começar a falar mais em parentalidade do que em maternidade. Apesar de haver um crescimento exponencial no número de homens que pedem licença, ainda há um enorme desequilíbrio. No momento de prolongar as licenças, como são geralmente as mulheres que ganham menos são elas que ficam em casa. Se os ordenados de homens e mulheres fossem mais equiparados a escolha seria mais difícil. Temos muitas mulheres que trabalham em part-time para poderem tratar dos filhos e sempre que os filhos estão doentes também são elas que faltam ao trabalho", explica.

"Há um desequilíbrio acentuado no acesso a cargos de direção entre mulheres e homens, o que se prende muitas vezes com a falta de disponibilidade que as mulheres têm para dedicar mais tempo ao trabalho por ainda ser sobre as mulheres que recai grande parte das tarefas domésticas e de cuidado, o que as deixa numa situação de necessidade de escolha entre a família e o trabalho."

Por tudo isto, "as mulheres não estão linha da frente na progressão da carreira. Em algumas empresas não são sequer consideradas para determinados cargos porque se parte do pressuposto que estão menos disponíveis. Isto é uma questão cultural. Há algumas medidas que podem ajudar a mitigar esta situação, como as quotas e a licenças parentais partilhadas, a lei pode mudar muita coisa, mas as mentalidades demoram muito tempo a mudar", diz Paula Cosme Pinto. "Ainda estamos longe da equidade. Estes são problemas profundos e geracionais, não se resolvem num espaço de anos. Há uma percepção que está muito enraizada na sociedade. 

Legislação, fiscalização e muita educação

Como explica Sandra Ribeiro, "este panorama tem vindo a atenuar-se ao longo das ultimas décadas mas a velocidade com que as diferenças acima referidas vão diminuindo é tão lenta que obviamente é necessário intervenção de políticas públicas que contribuam para um progresso mais veloz". "As quotas por exemplo tem sido um impulso importante, mas também as politicas de fomento do uso de licenças parentais por progenitores homens."

Em muitos casos, "as leis existem, a sua aplicação é que deve ser efetivada e fiscalizada", alerta Paula Cosme Pinto. "Há casos de discriminação salarial e represálias dentro das empresas para as mulheres que se queixam, há mulheres que são discriminadas no momento da contratação porque estão em idade fértil - e há perguntas que são feitas em entrevistas que são ilegais mas que estão normalizadas. Há mulheres discriminadas na progressão laboral porque pedem as licenças a que têm direito. Tudo isto ainda acontece em empresas que garantem as quotas mas não garantem uma verdadeira equidade de género. Os gabinetes de recursos humanos têm de garantir que há mais transparência e têm de ser mais céleres quando há queixas. Da mesma forma, tem de haver uma maior fiscalização destas situações."

O mesmo diz Sandra Ribeiro. "É importante realçar que as empresas podem instituir sistemas de gestão de recursos humanos mais transparentes e diversos, e podem criar medidas internas que configurem o planeamento de metas para promoverem mais mulheres a cargos de direção e de se esforçarem por praticar uma política salarial baseada na transparência que corrija eventuais diferenças salariais de género nas suas equipas. Esta implementação de medidas internas nas empresas não carece da existência de quaisquer políticas públicas, são visão empresarial."

Para além de tudo, o que há a fazer é apostar na educação para a inclusão. "A educação é um agente de mudança", confirma Paula Cosme Pinto. "Não é ao acaso que existe uma enorme resistência à educação para a cidadania, sobretudo dos setores mais conservadores da sociedade. Temos de fazer uma educação para a igualdade e para o empoderamento, contra o privilégio, combater o conservadorismo. Informação é poder. E as escolas têm um papel enorme."

Paula do Espírito Santo concorda. "Para além das quotas, que são um instrumento muito concreto, é preciso continuar a apostar-se na inclusão pela formação, pelo conhecimento, logo desde a infância. Mesmo nas aulas de cidadania, a política não é um assunto prioritário e devia sê-lo. E, finalmente, precisamos de mais modelos femininos, que sirvam de inspiração para as jovens." Uma coisa leva a outra. Talvez não tão depressa quanto gostaríamos mas esta "é uma caminhada que está no sentido ascendente".

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