Corrupção, repressão, nepotismo – é assim o regime de Ilham Aliyev, um parceiro “fiável” da União Europeia - TVI

Corrupção, repressão, nepotismo – é assim o regime de Ilham Aliyev, um parceiro “fiável” da União Europeia

Ursula von der Leyen e Ilham Aliyev (Getty Images)

É presidente do Azerbaijão há duas décadas e aproveitou a riqueza natural do país para enriquecer a família. Apesar das violações dos direitos humanos e das liberdades, o Ocidente - em especial a União Europeia - não tem tido problemas em fazer negócio com o ditador

É um dos chefes de Estado mais ricos do mundo e também um dos maiores tiranos da atualidade. Os 20 anos da presidência de Ilham Aliyev foram marcados por um grande crescimento económico do Azerbaijão, mas também por repressão, nepotismo, corrupção e whitewashing.

Atualmente, Aliyev e o seu regime estão no centro de outro escândalo internacional, ao serem responsáveis por um bloqueio total à autoproclamada República de Artsakh, deixando a morrer à fome cerca de 120 mil pessoas, entre as quais 30 mil crianças.

A crueldade desta tomada de posição não é uma novidade na sua vida, como veremos mais à frente. Ao ter nascido no seio de uma família de elite, Aliyev sempre esteve destinado a assumir o poder. O seu pai, Heydar, liderou a República Socialista Soviética do Azerbaijão entre 1969 e 1982, tendo depois chegado a número dois do governo da URSS.

Sendo filho de um dos mais importantes membros do Partido Comunista da União Soviética, Ilham Aliyev teve muitos privilégios enquanto jovem, como frequentar o prestigiado Instituto Estatal de Relações Internacionais de Moscovo, onde tirou o seu doutoramento em História e deu aulas durante cinco anos, de 1985 a 1990.

O colapso da União Soviética pouco alterou a ordem política doméstica do Azerbaijão. Heydar Aliyev governou o país com mão de ferro de 1993 até 2003, ano da sua morte. Após eleições presidenciais fraudulentas, nas quais obteve mais de 75% dos votos, Ilham, que desde 1994 ocupava o lugar de vice-presidente da petrolífera estatal SOCAR, subiu ao trono que fora do seu pai e por lá se mantém até à atualidade.

Sob a sua batuta, o autoritarismo manteve-se. Não há imprensa livre, liberdade de expressão ou de reunião e o nepotismo é indelével – a sua mulher, Meriban Aliyeva, é também a vice-presidente do país. A oposição política é fortemente controlada e as eleições não são livres nem justas.

Um caso paradigmático é o das eleições presidenciais de 2013. Antes de os eleitores serem chamados às urnas, a Comissão Central de Eleições do Azerbaijão lançou uma aplicação para telemóveis onde os azeris iriam poder acompanhar, em tempo real, todos os acontecimentos. Na véspera das eleições, no entanto, foram divulgados os resultados da mesma, com Ilham Aliyev a obter cerca de 72,76%. Citado pela CNBC, o criador da aplicação, Vusal Isayev, argumentou na altura que os resultados divulgados eram os das eleições anteriores, algo impossível dado que o principal candidato da oposição, Jamil Hasanly, nunca tinha concorrido à presidência.

Os 20 anos de presidência de Aliyev têm sido marcados também por um forte crescimento económico do Azerbaijão. Beneficiando das vastas reservas de petróleo e gás natural, a economia azeri cresceu a uma média de 14% ao ano nos primeiros dez anos da sua presidência, tendo sido mesmo a economia que registou a maior taxa de crescimento anual entre 2005 e 2007, segundo dados do Banco Mundial.

Baku (AP)

Corrupção, nepotismo e whitewashing

A riqueza, contudo, não chega a boa parte das famílias azeris e é acumulada sobretudo por uma: os próprios Aliyev. Do setor bancário às telecomunicações, os Aliyev controlam uma parte significativa da economia local, quase sempre através de esquemas obscuros com empresas offshore.

Um exemplo das artimanhas é a Azerfon, uma das maiores empresas de telecomunicações do país. De acordo com uma investigação da Radio Free Europe em 2011, a Azerfon era detida na altura por três empresas panamianas, uma empresa com sede no paraíso fiscal de Nevis, nas Caraíbas, e pela operadora estatal Aztelecom.  As três empresas panamianas – Gladwin Management, Inc; Grinnell Management, Inc; e Hughson Management, Inc - detinham, cada uma, 24% das ações da Azerfon. No caso das duas primeiras, a presidente era Leyla Aliyeva, a filha mais velha de Ilham Aliyev, e a tesoureira era Arzu Aliyeva, a mais nova. No caso da Hughson, os papéis invertem-se.

Arzu Aliyeva, à esquerda, e Leyla Aliyeva, à direita (Getty Images)

Os milhares de milhões que os Aliyev acumularam ao longo dos anos também foram aplicados na compra de luxuosas propriedades pelo mundo fora. Em 2010, o Washington Post revelou que os três filhos do presidente azeri detinham propriedades no Dubai no valor de 70 milhões de euros. O caso do filho de Ilham Aliyev, Heydar (tem o mesmo nome do avô), fez levantar algumas sobrancelhas: com apenas 11 anos já era proprietário de nove mansões no Palm Jumeirah, um dos mais reconhecíveis empreendimentos de luxo no mundo.

É em Londres, porém, que os Aliyev aparentam ter a maior parte do seu portefólio imobiliário. Em 2021, o Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP) analisou documentos disponibilizados durante o escândalo dos Panama Papers e concluiu que o valor total das dezenas de propriedades que os Aliyev detinham na capital britânica era de 653 milhões de euros.

“A propriedade deste império imobiliário tem sido sistematicamente escondida durante anos atrás de empresas offshore com nomes genéricos como Sheldrake Six e Fliptag Investments”, escreveu o OCCRP no relatório, que descobriu 84 offshores com sede nas Ilhas Virgens Britânicas associadas aos Aliyev.

A fortuna do regime azeri é igualmente usada para branquear a imagem do país no estrangeiro. A estratégia do país é conhecida como “diplomacia caviar”, termo usado pela primeira vez num relatório do think tank European Stability Initiative (ESI) em 2012.

No documento, o ESI alega ter ouvido de fontes azeris que Baku envia meio quilo de caviar quatro vezes por ano a “amigos” na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (PACE, na sigla em inglês) que, em troca, elogiam o regime de Aliyev ou tentam abafar as críticas a ele feitas.

"O caviar, pelo menos, é oferecido em todas as sessões. Mas durante as visitas a Baku também são dadas muitas outras coisas. Muitos deputados são regularmente convidados a visitar o Azerbaijão e são generosamente pagos. Num ano normal, pelo menos 30 a 40 são convidados, alguns deles repetidamente. As pessoas são convidadas para conferências, eventos e, por vezes, para as férias de verão. São verdadeiras férias e os presentes são muito caros. Os presentes são sobretudo tapetes de seda caros, objetos de ouro e prata, bebidas, caviar e dinheiro. Em Baku, uma prenda comum é 2 quilos de caviar", pode ler-se no relatório.

O maior escândalo, a “Lavandaria Azeri”, foi revelado pelo OCCRP em 2017. Entre 2012 e 2014, cerca de 2,7 mil milhões de dólares foram canalizados para centenas de indivíduos e empresas europeias.

Entre os responsáveis políticos que foram pagos para fazer lobbying a favor do Azerbaijão estão Luca Volontè, líder do grupo parlamentar do Partido Popular Europeu (PPE) na PACE entre 2010 e 2013, e Karin Strentz, ex-deputada no parlamento alemão pelo partido de Angela Merkel, a CDU. Strenz morreu em 2021 antes de ser acusada de qualquer crime, enquanto Volontè foi condenado em janeiro de 2021 a quatro anos de prisão por lavagem de dinheiro e recebimento de suborno – no total, o político italiano recebeu 2,39 milhões de euros do regime azeri.

Dentro da legalidade, o dinheiro azeri também chegou aos bolsos de artistas como Mariah Carey, Christina Aguilera e Lady Gaga. De acordo com o canal Eurosport, esta última recebeu cerca de 1,8 milhões de euros para atuar dez minutos na cerimónia de abertura dos primeiros Jogos Europeus, realizados em 2015 em Baku.

Também importante para promover a imagem do país junto do Ocidente tem sido o Grande Prémio de Fórmula 1 realizado todos os anos desde 2016 na capital azeri. É um privilégio caro: segundo o portal RacingNews365, o Azerbaijão paga mais de 50 milhões de euros todos os anos para acolher um fim de semana de Fórmula 1, valor apenas igualado pela Arábia Saudita e pelo Catar.

Ilham Aliyev no pódio do primeiro Grande Prémio de Fórmula 1 realizado em Baku, em 2016, acompanhado da mulher, Meriban Aliyeva (Getty Images)

O "ouro negro" que atrai a Europa

Contudo, é bem longe dos holofotes, no setor energético, que o governo de Aliyev agarra o Ocidente.

Pouco depois do colapso da União Soviética, em 1995, formou-se a Azerbaijan International Operating Company (AIOC), um consórcio de empresas do setor energético liderado pela britânica BP para explorar o complexo de poços de petróleo de Azeri-Chirag-Gunashli (ACG), no Mar Cáspio. Para além da BP, que detém mais de 30% das ações do consórcio, e de outras empresas turcas e japonesas, também as petrolíferas americanas Chevron e ExxonMobil e a norueguesa Equinor, detida pelo Estado norueguês, têm participações no projeto.

Este contrato foi apelidado de “Contrato do Século” no Azerbaijão. Até junho de 2023, de acordo com a BP, os parceiros do consórcio investiram mais de 39 mil milhões de euros no ACG, origem de mais de 90% das exportações de petróleo do país.

O mais recente projeto do complexo ACG foi apresentado em 2019 e denomina-se Azeri Central East (ACE). Segundo a BP, o investimento de 5,5 mil milhões de euros vai aumentar a capacidade de produção do complexo em 100 mil barris por dia. A produção no ACE deve começar no início de 2024.

A assinatura do "Contrato do Século" na residência oficial do primeiro-ministro britânico, em Londres. Em cima, à esquerda, Heydar Aliyev, anterior presidente do Azerbaijão, e à direita Tony Blair, ex-primeiro-ministro do Reino Unido. Em baixo, à esquerda, Johan Nic Vold, da petrolífera estatal norueguesa Statoil (atual Equinor), John Browne, da BP, ao centro, e Natik Aliyev, da SOCAR, à direita (Getty Images)

O principal cliente das exportações azeris é, naturalmente, a União Europeia, que tem ativamente promovido e financiado projetos na área energética. Um exemplo é o Gasoduto Trans-Adriático, que liga o campo de exploração de gás de Shah Deniz, também no Mar Cáspio, a Itália, passando pela Turquia, Grécia e Albânia.

Este gasoduto, financiado em 700 milhões de euros pelo Banco Europeu de Investimento, cimentou a posição de Itália como maior importador do Azerbaijão: em 2022, 47% das exportações azeris, ou 16,5 mil milhões de euros, tiveram como destino a península italiana. Os restantes lugares do top 3 são ocupados pela Turquia e por Israel, para onde foram canalizadas 9,3% e 4,4% das exportações do Azerbaijão, respetivamente. P.ortugal aparece na 11.ª posição desta lista, tendo importado quase 700 milhões de euros do país do Cáucaso, cerca de 2% das vendas do Azerbaijão para o exterior.

Após a invasão russa da Ucrânia, em julho de 2022, a União Europeia deu mais um passo para incrementar a compra de gás azeri com a assinatura de um memorando, que prevê duplicar as importações de gás deste país até 2027.

“A UE está a virar-se para fornecedores fiáveis de energia. O Azerbaijão é um deles. Com o acordo de hoje, comprometemo-nos a expandir o Corredor Meridional de Gás, a fim de duplicar o fornecimento de gás do Azerbaijão à UE”, escreveu na altura a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no Twitter.

Ursula von der Leyen e Ilham Aliyev assinam acordo para aumento das importações de gás azeri por parte da União Europeia, Baku, 18 de julho de 2022 (Getty Images)

O sentimento anti-arménio

Não obstante todos os problemas acima mencionados, a faceta mais preocupante do regime de Ilham Aliyev é o sentimento anti-arménio. Nas últimas décadas, o ódio aos arménios e à Arménia, espoletado pela disputa da região do Nagorno-Karabakh, tornou-se quase numa ideologia de Estado, capaz de unir todos os azeris, mesmo os críticos do regime.

"O nosso principal inimigo é o lobby arménio... A Arménia como país não tem valor. É, na verdade, uma colónia, um posto avançado gerido a partir do estrangeiro, um território criado artificialmente em antigas terras do Azerbaijão", disse Aliyev em 2012.

Nos últimos meses, a situação entre os dois países tem-se tornado cada vez mais insustentável. O bloqueio azeri do corredor de Lachin, e consequente isolamento da autoproclamada República de Artsakh, deixou 120 mil arménios sem acesso a bens essenciais desde dezembro de 2022.

A preocupação do lado arménio tem aumentado significativamente nos últimos dias. Nas redes sociais, são vários os vídeos que mostram uma aparente movimentação de tropas azeris ao longo das fronteiras com a Arménia e com Artsakh, operação em tudo semelhante à realizada pela Rússia nas semanas que antecederam a invasão da Ucrânia.

"Nos últimos dias, o Azerbaijão tem concentrado forças ao longo da linha de contacto com o Nagorno-Karabakh e na fronteira com a Arménia", denunciou o primeiro-ministro da Arménia, Nikol Pashinyan, no dia 7 de setembro, alertando que Baku está a preparar-se para uma “nova provocação militar” contra o Nagorno-Karabakh e a Arménia.

O Azerbaijão negou as palavras de Pashinyan, classificando-as de “manipulação política”.

Outro indicador de que o governo de Aliyev pode estar a preparar uma ofensiva é o aumento dos voos militares entre Israel e o Azerbaijão nas últimas semanas. Os israelitas são dos maiores fornecedores de armas às tropas azeris. De acordo com o Stockholm International Peace Research Institute, quase 27% do armamento importado pelo Azerbaijão entre 2011 e 2020 veio de Israel – apenas superado pela Rússia -, número que sobe para 69% se isolado o período entre 2016 e 2020.

Moralizado pela vitória na Segunda Guerra do Nagorno-Karabakh há três anos, Ilham Aliyev pode estar prestes a desencadear um novo conflito armado no Cáucaso.

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