Despediram-se e até venderam a casa, mas o sonho de trabalhar em Portugal virou pesadelo. O "imediato" demora meses - TVI

Despediram-se e até venderam a casa, mas o sonho de trabalhar em Portugal virou pesadelo. O "imediato" demora meses

  • Nuno Guedes
  • 20 fev 2023, 21:35

A promessa do Governo português era de ter um processo rápido. Candidatos ao visto de procura de trabalho estão desesperados e sentem-se enganados

Adriano, Bárbara, Igor e Thiago trabalhavam no Brasil em áreas muito diferentes. Em comum têm duas coisas: viram as promessas do Governo português de atribuição rápida do visto para procurar trabalho em Portugal, uma das principais novidades da Lei de Estrangeiros publicada em Agosto, e despediram-se do trabalho.

Os quatro brasileiros, entrevistados pelo Exclusivo da TVI (do grupo da CNN Portugal), foram dos primeiros a pedir o novo visto, no início de novembro, e agora estão desempregados, à espera que o processo avance nos consulados.

Muitos até venderam a casa ou entregaram a casa que tinham alugado. Alguns até venderam os móveis.

Não se pense, no entanto, que foram decisões precipitadas: a regulamentação da lei foi publicada a 30 de setembro pelo Conselho de Ministros e todos dizem que cada passo foi estudado.

Além disso, numa visita a Moçambique, no início de setembro, o primeiro-ministro tinha adiantado aquilo que seria publicado mais tarde em Diário da República e explicado aquela que dizia ser uma "regra muito simples".

Segundo António Costa, "todos os cidadãos de um Estado da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que peçam qualquer tipo de visto, esse visto deve ser liminarmente concedido, imediatamente concedido, a não ser que haja uma ordem de expulsão ou uma ordem de interdição no espaço Schengen".

"À mercê do tempo, sem nenhum tipo de resposta"

Thiago Martins vive em Goiânia, a duzentos quilómetros de Brasília. Viu na Internet as palavras do líder do Governo português e acreditou.

Queria mudar para a Europa há muitos anos e fez as contas. Planeou a mudança para a Europa e marcou a viagem para janeiro, ou seja, mais de dois meses depois da data de entrega do pedido de visto de procura de trabalho. Hoje continua sem visto e "à mercê do tempo, sem nenhum tipo de resposta".

O mesmo se passa com centenas ou mesmo milhares de brasileiros, como explica Célio Sauer, advogado brasileiro com escritório em Lisboa, com vários vídeos no YouTube a explicar os detalhes legais do processo, que tem recebido centenas de pedidos de ajuda.

O advogado promoveu uma petição que já tem mais de 3 mil assinaturas e pede que o Governo clarifique as regras pois cada consulado, no Brasil, está a aplicar a legislação de forma diferente, atrasando os processos – cada vez que é pedido um novo documento tudo volta ao início.

Em paralelo, já existiu uma manifestação à porta do consulado do Rio de Janeiro e há centenas de queixas contra a empresa contratada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros para receber e fazer um primeiro tratamento dos pedidos de visto. A VFS Global é acusada de não atender os telefones e demorar uma eternidade a responder aos e-mails.

"Um doce que termina muito amargo"

Célio Sauer diz que, além das palavras do primeiro-ministro, as promessas do governo português e da lei eram claras e indicavam “que o visto teria um processamento muito mais rápido".

"É como um doce que começa muito doce e termina muito amargo", afirma o advogado.Rosa Teixeira Ribeiro, secretária-geral do Sindicato dos Trabalhadores Consulares e das Missões Diplomáticas, confirma que há muitas queixas, não apenas no Brasil, mas também em África, nomeadamente na Guiné-Bissau e Luanda."São queixas quotidianas", admite a sindicalista que recorda que os consultados tiveram, nas últimas décadas, uma sangria de recursos humanos e que a empresa contratada para receber os pedidos de visto representa mais uma etapa que atrasa todo o processo, sem que ninguém saiba, ao certo, qual é a qualidade desse serviço.

Na resposta, a VFS Global, empresa que recebe estes pedidos no Brasil a troco de 25 euros por processo, diz que apenas cumpre tarefas administrativas e ordens: "As decisões sobre os pedidos de visto e os prazos para processá-los ficam ao critério dos governos e podem variar de uma missão [consular] para outra", refere, numa resposta ao Exclusivo da TVI.

Governo promete reforçar pessoal

O Ministério dos Negócios Estrangeiros garante que monitoriza o trabalho desta empresa e promete reforçar o pessoal nos consulados, mas não dá detalhes sobre o número de vistos de procura de trabalho pedidos desde a entrada em vigor da lei no início de novembro.

O gabinete do ministro João Gomes Cravinho apenas adianta que até agora foram entregues cerca de mil vistos deste tipo, em quatro meses, o que contrasta com um número avançado no final de dezembro pela Ministra do Trabalho.

Ana Mendes Godinho revelou que tinham sido 144 mil os candidatos a imigrantes que se inscreveram no site do Instituto do Emprego e da Formação Profissional (IEFP) para pedir o visto de procura de trabalho. No entanto, ninguém sabe ao certo quantos destes estrangeiros acabaram por pedir, de facto, o referido visto nos consulados.    

“Regras absurdas"

A juntar à demora, os candidatos a trabalhar em Portugal queixam-se de “regras absurdas" impostas pelos serviços diplomáticos no Brasil e que variam conforme os consulados, à margem do que está previsto na lei.

Uma das mais surpreendentes é a exigência de fazer uma reserva de dormida em Portugal durante 120 dias, o tempo que o candidato a imigrante tem para procurar um emprego.

Há candidatos a vistos que têm de fazer reservas no valor de dois a três mil euros, apesar de não saberem sequer onde vão encontrar trabalho.

Além disso, têm de ter mais de dois mil euros na conta e em alguns casos provar a sua origem com um extracto bancário que indique os movimentos ao longo de três meses.

5 mil euros para procurar trabalho em Portugal

Ao todo, entre viagens, papelada, burocracias, reservas de dormida e dinheiro no banco, os candidatos dizem que para procurar trabalho em Portugal têm de ter pelo menos 5 mil euros disponíveis.  

Bruno Gutman, advogado brasileiro a viver em Braga, especializado em leis das migrações, admite que é "muito dinheiro para um trabalhador", ainda por cima num país, o Brasil, onde o salário mínimo é muito mais baixo que em Portugal.

Já depois dos contactos da TVI para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, com várias perguntas que ficaram sem resposta, o Ministério da Administração Interna anunciou há dias, publicamente, que Portugal vai atribuir de forma automática aos imigrantes da CPLP uma autorização de residência com a duração de um ano, segundo uma portaria do Governo que ainda será publicada em Diário da República.

Uma garantia que surge numa altura em que já há milhares de candidatos à espera do prometido visto de procura de trabalho em Portugal.

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